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Milton Gonçalves em “O Tempo Não Para” || Créditos: TV Globo
Milton Gonçalves em “O Tempo Não Para” || Créditos: TV Globo

Milton Gonçalves está em “O Tempo Não Para”, próxima trama das sete da Globo, no papel de um catador de lixo. Conversamos com ele na festa de lançamento da novela, essa segunda-feira no Museu do Amanhã, no Rio. “Faz uma coisa pra mim? Olha em volta. Me diz quantos negros são convidados e quantos estão servindo? [o pedido se repete mais três vezes durante a entrevista] Não é desonra, mas só tem garçom negro. Somos 54 por cento da população. Nunca conseguimos eleger nem um vice-presidente. O que reclamo é que estamos fora”.

“Não era a opinião do doutor Roberto Marinho”

O desabafo continua: “Sou um dos fundadores da TV Globo. Eu estava lá. Logo no início, teve problemas de pessoas dizendo que negros não podiam dirigir [novela], mas não era a opinião do doutor Roberto Marinho. Ele sempre foi maravilhoso, muito educado, e os filhos também educados, na medida do possível. Eu dirigi ‘Irmãos Coragem’ [de 1970] junto com o Daniel Filho. A gente deve se esforçar para participar de tudo. Não tenho capacidade pra ser governador, mas não sou analfabeto. Fico imaginando o que a gente [negros] pode fazer pra sobreviver”.

“Não aguento mais ser resistência, ficar chorando ‘ah, coitadinho de nós, negros'”

Comentamos que pode não ser a maioria, nem a metade, nem perto disso, mas a novela tem negros no elenco. “Poucos”, ele responde. Mas esses poucos enxergam em Milton Gonçalves um ícone, um símbolo de resistência. “Não aguento mais ser resistência, ficar chorando ‘ah, coitadinho de nós, negros, que não estamos aqui ou lá’. Estou cansado, não tenho mais paciência. Isso é coisa pra alguém mais novinho que eu. Ninguém sai pra batalha! Já encarei, morto de medo, claro, mas já encarei racista. E fiz um esforço muito grande pra ler, estudar. Fiz [faculdade de] Comunicação, fui aprender línguas. Falo um bom inglês, um bom italiano. Meus filhos falam bem inglês”.

“Se o Fabrício [Boliveira] disse não para trabalhos, foi porque estava com grana no bolso”

O que fez o ator aceitar o convite para essa novela? “É uma coisa que não fazia há muito tempo: empurrar um carrinho pobre, num mato sem cachorro, quatro filhos. Isso me agrada”. Bom, conversamos com Milton sobre uma entrevista que fizemos com Fabricio Boliveira, ator negro com papel central em “Segundo Sol”, a trama do horário nobre da Globo. Fabrício nos disse, na época: “O que penso é que falta ainda, e aí vamos falar disso claramente, bons personagens para atores negros. Deixei de trabalhar, neguei vários convites porque feriam coisas que eu acredito como artista, como ator e como negro, pela condição em que o negro era abordado. Não só pela função que o personagem ocupava… Não tenho nenhum problema em fazer o empregado. O que importa é o quanto ele está no ar, se ele é o protagonista. Se é uma história de um empregado, não há problema algum. Não preciso fazer o cara rico, mas que a história seja sobre ele. Agora ser pano de fundo para os outros não faz mais sentido. Não aceito isso”.

O que Milton disse a respeito? “Se o Fabrício disse não para trabalhos, foi porque estava com grana no bolso. Se não estivesse, ia ter que batalhar. Só tem esse caminho. Às vezes, o cara que carrega 50 quilos de peso não quer carregar, mas não tem outra forma de sobreviver. Mas só tenho que aplaudir o negro que busca seu lugar. Não deixem de batalhar. E tem mais uma coisa: se a branca gostar dele e quiser casar, case com ela, ame, seja amado. Fica lá. Amor é amor, paixão é paixão. O negro que casa com uma branca, a branca é desrespeitada primeiro pelos negros: ‘se deu para aquele negão, vai dar pra mim também’. E o branco fala: ‘ih, se misturou com os negros, com aquele criolo, que deve ter o instrumento desse tamanho. Ela é louca'”. Até hoje tem isso? “Tem!”

“Minha mulher era branca”

“Não sou racista. Minha mulher [já falecida] era branca. E era desrespeitada por ser casada com negro”. Não acha que as pessoas estejam menos racista hoje? Ou hoje o que existe é só uma vergonha de não botar isso pra fora? “É uma mistura de racismo com questão econômica. Tomar conta do espaço. ‘Isso é meu, isso é meu, isso é meu…” (por Michelle Licory)

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