O Brasil nas cartas do tarô
PODER consultou os arcanos maiores para saber se um dia sairemos da crise política e, mais do que isso, o porquê de termos nos afundado nela
Por Paulo Vieira para a Revista Poder de Setembro || Fotos: André Giorgi
Presidencialismo, semipresidencialismo ou parlamentarismo? Coalizão ou cooptação? Bolsa-eleição de
R$ 2 ou 3,6 bi? Flecha na carne ou corpo fechado? Prisão em segunda instância ou transição em julgado a perder de vista? Ficha limpa ou motosserra? Populismo ou neoconservadorismo? Déficit de 159,179 ou outro bilhão a escolher?
As perguntas sobre o futuro imediato do Brasil são muitas e ninguém parece ter respostas satisfatórias. Nem mesmo o tarô, que PODER consultou não exatamente para saber o que vai acontecer em 2017 ou em 2018, mas para ter pistas da razão de termos chegado até aqui.
O tarô hoje é menos uma ferramenta de adivinhação do que de autoconhecimento, ao menos na leitura moderna feita por gente como o chileno Alejandro Jodorowsky, que é cineasta em suas horas vagas. A revista convocou o tarólogo André Mardouro, um seguidor paulistano do chileno, que diz que “previsão de futuro é para os economistas”. A seus consulentes ele costuma aconselhar: “O importante não é saber quando o grande amor chegará, mas por que ele ainda não chegou”.
Este repórter incorporou o Brasil e o tarólogo estendeu o pano. Veja o que as cartas (e Mardouro) disseram nas cinco rodadas da sessão. A leitura foi feita de forma heterodoxa, a partir das cartas central e esquerda.
JOGADA 1
O Brasil vai continuar à mercê de arranjos políticos de ocasião, com os políticos dos poderes Executivo e Legislativo mais preocupados em permanecer no cargo do que executar um plano para o país?
CARRO, TEMPERANÇA, LUA
“O Carro na posição central sugere uma atuação de alguém que se coloca com força no mundo. Ao mesmo tempo, há aqui um jogo de cena. O orador, o político e o ator, todos são um personagem só. A carta da Temperança, a seu lado, indica alguma cura através de um processo longo e demorado; já a Lua faz supor um terreno nebuloso, difuso, que terá de ser transposto, e essa travessia deve ser perigosa. Pode-se pensar aqui na ideia de uma purga, um processo doloroso de cura. Não arriscaria dizer o prazo disso, mas é visível que o sujeito que está no comando, como indica a carta central, é hábil, uma habilidade de raposa velha. Pode ser o presidente Temer, que consegue se mover rápido e com energia junto de sua tropa. Mas a travessia é por um campo que esse condutor desconhece, que na verdade ninguém conhece. Há uma crise em curso, e ela não é prerrogativa do Brasil, mas do mundo. É uma crise civilizacional.”
JOGADA 2
O que cabe às massas, que parecem hoje circunscritas às redes sociais? Algum cenário semelhante a 2013 em gestação?
JULGAMENTO, RODA DA FORTUNA, LUA
“A carta Julgamento indica um cenário em que tudo vem às claras. Dá a impressão que surge daí algo novo. Simbolicamente, trata-se de um espírito celestial enterrado que a trombeta convoca e que assim se distancia da realidade atual. Não é exatamente a volta a uma irracionalidade, mas a uma situação interessante de equilíbrio entre o lado direito e esquerdo, o racional e o intuitivo. A Roda da Fortuna sugere um bloqueio, mas também a ideia de trabalho. Parece propor que às massas caberá o papel que sempre lhes coube, a de seguir trabalhando, a de ser o coro do espetáculo teatral indicado na primeira jogada. A carta Lua reaparece aqui para reforçar o aspecto ilusório e desconhecido do que temos de atravessar. Também propõe certa circularidade, em que todo mundo, eleitores e eleitos, representantes e representados fazem parte do mesmo transe coletivo, algo que nos faz consumir narrativas que se repetem. Com tudo isso, nós, o povo, na rua ou fora dela, formamos, como eu disse antes, apenas o coro, ajudamos a compor o espetáculo.”
JOGADA 3
Ao Brasil cabe apenas esse papel periférico na geopolítica mundial, algo que se infere de nosso déficit educacional, da economia baseada em produtos de pouco valor agregado – as tais commodities?
PAPA, DIABO, SOL
“O Papa é uma figura dogmática, que organiza o conhecimento e é capaz de olhar à frente. É também uma figura ligada ao abuso do poder, o reverso do diabo. E o Diabo é justamente quem o sucede nesta tirada, sai as suas costas, sugerindo assim que ambos podem fazer algo juntos. Na verdade, mais do que trabalhar em equipe, o Papa e o Diabo são as duas faces de uma mesma moeda, tudo que é dito pelo Papa tem o Diabo por trás. É o [Henrique] Meirelles por trás do Temer (ou vice-versa). O Sol como terceira carta reforça o aspecto ilusório e patriarcal da cena. A gente não sabe de nada do que acontece de fato. No começo do jogo, a figura central era o Carro, agora aparece o Papa. São arcanos da aparência, que escondem coisas em seus discursos, estão a serviço de interesses que não são ditos. Assim como as cartas, os políticos são fantoches que se paramentam, põem capa e terno para representar a serviço da elite econômica. Nesse sentido, para responder à sua pergunta, nada parece indicar uma mudança de cenário.”
JOGADA 4
O destino – trágico – do Brasil é ser sempre o país do futuro, ou seja, jamais cumprir essa mesma profecia?
RODA DA FORTUNA, PAPISA, IMPERATRIZ
“Preciso dizer de início que não acredito em destino, cada um é senhor do seu destino. Posto isso, a Roda da Fortuna, que aparece novamente, volta a sugerir um bloqueio; a Papisa, a seu lado, gesta um ovo, indicativo de um gesto criativo, que é concentrador de energia. Por outro lado, a representação de um pênis atravessado [em sua gola] faz crer que a Papisa é vítima de uma violência, um abuso. A Imperatriz é um arcano muito ligado às forças da natureza, mas que também indica imaturidade. Eu diria que no Brasil a elite não aprendeu ainda a conversar com o povo e vice-versa. O tarô nos diz aqui que houve gestação de algo que está ainda por ser construído. Faz sentido que assim seja: o Brasil é um país cuja industrialização não tem 100 anos, que possui um ordenamento jurídico muito recente. E a violência vem desde o processo colonial, um sistema de exploração de riquezas fundamentado no trabalho escravo. As cartas não apresentam um cenário que indica entendimento, parece haver aqui um rancor histórico. De qualquer forma, o Brasil não se resolve enquanto a humanidade não se resolver. Eu te pergunto: se o Brasil fosse uma potência, o que isso mudaria? Valeria a pena crescer à custa da desigualdade alheia, seguir usando a África como lixeira radioativa do mundo, por exemplo? É bastante possível relacionar a exploração que nos fundou com os recursos que permitiram que a Europa tivesse e ainda tenha o sistema de bem-estar social dos séculos 20 e 21.”
JOGADA 5
O avanço tecnológico traz mais riqueza ou, por outro lado, acentua a desigualdade econômica e restringe as oportunidades de emprego?
MAGO, SOL, DIABO
“A carta central, O Mago, é a carta número 1 do tarô, o princípio de tudo. Aqui afirma-se a aurora de alguma coisa, o início de uma jornada – a tecnologia poderia ser isso, fruto de um trabalho conjunto da humanidade. Acho a revolução tecnológica, se pensarmos no uso de energias limpas, de carros autogovernáveis, muito positiva. Mas a pergunta parece pressupor que sempre estamos a esperar um insight mundial coletivo e simultâneo, como se não estivéssemos juntos a navegar nesta esfera azul. A figura do Diabo, que fecha a jogada, se apresenta com olhos por todo o corpo. Não tem medo de se dar a ver. Uma leitura possível é que a carta reafirma o exibicionismo, o narcisismo destes tempos – e a gente vive mesmo a trocar selfies, a olhar para nosso umbigo. Acho que esse é um dos aspecto negativos – e infantis – do uso da tecnologia.”