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VACAamarelaNOTADESTAQ

Por Julia Furrer para revista Joyce Pascowitch de fevereiro

Pare e escute o som ao redor. Se estiver na cidade, perceberá os ruídos dos carros e das pessoas. Muito provavelmente também sentirá dificuldade de chegar ao fim desta matéria sem ser interrompido – seja por um barulho mais alto ou pelo bipe do celular que parece não sossegar até conseguir sua atenção. Vivemos em um mundo barulhento. As pessoas falam alto demais, os aparelhos de TV passam mais tempo ligados e a tecnologia ajuda a fazer com que chefes, parentes, amigos e desconhecidos nos encontrem 24 horas por dia. Não sabemos mais o que é ficar calado.

Antes de tudo, silêncio não é apenas ausência da fala. “É possível ficar quieto por bastante tempo ao navegar pela internet ou ao assistir à TV e cultivar uma mente que rumina, grita, esperneia, reclama e faz todo tipo de barulho interno”, diz Gustavo Gitti, que conduz práticas de meditação no Centro de Estudos Budistas Bodisatva e é coordenador do Lugar, um espaço de transformação coletiva em São Paulo. Ficar livre de barulho de verdade é trabalhar qualidades internas como quietude, serenidade, respiração e relaxamento.

Só que o silêncio ainda causa estranhamento.  “A poluição sonora já entrou na agenda ecológica quase no mesmo nível de todas as outras formas de poluição que ameaçam o nosso bem-estar e segurança. Para cada pessoa que se queixa da incessante música de fundo nos locais públicos, dos vizinhos intoleravelmente ruidosos e da algazarra das ruas, há centenas delas que sabem que necessitam de um celular, que optam por ter um som ambiente incessante nos locais em que se encontram e que se sentem desconfortáveis ou assustadas quando têm de enfrentar o verdadeiro silêncio”, afirma Sara Maitland em “O Livro do Silêncio”. Basta notar como nos comportamos com estranhos no elevador ou quando, durante uma conversa entre amigos, rola um silêncio geral. Alguém sempre se apressa para falar qualquer coisa. “Nós estamos sempre posando, tentando agradar ou atuando de algum modo. O silêncio abre o contato com a realidade além das nossas bolhas e jogos”, diz Gitti, que ainda questiona: “Afinal, quem somos nós quando não reagimos aos nossos hábitos e tendências e paramos de comentar tanto? O que nos diferencia quando ficamos quietos?”. Segundo Eleonora Nacif, professora da School of Life, é quando tiramos nossas máscaras e nos deparamos com quem somos de fato. Mas vivemos em uma cultura que não valoriza nem silêncio nem solidão. “Ficar só e calado é uma espécie de tortura para muitas pessoas, visto como algo pouco natural e antissocial”, diz Eleonora. Talvez por isso muita gente ainda cultive o hábito de dormir com a televisão ligada. “É como se a falta de ruído levasse a perceber que não temos a mesma quietude interior, como se aumentasse o volume da confusão na nossa mente”, fala Gitti. “Por um lado, romantizamos isso, mas, por outro, sentimos que é perigoso para nossa saúde mental, uma ameaça à nossa liberdade e algo que devemos evitar a todo custo”, escreve Sara.

SHHHHHHHHH

Para quem experimenta o silêncio absoluto, é comum sentir desconforto. Começamos a ouvir os sons do nosso próprio corpo: coração batendo, respiração fluindo, todos os órgãos em atividade. São ruídos que passam despercebidos no dia a dia, mas que estão lá o tempo todo. É também comum sentir ansiedade e inquietude. “Muitos dizem que nunca tiveram tanta raiva, tanta inveja, tantos comentários sobre tudo… E as pessoas com alguma experiência respondem que a mente sempre foi assim, elas é que não percebiam.” O silêncio traz autoconsciência.

“A ciência já mostrou que meditar pode melhorar não só a saúde e a capacidade de raciocínio, como também contribui para o desenvolvimento da inteligência emocional”, afirmou o escritor Pico Iyer durante palestra sobre quietude no TED Global. Temos de melhorar, por exemplo, a nossa capacidade de ouvir alguém, em vez de simplesmente esperar a nossa vez de falar. Precisamos de silêncio interno para escutar por inteiro. “Escutar – que é muito diferente de simplesmente ouvir – é um ato de carinho e cuidado com o outro, e é preciso que haja espaço interno e receptividade para tanto”, fala Eleonora. Gitti completa: “Fizeram pesquisas e descobriram que nossa mente não consegue ficar nem três segundos no mesmo foco sem torpor ou distração. Como poderemos ouvir alguém sem uma mente atenta?” .

Por outro lado, a linguagem verbal ganhou um peso tão grande que, muitas vezes, esquecemos de prestar atenção a movimentos sutis que o próprio corpo emana e que independem do que é dito. “Quando estamos em uma crise, por exemplo, não conseguimos respirar e relaxar sozinhos. Precisamos enviar uma mensagem, ouvir determinadas coisas, nos fixamos em mil histórias e ficamos discutindo… Enfim, reagimos discursivamente de todas as formas para, só depois, respirar e relaxar”, conta Gitti. “Se transformamos as nossas aflições, as histórias complicadas perdem o poder de nos perturbar tanto”, completa.

Tudo começa com a capacidade de silenciar. Por isso, que tal exercitar a capacidade de calar um pouco seu ruído interno? Pode ser viajando para um lugar calmo e se permitindo o direito de parar – sem celular – para encarar seus próprios pensamentos, ou simplesmente, em meio ao caos do cotidiano, relaxando, respirando mais, contemplando e olhando de modo mais amplo e generoso para o que está à volta. Vai valer a pena.

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