ENSAIO
Se o escritor argentino Jorge Luis Borges (1899 – 1986) estivesse vivo, estaria completando hoje, 24 de agosto, 110 anos. Impossível, muitos podem pensar. Tempo de mais para alguém viver. Mas Borges tinha uma personalidade singular. Indiferente às regras do mundo, inclusive àquelas do sentido comum. Principalmente àquelas do sentido comum.
* De todo jeito, ele preferiu não contrariar a finitude da vida. Optou, indiferente às regras do mundo, por questionar a existência de sua própria vida. Perto de morrer, insistiu que sua obra não valia muita coisa, e o motivo para isso era que havia lhe faltado vida. Mas quando lemos o “Ensaio Autobiográfico”, que a Companhia da Letras acaba de lançar no Brasil, a pergunta que surge é: Se lhe faltou vida, então, tudo isso é apenas dissimulação? Isso nunca não vai ser possível saber. Inegável é o fato de que Borges viveu, amou, sofreu. Se na vida real ou na ficção, não importa. O que importa é que ele traduziu, genialmente, suas experiências em palavras, escritas ou ditadas (quando já não podia ler e escrever, porque foi ficando cego, outros começaram a ler para ele e escrever o que ditava).
* O “Ensaio Autobiográfico” foi pensado a princípio para ser uma breve introdução à edição norte-americana de “The Aleph And Other Stories”. Ditado em inglês por Borges a seu colaborador e tradutor Norman Thomas di Giovanni nos primeiros meses de 1970, saiu primeiro na revista “The New Yorker” em setembro do mesmo ano.
* Neste texto, um dos mais longos de um autor conhecido pela concisão e frugalidade, Borges fala de seus ancestrais paternos e maternos, de sua infância quase isolada do mundo, de suas experiências ruins na escola e daquilo que ele chama de “evento principal” de sua vida: a grande biblioteca de seu pai, da qual ele acredita “nunca ter saído”. A partir dessas primeiras leituras, quase todas em inglês, ele traça a autobiografia literária e intelectual que compõe o cerne do livro. São informações preciosas para compreender a formação e a carreira desse escritor, que foi um dos mais singulares do século 20.
Borges não faz nenhuma referência a mulheres ou à sua vida amorosa. Quase por acaso, ficamos sabendo que está casado. Curiosamente, o “Ensaio autobiográfico” foi ditado no período em que estava se separando da mulher (a união durou menos de três anos) e se apaixonando novamente. Talvez venha daí a confissão pessoal do último trecho do livro: “Não considero mais a felicidade inatingível, como eu acreditava tempos atrás. Agora sei que pode acontecer a qualquer momento, mas nunca se deve procurá-la. Quanto ao fracasso e à fama, parecem-me totalmente irrelevantes e não me preocupam.
* Agora o que procuro é a paz, o prazer do pensamento e da amizade. E, ainda que pareça demasiado ambicioso, a sensação de amar e ser amado”. Estava com 71 anos e continuava indiferente às regras do mundo.
Por Anna Lee
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