Versão rodada do boy azarador, o tigrão curte uma gata de 45 “inteirona”, circula de moto 1.200 cilindradas e toca guitarra “só de farra”
Por Paulo Sampaio para a Revista J.P de novembro
Você provavelmente já foi apresentado a um tigrão. Ex-conquistador serial, ele tem 60++, curte o visual de Marlon Brando no filme “Selvagem” e se orgulha de seu passado de bad boy. “É que hoje eu estou fora de forma. Mas já aprontei muito nesta vida”, diz o empresário Marcos P., 60 anos (as identidades dos tigrões entrevistados serão preservadas). No lado direito do rosto, MP tem uma cicatriz que vai da costeleta ao canto da boca, recordação de uma “capotagem de jipe no litoral”. Tomou 64 pontos. “Foi no mesmo dia em que o Fleury [Sérgio Paranhos, delegado que atuou no Dops na época da repressão] morreu”, lembra ele, para situar a efeméride. O empresário diz que “a mulherada curte adoidado essa cicatriz”. Na mesma mesa do Mercearia São Roque, no Jardim Europa, zona sul de São Paulo, está o industrial Heitor C., 69, ex-proprietário de um Porsche 911: “Um dos cinco que chegaram ao Brasil no primeiro lote, em 1967”, diz. No sábado, 17 de outubro, ele chegou no Mercearia em uma moto modelo Diavel, 1.200 cc, da marca italiana Ducati. De acordo com Heitor, a tradicional Harley-Davidson deixou de ser uma boa referência de status para o garotão 60++. “Você só vê mulher feia na garupa de Harley. E aquilo [a moto] faz tanto barulho, treme tanto, que se o cara tiver um pivô [dente postiço] vai cair quando ele acelerar ahahauahauha.”
Fiel ao personagem do boy conquistador, o tigrão usa camiseta de malha ou polo, jaqueta de couro, jeans desbotado (eventualmente rasgado no joelho ou esfiapado) e bota de sola reforçada. A versão “tigrão coxinha” veste camisa social branca com um cavalinho bordado, mocassim de camurça sem meia, ou dockside, e, nos dias frios, um suéter azul-claro ou amarelinho jogado no ombro. Na agenda de peguetes do nosso personagem, a maior parte são mulheres de 35++, a quem ele se refere como “inteironas”. O industrial Reinaldo F., 62, mostra na tela do celular uma senhora com a pele do rosto muito lisa, olhar permanentemente assustado e lábios intumescidos. Ela garantiu a ele que tem 40 anos. “Olha que gracinha, um amigo me apresentou. Fiquei com ela ontem. Quarentinha. Deixa qualquer uma de 30 no chinelo.” O perfil de gata que agrada Reinaldo e sua turma tem o corpo tipo violão, usa roupa muito justa e mantém o corte de cabelo como o de Farrah Fawcett em “As Panteras”. Quando o tigrão está de bola murcha, busca o estímulo de uma jovem de 30. Se não der conta na cama, diz: “Prefiro as maduras, gosto de mulheres que tenham bagagem”. Tanto a mocinha quanto a inteirona enxergam no tigrão um “grisalho charmoso”.
“Meu tipo é o George Clooney”, diz a advogada Renata B., 45, uma das três inteironas que ocupam uma mesa na calçada do Jacaré Grill, na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo, outro reduto de tigrões. No momento, não há nenhum exemplar próximo de um Clooney no local. As três comem uma picanha com farofa e palmito assado na casca de banana. O padrão de exigência é alto. Elas afirmam que preferem chegar sozinhas em casa a “ficar com um velho”. “Essa coisa de catraca bamba não é comigo”, diz a engenheira química Luciana S., 46. “Deus é pai! Velho de 60, nem com muito Steinhäger”, afirma a gerente de marketing Jessica K., 44. A duas mesas delas, Newton S., 63, que vive “de renda”, afirma que tem muitas amigas com mais de 40, mas “não são de lençol”.“Minha faixa é 30, 35. Hoje em dia, não quero compromisso, nem busco o sexo imediato, curto a conquista. Faço tudo o que a experiência me deu e tchau ”, diz. Entre outras lições que a experiência forneceu a Newton está “não correr risco desnecessário”. “Se for uma emergência, e eu precisar de um Cialis [concorrente do Viagra, medicamento para disfunção erétil], tomo. Não tenho problema com isso. Agora: se eu sinto que vou broxar, caio fora.”
No relacionamento de tigrões e inteironas existe uma espécie de infantilidade afetiva que os faz negar as próprias intenções. Os senhores de 60 dizem que não ficam “de jeito nenhum” com senhoras de mais de 45; também não costumam apelar para garotas de programa: garantem conseguir as muito jovens “sem pagar nada” (dinheiro vivo). As senhoras de 45 explicam que preferem os rapazes da idade delas. Os rapazes da idade delas, por sua vez, dizem gostar das de 30. Para a fiscal da Receita Federal Graça B., 50, que frequenta o bar Azucar, no Itaim, zona sul de São Paulo, “isso tudo é conversa mole”: “No fim das contas, quando bate a carência, ninguém fica escolhendo. O que eu já vi de homem de 60 chorando por mulher de 50, e de mulher de 45 de quatro por homem de 60”. Além do Jacaré e do Azucar, os jovens senhores e senhoras vão também ao Charles Edward e ao Piove, ambos no Itaim, e ao Limelight e ao The History, que tocam música dos anos 1970 e 1980, na Vila Olímpia, zona sul. Todos dizem que a frequência varia muito de lugar para lugar: “No Mercearia o nível é mais alto, tem rico de verdade… No Jacaré tem as ‘jacaretes’. Elas são gente boa, mas tudo sucata, desmanche. No Charles Edward dá muita puta…”, definem os tigrões sentados no “Merça”. Quando falam dos ambientes e da concorrência, tanto eles quanto as gatas de 45++ adotam um tom curiosamente adolescente: “No Piove só tem umas caquéticas repuxadas”, diz a advogada Renata B.; “O Limelight é a porta do cemitério. Tipo Família Addams. E os caras dançam fazendo passinho, sabe?”, conta Jéssica K., imitando os tigrões na pista (ela levanta os braços e inclina o corpo para um lado e para o outro, enquanto estala os dedos no ritmo da música). Por mais que mostre conhecimento acerca dos ambientes, a maioria diz que foi só uma vez (e por acaso) aos lugares citados e saiu “em menos de meia hora”.
Em geral, a ex-mulher do tigrão apresenta um misto de pena e ressentimento. Acha engraçado que o ex-marido se considere um garoto, e ri maldosamente de suas voltas de moto. “O Arnaldo pega umas barangas que só querem filar um almoço, ganhar um vestido, e ele acha que está abafando hahaha”, acredita a decoradora Lígia, 55, ela mesma uma tigresa avulsa. Antes da resolução 203 do Detran, que em 2006 disciplinou a obrigatoriedade do uso do capacete, o tigrão pilotava a moto com a cabeça ao vento, revelando à luz do dia a árdua batalha da Finasterida contra os avanços da calvície. Uma das espécies mais comuns nesse universo é o “tigrão roqueiro”, conhecido pelo costume de mandar bordar na jaqueta de couro (ou jeans) a língua símbolo dos Rolling Stones. Ele diz que tem uma banda, mas explica que os componentes tocam “só de farra”. “Tenho duas Fender”, gaba-se Mario R., 64, referindo-se ao modelo de suas guitarras. “Em 1965, a gente tocava nuns barezinhos da Augusta, vixi, chovia mulher. Comi muita gente nessa vida, amigo…”
No Mercearia, aos sábados, tigrões do tipo “velozes e furiosos” aceleram o Porsche na chegada. São muitos carros do mesmo modelo, que os rapazes do valet estacionam um ao lado do outro, enquanto os boys de 60++ se cercam de inteironas nas mesas. O arsenal de galanteria deles inclui tratar os garçons pelo nome e fazer piadinhas com eles, para mostrar intimidade com o ambiente. As moças riem. A coreografia em todos os bares é praticamente a mesma. O tigrão pede porções para “beliscar”, um drinque para si e caipirinha para as moças. “Eu quero de kiwi com saquê”, diz a administradora de empresas Maria Lúcia, 45, enquanto pendura a bolsa de matelassê no encosto da cadeira. Na cabeceira, o pecuarista Oswaldo L., 65, espeta duas batatas fritas com um palito, sem dar importância à sua taxa de colesterol LDL, que bate nos 300. À reportagem da J.P, Oswaldo conta como faz para conquistar uma inteirona. Pelo que se depreende da conversa, ele continua usando o gestual que o consagrou 40 anos atrás. Meio cafajeste, meio infantil, tira do baú um repertório de bravatas nas quais sempre domina heroicamente o opositor. Ela faz que acredita. Ele a leva para dançar. Na pista, bate palma ao som de “I’ll Survive”. Lá pelas 2 da madrugada, reboca a moça para sua cobertura dúplex – que seus amigos tigrões chamam de abatedouro. No segundo andar, decorado com sofás pretos e tapetes de zebra, há um bar em que serve os drinques. Dá um copo de gim com gelo para ela, serve-se de Coca-Cola com uma gota de vodca (melhor não dar sopa para o azar) e se dirige para a estante que mantém a coleção de CDs. Coloca um jazz. Miles Davis. Acompanha os primeiros acordes de “Time After Time”, dedilhando um trompete invisível. A gata reconhece a música de Cyndi Lauper. Ele pisca para ela. Diz que em 1991 assistiu a um dos últimos concertos de Davis, em Paris. Pagou “o equivalente hoje a 700 euros, mas valeu cada centavo”. Ela esboça uma expressão de encantamento. A coisa engrena, os dois dançam pela sala, ele suspende o braço dela e a faz girar. Ela ri, descalça, simula que está “altinha”. Ele a ampara, ela gargalha. Ele a segura firme pela cabeleira de Farrah e a beija ardentemente, como em uma cena de cinema. Tira a bota. Joga a jaqueta de couro no sofá. Desabotoa o vestido dela. Aí, é só mostrar toda a experiência. O Viagra gritando, ninguém segura o tigrão. UOAAHH, ele grunhe.
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