Depois do sucesso de crítica e público de “Que Horas Ela Volta?”, Anna Muylaert estreia seu novo longa nos cinemas, “Mãe só há uma”, na próxima semana. Se o filme com Regina Casé mostrava um novo Brasil emergente e cutucava a classe média ao falar do preconceito de classe ao expor a relação de uma empregada doméstica e seus patrões, em “Mãe só há uma” o que está em pauta é a relação conturbada dos adolescentes com a mãe e a grande descoberta do universo da sexualidade – que já não é mais dividida entre gays e héteros.
Na trama, a história real do menino Pedro, que descobriu aos 17 anos que foi roubado na maternidade ainda recém-nascido pela mulher que o criou a vida toda e a quem ele chama de mãe. Ele é obrigado a trocar de família, de nome, de casa e de escola. Abaixo, um bate-papo com a diretora, que percebeu que a nova geração já não se enquadra em rótulos de gênero: “Eles são bem mais fluidos e flexíveis. (…) O homem hipermasculino está fora de moda, assim como a mulher hiperfeminina”.
Por Denise Meira do Amaral
Glamurama – Li que a ideia do filme veio depois que seus filhos cresceram e você voltou a sair à noite. Foi então que você percebeu esse novo universo dos jovens?
Anna Muylaert – O filme já tinha o roteiro com a história real do Pedrinho, mas esse novo cenário não-binário da noite, essa troca de identidade de gêneros que eu descobri ao participar das festas da Voodoohop [em São Paulo], acabei incorporando ao filme depois, foi a última coisa que entrou.
Glamurama – No filme você mostra bastante isso, que a nova geração já não se define por gêneros…
Anna Muylaert – Essa composição, que até ate hoje era vigente de você ser homem, mulher ou gay, já não existe mais. Os jovens são bem mais fluidos e flexíveis. Acho que isso é resultado de uma liberdade de expressão que veio com a internet, com o Facebook, que proporcionou que as pessoas tivessem mais voz e a ser o quão esquisito quisessem ser. Temos uma tendência de ver como uma forma binária, mas depois fui percebendo que não é bem assim, que as pessoas têm níveis de feminilidade e de masculinidade. O homem hipermasculino está fora de moda, assim como a mulher hiperfeminina. A tendência é as pessoas se utilizarem de aspectos tanto femininos quanto masculinos, assim se tonam mais fortes e mais completos.
Glamurama – Essa nova geração de jovens, além de ser muito mais aberta em relação à sexualidade, está mostrando um grande engajamento ao ocupar as escolas e exigir seus direitos. Eles são um bom motivo para vermos com otimismo o futuro do país?
Anna Muylaert – Sim, acho que a juventude está muito bem. Tanto na política, ao querer acabar com a corrupção, quanto ao lutar pelas liberdades, ao criar novas identidades. São eles que me dão esperança.
Glamurama – O filme é inspirado na história real do menino Pedro, que foi sequestrado ainda bebê e viveu até seus 17 anos em uma família que não era a sua biológica. Você conheceu pessoalmente esse menino antes de fazer o filme?
Anna Muylaert – Não, não conheci. O filme é livremente inspirado. Eu não queria fazer a história dele. Apesar de ser a história dele, com certeza ele próprio não vai se identificar com o personagem.
Glamurama – A atriz que faz a mãe biológica do Pedro e a mãe que o criou é a mesma. Por quê?
Anna Muylaert – Ela é muito boa como atriz e com a caracterização ninguém reconhece que é a mesma pessoa, acredita? É uma coisa louca! Mas a ideia é freudiana. Queria passar que a mãe que te forma, mesmo que você vá para longe, vai estar sempre dentro de você. Você acaba sempre reproduzindo as relações de forma similar. Um pouco sobre a maldição da mãe, ou a bendição, sobre como os primeiros anos de formação são importantes e não tem como trocar. Em um nível simbólico, o filme representa essa passagem da infância para a vida adulta que é a adolescência. A mãe oceânica acaba quando a criança cresce e começa a mostrar aspectos inesperados. É como se essa mãe se transformasse em uma mãe restritiva, crítica. E a criança tem a sensação de que trocou de família. É um processo que acontece na maior parte das casas.
Glamurama – Você também se utiliza bastante de câmera na mão…
Anna Muylaert – Esse é meu primeiro filme com câmera na mão. É um filme de menor orçamento, então a ideia era usar da liberdade de um orçamento pequeno para testar novas coisas, novas linguagens. Nos meus outros filmes a linguagem é mais narrativa. Nesse é mais sensual. A câmera deu essa sensualizada.
Glamurama – Depois do grande sucesso de “Que Horas Ela Volta?”, qual é a expectativa para “Mãe só há uma”?
Anna Muylaert – Eu tenho a consciência de que são filmes bem diferentes. Esse é mais ousado e com baixo orçamento. O “Que Horas” era 8 a 80, todo mundo gostou, é um tema que interessa a todos. Esse vai falar mais para os jovens. Fico um pouco apreensiva, mas sei que estou concorrendo em outra raia.
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“Mãe só há uma” entra em cartaz nos cinemas dia 21 de julho e traz no elenco Matheus Nachtergaele, Dani Nefussi, Naomi Nero, Daniel Botelho, Luciana Paes e Helena Albergaria. Confira o trailer abaixo.
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