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Nota
Créditos: Maurício Nahas

A beleza nórdica continua intacta, o humor ácido e o coração enorme, também. Miguel Falabella de Souza Aguiar, um sexagenário recente e totalmente de bem com isso, diz que hoje gosta mais de escrever do que de atuar e segue fazendo várias coisas ao mesmo tempo

Por Márcia Rocha para a revista Poder de março

Uma boa imagem para descrever Miguel Falabella é a do malabarista que fica rodando pratos. No sábado em que estas fotos foram feitas, por exemplo,  saiu correndo para ensaiar o musical O Homem de la Mancha, que adaptou e dirige e reestreou este mês no Teatro Alfa, em São Paulo, e fazer suas últimas apresentações como o Deus atormentado de God, com texto adaptado por…adivinha quem? Ator, dramaturgo, diretor, dublador,cineasta, escritor e apresentador de televisão (comandou a bancada do Vídeo Show de 1987 a 2001 e apresentou o Oscar este ano), o carioca Miguel Falabella de Souza Aguiar é uma máquina de trabalhar. Com 36 anos de carreira e 60 de vida, ele conta que demorou para engrenar. Em compensação, depois que engrenou… O segundo mais velho de quatro irmãos, é filho de pai arquiteto e de mãe professora de literatura francesa. Formado em letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é fluente em inglês e, bien sûr, em francês.  Há anos sem dar entrevistas, abriu uma exceção para PODER. Muito simpático, se emocionou várias vezes para, logo em seguida, matar todo mundo de rir com uma daquelas gargalhadas à la Caco Antibes.  Aqui, os melhores trechos da conversa.

Um vidente em Paris (ele morou lá no começo dos anos 1980) disse que o dia em que nasci, 10 de outubro, que ele chamou de “double dis” (duplo dez, em português), está relacionado a sucesso na carreira. Algum tempo depois, já no Rio, fui a uma festa e estava desanimado porque ainda não tinha trabalhos engatilhados. Sai para fumar e me sentei ao lado de um homem. Rimos muito, e ele só se apresentou no fim da conversa: era o Roberto Talma, diretor da Globo, que me me pediu para passar lá no dia seguinte .

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PERRENGUES

Morei um tempo na casa do Caíque Ferreira (ator que morreu em 1994). Dormia no escritório e acordava às 7 da manhã para não atrapalhar. Minhas coisas ficavam em sacolas. Nessa época conheci a Maria, que está  comigo há 37 anos. Ela falava: “Vou lavar e passar suas roupas. Você é ator e, se não estiver bem vestido, não vai conseguir emprego”.  Comprei um apartamento para ela antes de comprar o meu. Aliás, fiz isso para todos os meus funcionários mais próximos.

LIÇÃO DE MESTRE

Em 1986, eu fazia o Miro na segunda versão de Selva de Pedra e precisava chorar em uma das cenas. O (Walter) Avancini, o diretor, teve a maior paciência, e o Tony Ramos, que contracenava comigo, também. Uns 40 minutos depois, nada! Aí, o Avancini disse: “A gente continua amanhã. Achei que tinha contratado um ator, mas acho que me enganei”. Eu desabei!  Foi difícil ouvir aquilo, mas hoje vejo que o Avancini era rígido – não perverso. Quem trabalha no meio artístico sabe que há diretores perversos.

NOÇÃO DE TRAGÉDIA

Nunca soube de que recursos um ator precisa para fazer uma tragédia, de onde tira aqueles sentimentos.  O insight veio quando minha mãe morreu. Encontrei meu pai, desorientado no corredor do hospital. Ele me deu um abraço e falou: “Perdi o amor da minha vida!”. Ele disse aquilo com uma dor tão profunda! Ali, naquele momento, tive a noção exata do que é tragédia.

OLHOS VIRGENS

Entraram alguns atores  em O Homem de la Mancha  e eu disse para quem já está há algum tempo que é preciso ver a história com olhos de primeira vez.  Isso me faz lembrar de quando a mãe do meu melhor amigo fez  90 anos e eu resolvi dar uma festa  para ela no Capacabana Palace. Alguns dias depois, ela me chamou num canto e disse: “Meu filho, posso trocar meu presente?”. Quis saber por que e ela respondeu: “É que eu vou fazer 90 anos e não queria morrer sem conhecer Paris”.  Nem preciso dizer que fomos todos: ela, meu amigo,
a irmã dele e eu. Nos reunimos como a gente fazia quando eu morava na Ilha do Governador.  Foi uma das viagens mais emocionantes que fiz na vida!

NOS BASTIDORES

Sempre quis ser ator, mas, hoje em dia, estou gostando cada vez mais de escrever.  Agora, estou trabalhando no roteiro de um filme que conta a história de um grupo de prostitutas muito pobres e da cafetina delas, a Gringa, que está velha, esclerosada e cega. Tudo o que a Gringa quer é ir para Veneza encontrar o grande amor de sua vida. As prostitutas resolvem realizar o sonho dela e, como não conhecem nada, misturam tudo quando a levam para passear de barco, fingindo que estão em Veneza: “Estamos na gôndola, olha a Torre Eiffel, o papa…”. Aí, elas passam debaixo de uma ponte e já saem na Rialto (ponte mais famosa de Veneza).

PEITO APERTADO

Com essa confusão toda em cima da Lei Rouanet (há investigações sobre desvio de recursos, concentração de verba etc.) não sei quando vou conseguir filmar. Estou com 60 anos e você acha que posso relaxar? Não posso – e não tenho certeza de nada!  As pessoas não param para pensar na força econômica da indústria do entretenimento. Quando a Cláudia (Raia) e eu fizemos O Beijo da Mulher Aranha (2000), a equipe e a produção vieram da Argentina, assim como aconteceu com Os Produtores (2007). Hoje, aprendemos e temos todos esses profissionais aqui.
RAINHA DOS BORDÕES

A Niana Machado (que fez a Babá, de Pé na Cova) entrou na minha vida para o resto da vida. Lembro de um dos episódios de Toma Lá, Dá Cá em que nosso prédio era invadido pelo pessoal da comunidade do Morro do Porco Fumado e ela era uma das figurantes. Ela ficou sem jeito na hora do ensaio e eu disse: “Eu não sou o Falabella, sou o dono da casa que você está invadindo. Venha com vontade, pode me comer de porrada. Você tem de levar esse liquidificador de qualquer jeito”. Menina, ela me deu uma coça, que vou contar! Teve uma hora em que ela me bateu tanto – e eu não ia revidar, claro –  que eu a agarrei pelo cabelo. A plateia urrava de tanto rir. A Niana também está em Brasil a Bordo (seriado de Falabella, que teve a estreia adiada por causa do acidente com a Chapecoense).

SEM CRISE

Quando fiz 50 anos, fiquei muito mal, não queria falar de idade, cabelo branco era um problema… Mas passou. Lembro de um dia em que estava me vestindo e não gostava de nada. Aí, a Maria viu aquela montanha de roupas jogadas e disparou: “Miguel, posso falar uma coisa? Hoje, nada vai ficar bom. É que você ainda não entendeu que sua imagem mudou”.

NADA A DECLARAR

Não leio nada do que escrevem sobre mim. No caso deste ensaio, por exemplo, só vou ver as fotos. Comediante sofre muito com crítica.  Tudo o que tem graça e charme na hora em que é dito não fica a mesma coisa no papel.  Por isso, é que não dou mais entrevista. Só estou dando esta por causa da Joyce (Pascowitch) e porque quero usar umas roupas bonitas (rs).

Assista abaixo o Making Off do Ensaio:

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