Por Fábio Dutra para a revista PODER de dezembro || Fotos Pedro Dimitrow e Styling: Cuca Elias (odmgt)
Ele já foi incluído no livro dos recordes ao surfar uma parede de água de quase 25 metros; já foi campeão mundial da primeira edição do campeonato de ondas grandes na remada, sem o auxílio de jet skis como na modalidade tow-in (a das métricas que parecem impossíveis); já foi o primeiro surfista a ir ao programa do Faustão; já salvou da morte a filha do folclórico jornalista e político Fernando Gabeira – o da tanguinha de crochê –, Maya, sua parceira no esporte, quando ela levou um caldo daqueles; e também já se estropiou feio em Jaws, no Havaí, e por quase um ano andou com muletas – mas voltou com tudo ao surfe, sem traumas ou medos. Esperávamos encontrar, portanto, um alucinado por adrenalina, desses acelerados que pretendem fazer 50 anos em 5, para lembrar o slogan de Juscelino Kubitschek.
Ledo engano. Carlos Burle é muito ativo, “vivo” como se diz Brasil afora, detém a perspicácia dos bons malandros, e passa longe de demonstrar ansiedade. É mais baixo e menos musculoso do que o imaginário popular suporia ser um domador de tsunamis, mas parece controlar cada pequena parte do corpo com invejável destreza. Simpático e de fácil trato, não titubeou para aceitar a proposta mirabolante de posar para este ensaio imerso em água gelada numa fria manhã paulistana, valendo-se de suas apuradas técnicas de respiração para manter a calma; séries de flexão de braço serviram também para aquecimento antes de cada clique. “De terno é mais difícil, no mar congelante temos aquelas roupas térmicas de borracha. E xixi, fazemos muito xixi na água”, ri.
Aos 50 anos (seu aniversário foi no dia seguinte ao deste ensaio fotográfico), Burle não se incomoda com o envelhecimento e a iminente aposentadoria: “Envelhecer é abrir mão da performance, da virilidade, do poder, mas isso dá lugar à sabedoria, que é mais importante”, filosofa. Para celebrar, lançou uma autobiografia (Carlos Burle – Profissão: Surfista, editora Primeira Pessoa) em parceria com o jornalista André Viana, em que transmite aos fãs e atletas mais jovens o que aprendeu em mais de 30 anos de surfe. “É outra geração, não vou ficar pregando, dizendo o que deve ser feito, gosto de dar meu exemplo sem perturbar a meninada, o livro é um pouco isso, é assim também que procuro educar meus filhos”, conta Burle, que, quando, na obra, parece estar a ditar regras, faz questão de ressalvar que cada um faz o que quer. Como quando explica o que tirou dos acidentes e da proximidade da morte: “Quando isso acontece você pensa na vulnerabilidade, pensa ‘quer ser garotão pra sempre?’. O ego adora as conquistas, mas o que ensina são as quedas, é aí que você pensa no que faz sentido”. E segue: “Se você fica no mundano, no dinheiro, precisa trocar de carro ou de mulher para se sentir bem ou mais jovem, esquece, não vai se satisfazer nunca”, completa. “Mas nada contra quem troca de mulher, às vezes é por amor…”, brinca.
Burle explica que tem sim um grande ego e busca técnicas como respiração, oração, ioga e reiki para ir além da superfície. Mas que ainda jovem, quando estava deslumbrado com festas, carros, mulheres, “mecha no cabelo e tudo”, percebeu que a vida era mais. “Cara, dei uma sorte imensa porque o meu esporte tem o tamanho certo: dá alguma fama, pequena, dá um dinheiro bom, mas não excessivo, e, por conta dos interesses envolvidos não serem tão grandes, permite independência para me expressar”, divaga. Recifense e torcedor do Sport, aproveita a ocasião para perguntar se o time tem chance de ficar na primeira divisão este ano – ficou – e se manifesta revoltado com o que chama de ‘sistema’. Diz que ele é muito cruel, sobretudo com os mais jovens e vulneráveis, que se tornam fãs de tudo que consomem – por isso, lixo neles. “Tenho meus patrocinadores, claro, mas não quero apontar o que as pessoas devem comprar só para eu lucrar, dinheiro só serve para dar conforto, acesso à saúde e à educação, nada além disso”, explica. Burle diz que a proximidade da morte, algo tão próprio de seu esporte, faz qualquer um se sentir muito vivo, dá paz e vontade de continuar. Tal sensação leva a refletir sobre o racional e o instintivo e a buscar valores como família – e ele, apaixonado pela mulher e pelos dois filhos, traz o tema à baila a todo momento. Mas é preciso dominar o ego – olha ele aí de novo – para não se sentir o bamba por praticar uma modalidade difícil. “É o que eu aprendi: primeiro transforme você mesmo”, cita, visitando o clichê. Seus ídolos? Madre Teresa de Calcutá, Nelson Mandela, Mahatma Gandhi, Buda e papa Francisco, bien sûr. E completa: “O resto, eu sei: é tudo fruto do sistema, que nem eu!’’. “Envelhecer é abrir mão da performance, da virilidade, mas isso dá lugar à sabedoria”