Carlos Machado era sinônimo de glamour no show business nacional nos anos 1950 e 1960. Lançou casas noturnas, revelou atores, vedetes, cantoras. Atravessou fronteiras, viveu o auge e conheceu o ostracismo. Sem nunca perder a elegância
Por Renato Fernandes para a Revista J.P
Na noite de 27 de julho de 1948, o coração de Carlos Machado bate mais forte do que os requebrados de suas vedetes. Na Gávea, em um palacete escondido no alto de um pequeno morro, ele inaugura sua primeira casa noturna, a antológica Monte Carlo – até hoje tida por muitos como a melhor que já existiu de tão exclusiva e sofisticada. A frequência não poderia ser melhor: o high do high society brasileiro. Como havia apenas um estreito caminho de acesso até a boate, os clientes deixavam o Cadillac e o Lincoln na Praça Santos Dumont, no Jockey Club, e subiam de táxi.
Sem um palco exclusivo para shows, Machado, um craque na criação, não fez por menos: permitiu que seus espetáculos fossem realizados na pista. Eram os “floor shows”. Economia com ele tampouco existia. Exigia e dava o melhor de si. Roteiristas como Accioly Neto e Silveira Sampaio, o maestro Leal Brito e um elenco de estrelas como Grande Otelo, Anilza Leoni, Rose Rondelli e a fenomenal Carmem Verônica faziam parte do seu time. Machado tinha “olheiros” por todo o Rio de Janeiro, inclusive na praia. Carmem Verônica foi uma das sereias descobertas num banho de mar.
Nas mesas, assistindo a seus shows que transbordavam glamour e sensualidade, a nata do poder se fazia presente. Famílias tradicionais também adoravam, até mesmo as paulistanas, como os Lunardelli, Matarazzo, Almeida Prado, Cunha Bueno e outras tantas. Do high carioca, o trio de locomodivas Lourdes Catão, Tereza Souza Campos e Carmen Mayrink Veiga era sempre bem-vindo, ao lado de seus maridos. O playboy Baby Pignatari era fã de carteirinha – dos shows e das beldades.
Jornalistas também sempre foram seus amigos. Não pagavam para ver os shows e sempre o prestigiaram, mesmo em fases difíceis, entre eles Ibrahim Sued e Antonio Maria.
REI DA NOITE
“Machado era o ‘Rei da Noite’ porque sempre açambarcou vários negócios ao mesmo tempo. A diferença entre ele e o teatro de revista de Walter Pinto era uma mesa com um copo de uísque em cima. Ele próprio dizia isso”, afirma o escritor Ruy Castro para J.P. Agildo Ribeiro, que viveu intensamente a época, complementa: “Os shows de Machado eram mais sofisticados, ele era um homem chiquérrimo e imprimia isso em seu trabalho. O teatro de revista era mais popularesco”, conclui o humorista que conheceu Machado quando ele começou na noite, ao inventar a orquestra Brazilian Serenaders, no fim da década de 1940.
Além da Monte Carlo, ele teve outras casas como a Casablanca, na Urca, e os tradicionais Sacha’s e Fred’s, no Leme. Nos anos 1950, inaugurou ainda uma nova e bem-sucedida fase da Night and Day, no Hotel Serrador, e seus shows no Golden Room do Copacabana Palace entraram para a história.
CATAPULTA PARA A FAMA
Machado catapultou nomes de peso como Elizeth Cardoso, Angela Maria, as futuras rainhas do rádio Marlene e Emilinha Borba, que foram suas crooners, e a atriz Betty Faria: “Já trabalhava com ele no Fred’s, e foi o Machado que me apresentou Lennie Dale, pessoa fundamental na minha carreira”, diz Betty a J.P.
Um de nossos maiores atores, Emiliano Queiroz, também teve a oportunidade de trabalhar com ele. “Ele era extraordinário. Doava autoridade, não chicoteava. Não gritava, era um gentleman, só usava palavras delicadas”, diz Emiliano para J.P e conclui: “Com ele aprendi a me disciplinar, pois havia muita troca de figurinos. Eram mais de 15 roupas e eu ainda emendava peça com o show no Golden Room, então não tive mais tempo para esbórnias, o que foi muito bom para minha carreira”, conclui hoje.
Maria Pompeu, que também teve seus dias de vedete, foi com Machado para o México apresentar o espetáculo “O Teu Cabelo Não Nega”. “Ele sonhava ser contratado para fazer um show em Las Vegas. Achava que o do México daria essa repercussão, mas não foi bem assim”, lembra Maria. Nessa época, Carlos Machado chegou a ser capa da edição em espanhol da revista “Life”, da “Time” latino-americana e da primeira página da “Variety”, com foto e tudo mais.
Durante um período da vida, Machado viveu em Paris. Foi quando teve um caso com a francesa Mistinguett, com quem foi partner nos palcos e na cama. “Carlos Machado? Ele foi o gigolô mais caro que já tive na vida”, ela teria dito certa vez.
AVANT-GARDE
Apesar da fama de Oswaldo Sargentelli, quem introduziu as mulatas em shows foi Machado, como afirma a travesti Eloina, que, na época, assinava Eloina Baker. “Não existe isso de Sargentelli ter sido o inventor das mulatas em shows. Quem fez isso foi o Machado”, diz Eloina para J.P. As belas mulatas Vera Regina, Marly Tavares, Aizita Nascimento, Lady Hilda, Esmeralda Barros e Marina Montini são apenas algumas das que foram suas estrelas.
As vedetes eram exuberantes, faziam o maior sucesso. Elas eram o signo da mudança e da alegria de uma época. Sammy Davis Jr., Marlene Dietrich, todos vinham assistir às coreografias vibrantes e sensuais das vedetes. A estrela Lana Turner subiu a serra para ver uma das performances de Machado no Quitandinha, em Petrópolis. David Niven chegou a fazer uma participação afetiva em um de seus espetáculos no Copacabana Palace.
Encontro de vedetes com políticos? Fato. “Não havia prostituição na Monte Carlo. Entretanto, eram inevitáveis os casos e romances entre as moças e alguns clientes como Bejo Vargas, irmão de Getúlio, e Alencastro Guimarães, os mais assíduos e dedicados assediadores de vedetes”, afirma Luiz Noronha no seu livro “Carlos Machado: O Teatro da Madrugada”.
COMPANHEIRA DE VIDA
Elegantíssima, filha de família tradicional, prima da escritora Rachel de Queiroz e bisneta de Chiquinha Gonzaga, Gisela Maria Mancebo de Vasconcellos nunca imaginaria que um dia iria assinar Machado em seu sobrenome. O bom gosto, o refinamento e sofisticação dela foram fundamentais para a consagração de Carlos Machado no show business. Eles se conheceram em Petrópolis, no verão de 1940, e em 20 de julho de 1942 se casaram no Mosteiro São Bento.
Gisela sempre fechou um olho, às vezes dois, para as escapadinhas do marido, que, como bom gaúcho, gabava-se de suas aventuras. Ela, mesmo fazendo os figurinos dos shows, raramente era vista ao lado do marido. Foi durante um desfile de compras, nas lojas de tecidos Casas Canadá, que Gisela convidou uma das manequins da maison para ser vedete dos shows do marido. Era Norma Bengell, que mais tarde faria carreira internacional.
VASTO CURRÍCULO
Filhos foram dois: José Carlos e Djenane. Dela era fã, entusiasta e orgulhoso. Já do filho Zeca, muito apegado à mãe, nem tanto: “O Zeca era ótima pessoa, mas era desprovido de qualquer beleza, cheio de complexos. Por isso, drogas até os tampos, mas era muito inteligente e engraçado”, diz o coreógrafo Antonio Negreiros. Desenhista, iluminador e talentoso, José Carlos queria ser dançarino. Por seu jeito e atitude, sempre foi rejeitado. Morreu estupidamente atropelado, em 1980, por um motorista anônimo.
Apesar do problema com o filho em torno da sexualidade, Carlos Machado dizia ter tido uma aventura homossexual, quando jovem na década de 1930, para saciar um bailarino e, em troca, ganhar roupas elegantes – ele adorava se vestir bem. Fato que sempre encarou como um tipo de malandragem em seu currículo.
Era um homem de porte, alto e com poder de sedução. Com uma vida repleta de altos e baixos, Machado não abandonava o vício do jogo. Perdeu fortunas no Jockey e sempre teve dificuldade em lidar com dinheiro.
Mesmo assim, nunca deixou de fazer bonito. Para o casamento de sua filha – a essa altura já estrela da Globo – com Paulo Pinho, foi mais do que tradicional. Fez questão de arcar com tudo para uma recepção memorável. Tirou das paredes de seu dúplex, na avenida Nossa Senhora de Copacabana, uma das telas que mais amava: um Di Cavalcanti, da série azul.
UPS AND DOWNS
A década de 1970 foi uma montanha-russa em sua vida. Nessa época, fez teatro de revista na Praça Tiradentes e encarou produzir shows em boates na Barra da Tijuca para plateias nada glamourosas, com espetáculos de textos pesados e mulheres seminuas – ou peladonas mesmo.
Em 1973, uma reviravolta ao assinar “Hip! Hip! Rio!”, no Night and Day, com toda a família Machado nos bastidores e no palco. Djenane foi a maior estrela, ao lado de Cauby Peixoto. Mais de 25 mil pessoas assistiram a seu retorno.
Machado sempre foi um sonhador. Não tinha palavras de amargura. Viu seu reinado sumir para os novos tempos: “Acusava o carioca de ter perdido o humor. Dizia que as churrascarias rodízio do subúrbio, com seus pobres shows de mulatas, tinham assassinado a noite do Rio, e classificava o trabalho na televisão como desumano e degradante”, como consta no livro de Noronha.
Carlos Machado morreu em janeiro de 1992, deixando um legado de mais de 150 shows. Em vida, foi ainda tema de desfile de escola de samba, ajudando a Vila Isabel, em 1979, a ser campeã e subir do Grupo B para o Especial. Isso sim é ser especial.
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