Um dos mais longevos apresentadores da televisão brasileira, Raul Gil começou a carreira como cantor. Mas foi seu talento como imitador e humorista que o transformou no “dono do banquinho” e do microfone de ouro, que ganhou de presente de um sheik árabe.
Por Márcia Rocha para a Revista PODER de outubro
Raul Gil chegou ao Parigi, em São Paulo, antes das 13 horas. O almoço estava marcado para as 13h30, mas ele não quis correr o risco de se atrasar. A reportagem o encontrou no cantinho do bar, entretido com o WhatsApp. Sua assessora de imprensa/assistente/anjo da guarda, Neide Montoni, que trabalha com ele há mais de dez anos, estava junto. Falante, expansivo e simpático, exatamente como a gente o vê em seu programa no SBT, o apresentador passa a impressão de estar sempre à vontade. Seus 78 anos de idade e os mais de 50 de carreira com certeza contribuem muito para que ele tenha noção do espaço que ocupa no show business nacional. Vaidoso – “Quem não é? A questão é ser apresentável” –, no dia desta entrevista estava de calça, paletó, camisa e pulôver em tons de verde. “Sempre gostei de vestir tudo combinando. Também uso chapéu, tenho uns 40”, diz o apresentador, que também é conhecido por empunhar um microfone de ouro na TV. Segundo Raul Gil Júnior, o Raulzinho, filho e diretor do programa, o mimo, avaliado em cerca de US$ 100 mil, foi presente de um sheik árabe em 2001 e fica guardando em um cofre de onde só sai escoltado por cinco seguranças.
Mal acabamos de ocupar a mesa reservada para nós e Raul Gil já foi logo soltando o vozeirão – ele adora cantarolar. “Não posso ficar nem mais um minuto com você. Sinto muito amor, mas não pode ser …” E comenta: “É impressionante como o auditório conhece essa música. Ela tem mais de 50 anos, mas é só eu começar a cantar que o pessoal acompanha”, diz, sobre a clássica “Trem das Onze”, de Adoniran Barbosa. Mas se a trilha sonora for, por exemplo, “Risque”, de Orlando Silva, ninguém canta junto. Mesmo assim, ele solta o gogó: “Risque meu nome do seu caderno, pois não
suporto o inferno do nosso amor fracassado…”.
Raul conta que começou a carreira como cantor e que já gravou oito discos de 78 RPM, três LPs e dois CDS só com boleros. “Primeiro, fui cantor. Depois é que virei imitador e humorista – imitação sempre pede humor. Daí para me tornar apresentador foi um caminho natural”, conta, completando que é o maior imitador do Brasil. “Tenho mais de 400 troféus e até hoje ninguém me superou. Todo mundo imita o Pelé, o Silvio Santos… Eu imito o Vicente Celestino, o Cauby (Peixoto, de quem era muito amigo), o Luiz Vieira.” Interrompe a conversa para mais uma sessão de cantoria solo – o número da vez é “Conceição”, que sai à moda de seu mais famoso intérprete, Cauby Peixoto. Aproveita para baixar a voz (“ele gostava de falar ao pé do ouvido”) e imitar o cantor, que morreu em maio deste ano: “Pô, Raul, você está me imitando muito bem”.
SUI GENERIS
Com uma trajetória que se confunde com a da própria televisão brasileira, Raul Gil é assim: uma enciclopédia musical e um senhor contador de “causos”. Como acontece com grande parte dos artistas, sua rotina é sui generis, diferente da maioria dos mortais. “Acordo por volta das 13h, tomo café da manhã lá pelas duas da tarde, e, depois, só janto. Faz anos que não almoço”, diz, completando que é assim desde sempre – exceto quando tem algum compromisso. “Hoje levantei às 9 horas para dar tempo de chegar aqui com calma.” Pontualidade é uma das marcas registradas do apresentador, aliás. Segundo ele, a gravação de seu programa no SBT é semanal e vai das 14 às 22 horas. “Sou chato com essa coisa de horário e muita gente acha que é ansiedade. Não sou ansioso, sou profissional.” Ele não gosta de esperar nem de deixar ninguém por sua conta e acha ruim quando a produção do programa marca com algum artista e a pessoa fica esperando. “No último sábado, fui fazer o banquinho (Jogo do Banquinho, quadro que ficou famoso por causa da música que toca toda vez que um convidado é eliminado: ‘O Raul perguntou, você não acertou…’) e tivemos de esperar mais de 40 minutos os caras chegarem do Rio.” Conversa vai, conversa vem, Raul se limitou a pedir água com gás e praticamente não tocou no couvert. Mais de uma hora de entrevista depois, por volta das 14h30, é que acabou cedendo a nossa insistência e resolveu nos acompanhar no paillard de filé-mignon com salada de rúcula, tomate e parmesão.
DO HOMEM DO BAÚ
Foi com Silvio Santos – que abriu novamente as portas do SBT para ele em 2010, depois de um hiato de 25 anos (passou pela casa entre 1981 e 1985) – que aprendeu a gerenciar a vida financeira. Hoje é dono de mais de 40 propriedades (entre imóveis e terrenos) compradas ao longo da carreira. “Você precisa guardar dinheiro e pagar impostos. Senão, não dorme”, fala, imitando a voz do dono do Baú. Raul não “coleciona” só imóveis: tem 42 relógios e 12 carros – Porsche, Maserati, Jaguar e BMW, entre outros. Despista dizendo não saber quanto ganha atualmente. “Sou sócio do SBT e divi lucros e prejuízos.” Afirma que, muitas vezes, seu programa chega à vice-liderança da programação vespertina. “Em alguns lugares da Região Norte do país o programa fica em primeiro lugar.” E conta que, além da “consultoria financeira”, Silvio Santos o ensinou que tudo passa e que é preciso respeitar o público – “não queira ser Deus. Deus é um só”. O apresentador revela também que evita mostrar pobreza e desgraças em seu programa. “Pode até dar audiência, mas você não vai ajudar a pessoa com aquilo. No dia seguinte, tudo volta a ser como era antes”, pontua.
Com tanto tempo de estrada, é natural que Raul Gil tenha apadrinhado muitos artistas. Barão Vermelho, Ultraje a Rigor, Lulu Santos e Titãs fazem parte desse rol na primeira temporada no SBT, no início dos anos 1980. “Lembro de um menino chamado Luan Santana, que chegou muito nervoso no meu programa (em 2009, na Band). Falei para ele: ‘Este palco é um altar e você vai ser um dos maiores ídolos do Brasil’. Ele chorou e me agradeceu. Depois, nunca mais voltou”, diz, retomando um assunto que já rendeu pano para manga na imprensa. Luan Santana garante que Hebe Camargo foi a madrinha de sua carreira.
E se não faltam farpas para alguns artistas, o mesmo não acontece com a concorrência. “(Rodrigo) Faro manda bem, é um cara inteligente, família. Olho muito a família, viu? O (Celso) Portiolli tem uma família maravilhosa. Eu trouxe o Ratinho para São Paulo. Gosto do Jô Soares, do Carlos Alberto (de Nóbrega). A Patrícia (Abravanel) está se revelando uma grande apresentadora. Tem talento, simpatia… O pai está dando muita força, mas ninguém vai entrar no lugar do Silvio”, conta, dizendo ser amigo de todos. “Mas tenho o direito de não gostar de algumas coisas. Adoro o (Danilo) Gentili, mas não gosto do programa dele.”
Além de generoso com os colegas, Raul Gil costuma ser solidário com amigos que estejam enfrentando uma temporada de vacas magras, mas fala que já teve problemas por causa disso.“Quando você empresta dinheiro, perde o dinheiro e o amigo”, comenta. Mas sua carteira não foi sempre recheada, principalmente no início da carreira, quando os dois filhos, Nanci e Raulzinho, ainda eram pequenos. Por sorte, teve quem lhe estendesse a mão. “Na época da TV Excelsior, fiquei um ano sem receber. A sorte é que o Neca, dono de uma cantina perto da nossa casa no Ipiranga (bairro da zona sul da capital paulista), me vendeu fiado um tempão. Se não fosse por ele, a gente tinha passado necessidade”, lembra. Já eram quase quatro da tarde quando pedimos a sobremesa. Espuma de manga para todos – Raul, inclusive, que resolveu sair de novo da rotina. Ele só dispensou o café, que não toma. E mais uma cancha: a do famoso pulinho que costumava dar em seu programa.
REI DA DETENÇÃO
Raul Gil não bate ponto só em seu programa de TV. Assim como a ex-chacrete Rita Cadillac, já fez muitos shows no Complexo Penitenciário do Carandiru, na zona norte da capital paulista, onde hoje fica o Parque da Juventude. “Fiz shows lá durante 36 anos. Para os presos e também para as famílias deles. Eram três ou quatro apresentações por ano: Dia das Mães, dos Pais, Natal etc.” Diz que costumava ser chamado quando a “coisa estava fervendo”. “Uma vez, inventei um concurso para eleger o melhor grupo de axé entre os detentos e eles logo esqueceram as brigas.” O Carandiru não existe mais, mas Raul continua se apresentando na Penitenciária Feminina ao lado de Ana Hickmann.
PAI RAUL
Dono de uma intuição forte, Raul Gil diz que, de vez em quando, passam algumas coisas por sua cabeça que ele se vê na obrigação de dividir com seu interlocutor. Uma dessas vezes aconteceu em 1999, quando Lula foi ao seu programa na Record. “Cheguei para ele e disse: ‘Sabia que você vai
ser presidente?’.” Neymar foi outro que já ouviu as previsões do apresentador, que se encontrou com o jogador durante uma gravação, quando ele ainda estava no Santos. “Ele era magrinho, parecia um sabiá. Disse: ‘Marque este dia e horário, porque sua vida vai dar uma reviravolta tão grande que nem seu pai, sua mãe, ninguém vai acreditar. Você vai ser considerado um dos melhores jogadores de futebol do mundo!’” Anos depois, enquanto assistia a uma partida de futebol pela TV, Raul viu Neymar dar um de seus famosos chapéus. Ao ver a humilhação do outro jogador, pensou: “Um dia, vão quebrar esse cara e não vai ser um brasileiro”. Ficou um tempo com aquilo na cabeça e, então, resolveu ligar para o escritório de Neymar para avisar seu pai. “Eu o ouvi dizendo que não queria me atender. Pedi para passarem o recado. E não é que meteram o joelho nas costas do Neymar naquele jogo contra a Colômbia (Copa do Mundo de 2014)?”
Raul conta também que foi procurado por Fernando Collor de Mello, em 1992, depois do impeachment. “Ele encheu minha bola. Contou que fez uma pesquisa e descobriu que eu era o apresentador com mais crédito entre os telespectadores. Me pediu para ensiná-lo a trazer de volta as pessoas que votaram nele.” Raul conta que aconselhou o ex-presidente a se afastar de todas as pessoas que o traíram. “Ele vivia cercado de gente ruim. No fim da conversa, virei e comentei que, um dia, ele voltaria a ser presidente.” Será mesmo? “Eu acredito nisso, sim. Pô, o cara já é senador!”
SEM CHAPÉU
Um dos quadros mais conhecidos do Programa Raul Gil, o “Para Quem Você Tira o Chapéu?”, saiu do ar este ano por iniciativa do próprio apresentador. Para evitar constrangimentos, tudo era combinado previamente com o convidado. A produção pedia cerca de dez nomes para quem o convidado tiraria e para quem não tiraria o chapéu. “Ninguém queria se queimar e começou um tal de “não tiro o chapéu para a Aids”. Quem é que tira o chapéu para uma coisas dessas, me diz?” explica. Raul conta que o único que rasgou o verbo foi o apresentador Jorge Kajuru, conhecido por seu temperamento intempestivo. “Ele xingou gente para caramba, mas o programa não foi ao ar”, diz, sem revelar mais detalhes.