A morte inesperada e trágica de Matthew Perry aos 54 anos chocou o mundo no último sábado (28). O ator foi encontrado sem vida em sua casa no bairro nobre de Pacific Palisades, entre Santa Monica e Malibu. Ele estava submerso em uma banheira, conforme revelado por um funcionário da residência. Situado em uma região montanhosa da Califórnia, o distrito de Los Angeles oferece vistas deslumbrantes do Oceano Pacífico e está entre os CEPs mais caros e cobiçados dos Estados Unidos – morar lá é sinônimo de ter conquistado o ‘Sonho Americano‘. Ainda não há uma causa oficial para o falecimento. Esse trágico acontecimento lançou luz sobre múltiplas facetas da vida do Chandler Bing de “Friends”, algumas das quais se mostraram ainda mais surpreendentes que seus já conhecidos dramas pessoais, como sua luta contra vícios e seu ativismo por reabilitação.
Dois dias depois do trágico acontecimento, na segunda-feira (30), os cinco colegas de elenco de Perry na série emitiram um comunicado coletivo. “Estamos todos totalmente arrasados com a perda de Matthew. Éramos mais do que apenas colegas de elenco. Nós somos uma família. Há muito a dizer, mas agora vamos reservar um momento para lamentar e processar esta perda incompreensível”, escreveram Jennifer Aniston, Courteney Cox, Lisa Kudrow, David Schwimmer e Matt LeBlanc. “Com o tempo diremos mais, como e quando pudermos. Por enquanto, nossos pensamentos e nosso amor estão com a família de Matty, seus amigos e todos que o amavam ao redor do mundo”.
O fenômeno de “Friends’ é incontestável: a série alcançou uma audiência média de 21,5 milhões de telespectadores por episódio durante a década em que ficou no ar. O último, exibido em maio de 2004, quebrou recordes ao atrair um público de 52,2 milhões. Notavelmente, o programa foi especialmente popular entre o público de 18 a 34 anos, o mais cobiçado pelos anunciantes.
Perry, por sinal, tinha um quarto de século quando a cultuada sitcom foi ao ar pela primeira vez, em setembro de 1994, visando esse jovem telespectador. A atração é voltada principalmente para espectadores que vão desde os últimos anos da adolescência até o início da terceira década de vida. Os personagens da série estão na faixa etária dos 20 aos 30 anos, e a trama explora os desafios, aventuras e relacionamentos enfrentados por pessoas nesse período da vida.
Além de seu claro apelo mercadológico, a idade que Perry tinha há 29 anos é simbólica dentro da cultura dos EUA. Chegar a essa fase da vida era e ainda é, em muitas indústrias, incluindo a de entretenimento, um divisor de águas: um rito de passagem em que um indivíduo pode ter adquirido tanto certa experiência e maturidade profissional quanto, do contrário, deve pensar em um plano B. No país, muitas empresas de aluguel de carros, em contrapartida, reduzem suas taxas para motoristas que têm pelo menos 25 anos, por considerá-los um grupo de menor risco. Similarmente, as taxas de seguro de carro frequentemente diminuem após o indivíduo completar 25 anos.
Dependendo da cultura e do ambiente de alguns estados americanos, um quarto de século pode ser visto como uma idade em que se espera que o indivíduo tenha alcançado certos marcos de vida, como completar a educação ou se estabelecer em um relacionamento já visando o altar. Em Hollywood, especificamente, essa fase da vida pode ser um período igualmente promissor e desafiador para atores e atrizes, já que muitos estão no início de suas carreiras e enfrentam uma forte concorrência. E embora a idade legal para beber nos EUA seja 21 anos, alguns clubes e locais de entretenimento estabelecem uma idade mínima de 25 anos para certos eventos ou áreas VIP. Esse último ponto é particularmente perigoso quando a conta bancária do indivíduo também é robusta.
Entender essa etapa da vida adulta nos ajuda a contextualizar as escolhas financeiras de Perry. Nos EUA, chegar aos ‘2.5’ é frequentemente associado ao início de considerações sobre finanças pessoais e investimentos de longo prazo, como a aquisição de uma residência própria. Embora a idade média para a primeira compra imobiliária tenha se deslocado para mais tarde nos últimos anos, devido a fatores econômicos e mudanças culturais, esse período ainda é considerado crucial para estabelecer raízes e investir em propriedade. Esse momento da vida geralmente coincide com outras mudanças significativas, como avanços na carreira e planejamento familiar, que podem influenciar a decisão de adquirir uma casa. Além disso, a crescente estabilidade financeira e o acúmulo de crédito tornam a ideia de assumir um financiamento imobiliário mais viável. Estudos indicam, inclusive, que o desenvolvimento cerebral continua até aproximadamente essa idade, associado frequentemente à maturidade emocional e à tomada de decisões.
Mudando o foco para outros aspectos da carreira de Perry, que será profundamente lamentado em sua comunidade, há marcos significativos que merecem destaque. Como o membro masculino mais proeminente do elenco original de “Friends”, Perry teve uma carreira cinematográfica curta, mas de sucesso, incluindo sua própria franquia “Meu Vizinho Mafioso”. Os dois filmes da série arrecadaram coletivamente US$ 132,6 milhões (R$ 669,6 milhões) nas bilheterias globais, o que equivale a US$ 234 milhões (R$ 1,18 bilhão) quando ajustados pela inflação.
Durante esse período, o ator também estava ganhando entre US$ 750 mil (R$ 3,79 milhões) e US$ 1 milhão (R$ 5,05 milhões) por episódio em “Friends”, que acumulou um total de 236 episódios originais entre 1994 e 2004. Porém, apenas de 2000 para a frente que a remuneração de seis dígitos se tornou realidade. E graças a Perry, que liderou um ‘protesto’ para que todos os protagonistas ganhassem conforme pesavam nos índices de audiência, com aumentos proporcionais que eventualmente chegaram aos sete dígitos.
Durante esse período de sucesso financeiro, Perry também direcionou sua atenção para investimentos em propriedades, sinalizando uma estratégia de longo prazo. Dentre os protagonistas de “Friends”, apenas Perry e Aniston fizeram várias aparições na lista “The Celebrity 100” da Forbes. Em 2002, ele igualou o ganho de Aniston, estimado em US$ 35 milhões (R$ 176,7 milhões), ajustado para inflação em US$ 58,5 milhões (R$ 295,4 milhões). Um detalhe notável é que mais da metade desses lucros vinha de royalties de reprises de “Friends”. Esse modelo, conhecido como “syndication” nos EUA, gerou cerca de US$ 1 bilhão (R$ 5,05 bilhões) em receitas anuais desde o início dos anos 2000 – outro feito estratégico de Perry pensando em prol dos amigos de expediente quando ‘protestou’ com eles.
Essa distribuição em rede permitiu que Perry e seus colegas de elenco recebessem entre US$ 15 e 20 milhões (R$ 75,07 milhões e R$ 101 milhões) por ano, uma receita passiva significativa. Perry investiu esses recursos substanciais no mercado imobiliário de luxo da Califórnia. Seu investimento mais notável foi a aquisição, em 2017, de uma cobertura em LA por US$ 20 milhões (R$ 101 milhões). Embora ele tenha listado a propriedade por US$ 35 milhões, acabou a vendendo por US$ 21,6 milhões (R$ 109,1 milhões) em 2021.
O lucro de US$ 1,6 milhão (R$ 8,1 milhões) pode parecer modesto, mas é fundamental considerar o contexto mais amplo. Perry, aparentemente, adotou uma abordagem equilibrada e calculada em seus investimentos imobiliários, ampliando sua riqueza através de múltiplos fluxos de receita.
Ao examinar mais de perto a estratégia de investimento de Perry, se percebe o grau de sofisticação envolvido. Para começar, o dinheiro utilizado para a compra da cobertura de luxo veio de seus royalties de “syndication”, uma fonte contínua de receita que minimizou o risco financeiro associado ao investimento inicial. Isso tornou mais fácil para Perry mobilizar recursos para esse tipo de ativo imobiliário, sem afetar significativamente seu fluxo de caixa.
O ator também mostrou prudência em sua escolha de propriedades. Seu histórico de investimento de aproximadamente US$ 100 milhões (R$ 505 milhões) em imóveis na Califórnia demonstra uma estratégia bem pensada e de sucesso. Por exemplo, a propriedade em Pacific Palisades, adquirida em 2020 por US$ 6 milhões (R$ 30,3 milhões), se destaca não tanto pela residência, mas pelo terreno valioso em que está localizada. Perry nunca fez um investimento imobiliário que tenha resultado em perdas financeiras, mostrando sua competência e discernimento ao escolher ativos imobiliários.
Além disso, Perry sempre valorizou a solidez dos ativos imobiliários em comparação com “ativos intangíveis não financeiros”, como royalties. Imóveis, especialmente em localizações premium, oferecem uma proteção natural contra as volatilidades do mercado e tendem a apreciar em valor ao longo do tempo. Em um cenário econômico que está constantemente em fluxo, a capacidade de manter ativos tangíveis que resistem a recessões e flutuações se torna uma âncora financeira. Nesse sentido, Perry não só acumulou riqueza, mas também a diversificou de forma inteligente, se preparando para qualquer eventualidade econômica.
A diversificação de portfólio através da compra de propriedades imobiliárias de alto padrão é uma estratégia financeira prudente, especialmente para pessoas como Perry cujas principais receitas provêm de fontes específicas como royalties de televisão. Imóveis em mercados de alta demanda não são apenas investimentos sólidos, mas também oferecem um grau de liquidez que pode ser fundamental em momentos de necessidade financeira. Além do mais, as vantagens fiscais associadas à propriedade imobiliária, especialmente nos EUA, com estratégias como a troca 1031, adicionam uma camada adicional de incentivo para investir em imóveis.
Mas além do aspecto financeiro, a propriedade de imóveis de luxo em localizações privilegiadas carrega um valor intangível em termos de status e credibilidade. Isso pode abrir portas nos círculos empresariais e de entretenimento, reforçando a marca pessoal e o valor do investidor. Personalidades como Perry, Rihanna e Gisele Bündchen não apenas acumularam riqueza através de suas carreiras, mas também a diversificaram de maneira inteligente, incluindo o rendimento gerado por aluguéis de suas propriedades de alto padrão.
No caso de Perry, sua estratégia financeira e investimentos imobiliários bem-sucedidos formam apenas uma parte do seu legado complexo. Com uma fortuna estimada em cerca de US$ 360 milhões (R$ 1,82 bilhão) – a maior de todos os seis ‘amigos’ – Perry não é apenas lembrado como um ícone do entretenimento ou um investidor sagaz, mas também como um indivíduo que enfrentou e discutiu abertamente suas lutas com doenças mentais e físicas. Seu best-seller de 2022, “Friends, Lovers, and the Big Terrible Thing: A Memoir” (“Amigos, Relacionamentos e o Grande Abismo: Uma Autobiografia”, em tradução livre), dá um testemunho disso e recebeu elogios do “The New York Times.” Esse aspecto de sua vida, aliado à sua transparência e honestidade, enriquece ainda mais sua história, o tornando um exemplo multifacetado que transcende o sucesso financeiro e profissional.
A visita dos pais de Perry à casa onde ele faleceu, mais cedo nessa semana, sugere que eles estão desempenhando um papel como executores testamentários ou fiduciários. Esse é um passo crucial nos EUA, onde o processo de inventário e planejamento de patrimônio muitas vezes começa logo após o falecimento de um ente querido, especialmente se não há suspeita de circunstâncias criminosas. Essa precaução por parte da família Perry novamente aponta para um alto nível de planejamento financeiro, possivelmente uma constante desde que o ator tinha 25 anos. Esse marco etário em Perry seria o equivalente a um jovem da Geração Z hoje. Vale destacar que, ao contrário de Perry, muitos jovens dessa geração demonstram menor responsabilidade financeira. De acordo com inúmeras pesquisas, uma porcentagem significativa prefere continuar morando com os pais, muitas vezes por falta de interesse ou recursos para comprar a própria casa.
Embora Perry tenha enfrentado seus próprios demônios em forma de dependências de drogas e álcool, e os tenha superado, conforme conta em sua autobiografia, ele se tornou um farol de esperança, utilizando sua plataforma para advogar pela reabilitação. Ele foi além das câmeras e das manchetes, doando milhões para a Associação Nacional de Profissionais de Tribunais de Drogas dos EUA, inclusive uma de suas propriedades multimilionárias, que agora serve como centro de reabilitação. Reconhecendo essa contribuição, ele recebeu o prêmio Champion of Recovery da Casa Branca em 2013, concedido pelo Escritório de Política Nacional de Controle de Drogas do Governo Americano.
Perry não foi apenas um ator talentoso ou um investidor imobiliário sagaz. Ele foi um verdadeiro exemplo de resiliência e humanidade. Sua geração, os chamados ‘Gen X’, frequentemente enfrenta desafios de saúde mental, algo que Perry abordou abertamente e que deveria ser visto como uma parte pequena, mas significativa, de uma vida amplamente positiva e impactante. Seu legado vai além do efeito cógnito da emoção e informação que seu trabalho proporcionou, já que ele deixa um exemplo multifacetado para as novas gerações. Um homem cujos pais, provavelmente, continuarão recebendo royalties de “Friends”, Perry merece ser lembrado não apenas como uma estrela brilhante na constelação de Hollywood, mas também como um herói silencioso cujo saldo de vida foi indubitavelmente mais positivo do que negativo.