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Aldine Müller, Helena Ramos (abaixo) e Zaíra Bueno (à dir.)||Créditos: Dimas Schittini

 

Aldine Müller, Helena Ramos (abaixo) e Zaíra Bueno (à dir.)||Créditos: Dimas Schittini
Aldine Müller, Helena Ramos (abaixo) e Zaíra Bueno (à dir.)||Créditos: Dimas Schittini

 No início dos anos 1980, a pornochanchada chega ao fim. O motivo? Justamente a pornografia. As estrelas das comédias eróticas então encontram no palco dos teatros brasileiros seu novo espaço – e dinheiro

Por Renato Fernandes para a Revista J.P de abril

São Paulo, Teatro Hilton, 1982. Um longo “red carpet” é estendido para astros e high society passarem. É a estreia da peça “As Moças do Segundo Andar”, sucesso absoluto que ficou quase um ano em cartaz. Casa lotada. A razão? Carla, Gigi e Margot ou, respectivamente, Helena Ramos, Aldine Müller e Zaíra Bueno. As belas da pornochanchada seriam vistas pela primeira vez ao vivo pelo público, que até então só as fantasiava dos cinemas.

Tratava-se de uma produção luxuosa do colunista Giba Um, com direção de Kiko Jaess. Foi Giba quem escolheu as estrelas: “O cinema que elas faziam já estava em franca decadência, mas eram as três musas do momento e não houve quem não assistisse à peça”. Tinha apelo erótico, sim, claro, mas nada de nudez total, como apareciam nos filmes. “Zaíra tinha uma cena muito comentada em que simulava uma masturbação, um escândalo para a época”, lembra o colunista. Helena estava no auge da fama: acabara de se consagrar com o filme “Mulher Objeto”, de 1981, um thriller com tintas de Ingmar Bergman dirigido por Silvio de Abreu e com produção de Aníbal Massaini Neto. Durante a temporada da peça, as duas atrizes se estranharam. “Estávamos na cena de um tango em que Helena tinha que me dar uma bofetada, e foi um pouco mais forte naquela noite. Revidei. O Nuno Leal Maia estava na plateia e não entendeu nada. Foi a maior baixaria, mas eu era estressada”, conta Zaíra, direto de Santa Monica, na Califórnia, onde mora com o filho há mais de uma década. O tabefe, porém, não mudou a amizade das duas, que não comentaram nada sobre o assunto e continuaram íntimas.

Cartaz do filme "As Moças do Segundo Andar"||Créditos: Arquivo pessoal/Dimas Schittini
Cartaz do filme “As Moças do Segundo Andar” e Patrícia Scalvi||Créditos: Arquivo pessoal/Dimas Schittini

A peça viajou o interior de São Paulo, faturando horrores. “Ganhei dinheiro mesmo no teatro e na televisão, a pornochanchada rendeu muito para os produtores, mas para nós, atrizes, só fama”, diz Zaíra. Helena então foi substituída pela experiente Maria Luiza Castelli, conhecida por papéis dramáticos nas novelas, mas com um timing cômico perfeito no cinema e teatro. Tudo ia bem até uma falatidade acontecer: um terrível acidente de carro envolvendo Zaíra e Aldine, que estava no comando da direção. A batida afetou não só o veículo da estrela, mas sua relação com Zaíra, com quem foi capa da revista “Playboy”, em  1984, num ensaio carregado de insinuações lésbicas. Procurada pela reportagem, La Müller prefere não comentar: “Sabe, essa coisa de só falar de pornochanchada cansa”. Zaíra compreende: “Pornochanchada é karma, com ajuda do budismo superei, mas entendo ela não falar”. Já Cláudio Cunha, diretor do filme de estreia de Aldine no cinema, “Clube das Infiéis”,  acredita que “ela não fala sobre a pornochanchada por causa do preconceito instalado pela banda podre da mídia ao gênero”. Mesmo querendo sublimar o passado, Aldine posou completamente nua, em 2000, para a revista “Sexy”, aos 46 anos.

CAFETINA, NÃO

Uma coisa é fato: nos últimos anos, houve um forte boato em São Paulo de que Zaíra Bueno havia virado dama de companhia ou até cafetina em Los Angeles. “Nossa, como ainda existe gente má. Esse seria o caminho mais fácil, mas nunca rolou. O que fiz foi ralar e muito como hostess de restaurante em LA e NY até conseguir me estabilizar por aqui, e, quer saber?, demorou”, diz ela, atualmente dona de um spa. O fato é que programa é uma coisa que nenhuma das três fazia, como atesta o produtor e diretor David Cardoso: “Nunca as vi saindo com ninguém. Meus amigos milionários eram loucos por elas, mas nada! Elas iam embora dos sets de mãos dadas com os namorados”. Cardoso, que descobriu Zaíra para o cinema, ficou orgulhoso de ela ter alcançado novos voos no teatro e na TV. “Ela vinha de um curso de modelos da Christine Yufon, nunca foi bem aproveitada no cinema. Zaíra é a nossa Romy Schneider.” Sem dúvida, a atriz teve mais êxito no teatro, onde chegou a fazer um monólogo de Nelson Rodrigues, “Valsa nº 6”, que rendeu excelentes críticas.

PAGAR PEITINHO

Além de Helena, Zaíra e Aldine, outra musa da pornochanchada também soube contabilizar no teatro o sucesso que fez no cinema: Matilde Mastrangi. Dona de um corpo voluptuoso que honra a tradição italiana, Matilde começou na televisão como bailarina do “Programa Silvio Santos”. Logo estava nas telonas, alcançando sucesso em filmes como “Bacalhau”, 1976, sátira tupiniquim a “Tubarão”, e “Palácio de Vênus”, 1980, de Ody Fraga. Nos palcos, Matilde encenou no TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) peças com toques de sensualidade e malícia, como “Uma Cama Entre Nós”. O autor? Walcyr Carrasco, das novelas da Globo.

Matilde, como produtora, não fazia feio. Divulgava a peça até mesmo em boates gays, como fez certa noite na lendária Val Improviso. A atriz segurava o cartaz da peça com uma mão enquanto a outra levantava a blusa e mostrava o peito. Perfeito. O público veio abaixo, mas quem delirou mais foi o  ator e então modelo Oscar Magrini, que teve a opotunindade de atuar com ela, em 1990, em “Uma Cama Entre Nós”. No palco nasceu o amor, Matilde e Magrini são casados há 25 anos – ela não gosta de falar do passado, página virada – e o casal se divide entre suas residências em Santos, Rio e Atibaia, onde Matilde curte o anonimato.

Roberta Close e Jece Valadão; Zilda Mayo em capa de revista||Créditos: Arquivo pessoal/Dimas Schittini
Roberta Close e Jece Valadão; Zilda Mayo em capa de revista||Créditos: Arquivo pessoal/Dimas Schittini

ANGELICAL

Um dos rostos mais angelicais da pornochanchada e talento reconhecido com um Kikito pela atuação em “Anjos do Arrabalde”, de Carlos Reichenbach, é o da atriz Vanessa Alves, com passagem em mais de 30 filmes, dado que não a impediu de ser uma das atrizes mais requisitadas para propagandas. Vanessa era de uma das primeiras agências de atores do Brasil: Galharufas, sob o comando das irmãs Ciça e Nissia Garcia. Com os filmes da Boca do Lixo rareando, ela não teve dúvidas em aceitar fazer a peça “As Filhas da Mãe” ao lado de Patricia Scalvi, outra atriz da pornochanchada. Hoje, Vanessa é uma bem-sucedida diretora de dublagem e fala de seu passado com muito orgulho.

PELADÃO

Se foram só as atrizes que encontraram no teatro uma boa fonte de renda? Não. Justamente o todo-poderoso da pornochanchada, David Cardoso, também aproveitou e, em 1979, encenou no Teatro Oficina, na rua Jaceguai, no Bixiga, a peça “Os Homens”, em que passava boa parte nu. Sucesso estrondoso. Durante oito meses de casa lotada. O maior público era gay. O ator, que de bobo nunca teve nada, repetiu anos mais tarde a nudez na peça “P.S.: Seu Gato Morreu”, em 1991, ao lado de Rita Malot. “O texto não era bom, mas David pedia para um ator rasgar a cueca dele e aparecia de bumbum de fora”, diz Rita, rindo. Uma coisa é certa: o teatro erótico já não rendia como antes: Cardoso voltou a dirigir filmes e acaba de rodar o longa “Sem Defesa”, a ser lançado este ano.

A CHANCE DE CLOSE

O mesmo Giba Um que pôs Helena Ramos, Zaíra Bueno e Aldine Müller nos palcos, levaria também Jece Valadão para a montagem brasileira de “Uma Vez por Semana”, em São Paulo, sob direção de Gugu Olimecha. A peça conta a história de um executivo que fica dividido entre a mulher e a amante. Nada de mais, se a amante não fosse interpretada justamente por Roberta Close, no auge da fama, e Monique Lafond, linda de morrer. As plateias lotaram os teatros para ver o maior cafajeste do país com o travesti que havia se tornado paixão nacional. “A bicha era bonita demais, perfeita demais, e eu tinha medo de fraquejar. Nunca tive relação homossexual e fiquei com medo de cair em tentação”, declarou Jece, com seu jeitão característico. Numa viagem, tudo acabou: um novo namorado marombado de La Close quis conferir o borderô e Jece deu tudo por encerrado. Roberta perdeu uma de suas maiores oportunidades. Ficou famosa como sex symbol na década de 1980 e, agora, com mais de 50 anos, foi vista experimentando óculos num camêlo na rua Siqueira Campos, em Copacabana.

Oscar Magrini e Davi Cardoso||Créditos: Arquivo pessoal/Divulgação
Oscar Magrini e Davi Cardoso||Créditos: Arquivo pessoal/Divulgação

A MODELO DE PRESSÃO

“Muito prazer, meu nome é Claudia Lares. Claudia por causa da revista, e Lares por causa da panela. Esse é meu nome artístico de modelo”, dizia Zilda Mayo na peça “Nua na Plateia”, 12 anos em cartaz, por todo Brasil.

Claudia Lares era uma modelo em franca decadência que contracenava com um ator que representava três personagens. Entre os que passaram: Raymundo de Souza, Victor Branco, Roberto Bataglin, Miguel Bretas e até mesmo Ronaldo Ciambroni, autor da peça e principal responsável pela transição de muitas das musas da pornochanchada para o teatro. “A nudez era o que menos interessava ali, ela tirava a roupa, mas era justamente uma crítica a esse tipo de teatro”, diz Zilda, de Araraquara.

Zilda começou sua carreira no cinema como figurante na primeira produção dos Estúdios Silvio Santos, “Ninguém Segura essas Mulheres”. “Durante a filmagem eu vi potencial nela, tanto é que inventei uma fala para seu personagem”, diz o diretor e roteirista José Miziara. “O título de ‘Nua na Plateia’ é totalmente coerente com o roteiro da peça, pois a modelo Claudia Lares se desnuda contando sua vida, com mais baixos do que altos”, lembra La Mayo.

“O cinema brasileiro se notabilizou por ciclos, e este, pejorativamente conhecido como o das pornochanchadas, foi mais um deles”, diz o cineasta e escritor Daniel Camargo. “O que há de se respeitar é que essas atrizes não tiveram ajuda de agentes, preparadores, sindicatos ou empresários. Elas tiveram de se reinventar para continuar trabalhando.”

Nem todas tiveram sucesso, e o mesmo público que antes as idealizava não hesitou em abandoná-las. Esse movimento aconteceu em todo o mundo, mas as atrizes brasileiras, verdadeiras gladiadoras, continuaram lutando. Hoje várias são objetos de culto e continuam trabalhando. A pornochanchada, antes tão desprezada, virou tema de estudos acadêmicos e os filmes são tidos como cult pelas novas gerações. De Campo Grande, David Cardoso anuncia: “Ano que vem filmo ‘A Última Pornochanchada’ e todas elas vão estar juntas, mesmo já senhoras. Não quero saber, quero todas ao meu lado!”.

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