Por Dado Abreu / Fotos: Maurício Nahas
Styling: Cuca Ellias (odmgt)
De Roberval a Simonal, Fabrício Boliveira está em todas. Com quatro filmes lançados no ano, o ator aproveita o espaço e o momento para questionar, mas sempre com a ressalva: “Se não é algo que está realmente conectado com você, melhor calar”
“Roberval, eu te odeio. Não consigo olhar para você.” Se a reação do público é o termômetro do sucesso de um ator, Fabrício Boliveira está em alta – ainda que desperte a antipatia jocosa em sua chegada para o ensaio de PODER. Na pele do personagem central de Segundo Sol, da TV Globo, Boliveira vem recebendo elogios por sua atuação na novela das 9, mas nas ruas a aceitação tem sido um pouco diferente. “Na boa, claro.”
“Outro dia eu estava com meus pais no aeroporto e a moça do check-in olhou para mim e disse: ‘Te odeio e te amo’”, conta o ator aos risos. “Falou só isso, séria! Perguntei se estava se referindo a mim ou ao Roberval. ‘Você sabe bem de quem estou falando’, ela respondeu. E voltou para o computador, sem olhar na minha cara, compenetrada, p… da vida”, diverte-se Boliveira.
Na avaliação do ator baiano de 36 anos, a chave para entender a dualidade do personagem, que vive os complexos de descobrir ser filho do patrão milionário, mesmo tendo crescido como o descendente sem pai da empregada doméstica, está no conflito de raça latente no Brasil. “O Roberval revela a história da servidão e escravidão deste país, de quem serve e quem é servido. As pessoas não estão acostumadas a ver o negro poderoso e por isso a discussão”, avalia. “Recebo milhares de mensagens de comunidades negras onde as pessoas amam o Roberval e entendem suas questões. Entendem porque estão no mesmo ponto de vista, saíram desse lugar e conseguem sacar as contradições dentro da cabeça desse cara.”
Questões raciais têm sido a tônica de Segundo Sol desde a estreia. Em maio, o Ministério Público do Trabalho enviou à Rede Globo uma notificação recomendatória para que a emissora tenha maior diversidade de raça em suas tramas. A ação aconteceu porque o folhetim, mesmo ambientado na Bahia, estado com o maior percentual de negros do país, possui elenco majoritariamente branco. O jurisprudente puxão de orelha ganhou ressonância na opinião pública, nas redes sociais e teve apoio também de Boliveira, que vê na falta de representatividade uma questão mais ampla. “Faltam negros na história da teledramaturgia, como faltam em outras áreas. Você tem um médico negro? Provavelmente não. Advogado? Também não. Porque os negros estão sempre no lugar de servidão. É um problema estrutural e é ótimo que seja debatido. Mas temos que ir para além de não ser racista, temos que agir contra o racismo.”
O ator encontra lugar de fala em Roberval, como também encontra em Wilson Simonal, um dos principais nomes da história da música popular brasileira e interpretado por ele no longa do diretor Leonardo Domingues. A cinebiografia, que estreia em 2019, relembra a ascensão e a queda da voz de “Sá Marina” e “Meu Limão, Meu Limoeiro”, do posto de maior estrela pop dos anos 1960 até a suspeita de ser colaborador do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), um dos órgãos mais brutais da ditadura militar. Embora a suposta ligação com o regime jamais tenha sido comprovada, a acusação levou a carreira de Wilson Simonal para o fundo do poço, em que permaneceu até a sua morte, em 2000, aos 62 anos.
“A história dele é repleta de preconceitos”, aponta Boliveira. “Diziam que o Simonal era arrogante. Arrogante por quê? Um negro em alta, bonito, bem vestido, boa praça e fazendo sucesso é arrogante? Isso é racismo”, explica, antes de ressaltar que o caso é uma ferida da ditadura que não cicatrizou. “Quem prendeu o Simonal foi a direita, mas quem sempre o julgou foi a esquerda. O cara foi lenhado pelos dois lados. É inacreditável. Por isso, interpretá-lo, mergulhar na sua vida e contar sua verdadeira história será algo que eu jamais vou esquecer.”
“Faltam negros na história da teledramaturgia, como faltam em outras áreas. Você tem um médico negro?”
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