Por Paulo Sampaio
Zico, o mordomo, que costuma atender o telefone informando que é da “residência dos Trussardi”, pede a Arnaldo Antônio, de 3 anos, que não mexa no par de renas de arame que decora o jardim para o Natal. “Cuidado com as lâmpadas pisca-piscas. Elas são pequenas, podem quebrar”, diz ele, orientando as três babás que acompanham o garoto, seu irmão e dois primos dele.
Parte dos bisnetos, netos e cinco dos 10 filhos de Maricy Trussardi, conhecida pela fé incondicional em Nossa Senhora Imaculada Conceição e na Igreja Católica, se reuniu na casa da matriarca para posar para fotos em torno do presépio, da árvore com bolas grandes e fúlgidas e dos muitos santos espalhados pelas várias salas. Logo no hall de entrada, Ciccy, filha de Riccy, mãe de Missy e neta de Maricy, conta que todas elas se chamam Maria da Conceição Aparecida, e que, por isso, criaram apelidos diferentes para cada uma. “São quatro gerações de mulheres com o mesmo nome e com a mesma fé”, explica ela, enquanto mostra os enfeites de Natal para Missy (apenas o nome da menina é com dois “s”, e não com dois “c”). Na porta de entrada, há um Papai-Noel tocando saxofone; próximo da escada, em cima de um móvel, um santo branco abre e fecha mecanicamente as asas e mexe as mãozinhas; o presépio, logo ali ao lado, tem cerca de 2 metros e é iluminado por algo em torno de 500 microluzes.
Cinco das sete filhas de Maricy conversam animadamente em uma sala lateral do casarão estilo colonial, decorada com sofás grandes e confortáveis, móveis pesados, porcelanas, pratarias e tapetes grossos. Em uma das extremidades, há uma mesa redonda com uma bandeja cheia de brigadeiros. Algumas crianças brincam nos arredores. A maioria delas está de branco. “Zico, me faz uma caridade, por Jesus Nosso Senhor! Janela fechada, sem ar condicionado, não dá. Liga pra mim o ar, filho!”, pede Maricy.
Mamãe assessora
Riccy, a segunda filha mais velha do clã, se aproxima e mostra um par de brincos de brilhantes, safiras e pérolas south sea doados para o leilão de Natal da creche Nossa Senhora da Conceição Aparecida Mãe do Salvador, administrada por Romeu Trussardi, o chefe da família. “Olha que maravilha! Jesus amado…”, diz Maricy, mostrando a caixa com os brincos. Ela mesma está com dois redondos, muito grandes, em ouro e brilhantes. “Vou dar em primeira mão pra você as doações que a gente conseguiu. Tem bolsa Hermès, Vuitton, sapato Jimmy Choo e joias de Mauri-cio Monteiro e Anna Cláudia Rocha.”
“Mamãe é nossa assessora de imprensa”, diz Paula, filha mais nova, que em agosto lançou uma grife de camisolas chamada Marie Robe de Nuit. O “Marie”, ela explica, é por causa de Maria, mãe do Salvador, e também porque todas as irmãs a têm no nome. Segundo Paula Maria, graças aos contatos de Maricy, que conhece Deus e todo mundo, a grife saiu “em tudo quanto foi lugar na mídia”.
Na sala grande, onde um móvel acompanha a parede maior de fora a fora, há uma série de porta-retratos com casais de noivos, respectivamente filhos ou filhas de Maricy. As mulheres da família, ela explica, “usam sempre na cabeça, junto com o vestido de noiva, um diadema feito de joias que pertencem a várias de nós, desde minha avó”. A última a usar foi Lalá Rudge, sua neta, que se casou em outubro com Luigi Cardoso e foi a 33ª cabeça da família a entrar na igreja adornada pela peça.
Dia da noiva
“Agora, olha isso”, diz Maricy, depois de pedir a Zico que traga para ela alguns exemplares encadernados da revista O Cruzeiro da década de 1950. Maricy abre a capa rígida azul-turquesa e mostra fotos e mais fotos dela no dia do casamento. Acima das imagens, os dizeres: “A noiva acordou cedo, comeu pouco, abriu telegramas, falou no telefone e levou duas horas para se arrumar”.
No casamento, ela entrou na igreja usando luvas “porque o cerimonial, para quem leva uma joia na cabeça, obriga” (ela mostra na foto o jeito como deu a mão para o pai): “Eu fui conduzida sob a tutela dele até o altar e, dali para a frente, eu já era uma Trussardi”. E lamenta que as pessoas tenham esquecido essas liturgias.
Moça de sociedade, “num tempo em que a sociedade era muito fechada”, Maricy fala de Deus e de Ibrahim Sued com a mesma empolgação. Às vezes, mistura os dois. “Eu saía no jornal como a mulher mais bonita do Rio na época, mas nunca me dei conta disso. Fui criada valorizando o espírito de caridade, de amor e de fraternidade.” Ela abre outra pasta azul e diz: “Você vai cair pra trás agora”. Mostra uma foto dela na capa de O Cruzeiro, grávida, no casamento de Riccy. “Tenho neto mais velho que meus filhos mais novos.”
Só uma surra
Ótima contadora de histórias, Maricy agora entretém J.P com alguns casos de família. “Minha avó, quando tinha 96 anos, veja bem, 96!, morava em um casarão na Avenida Brasil, que ficava em frente a um semáforo onde ambulantes vendiam balões de encher. Pois bem. Num dia de chuva, ela na janela, o terço na mão, rezando, viu que os coitados não vendiam nada. Iam chegar em casa e ouvir da mulher: ‘E então, não conseguiu dinheiro nenhum!?’ Sabe o que ela fez? Mandou comprar todos os balões! Eu entrei na casa dela e a sala estava repleta deles! Perguntei: ‘O que é isso vovó?’ Ela me contou o que tinha feito e pediu que não dissesse a ninguém. 96 anos!” Conclui Maricy que, “se eu não fosse assim [tão devota], o mínimo que eu mereceria era uma surra!”
A neta Chloé, de 10 anos, se aproxima e oferece a ela uma florzinha vermelha que pegou no jardim. Maricy, por natureza muito exuberante, abraça forte a menina e a beija, dizendo em um tom arrebatado: “Essa menina é uma luz que Deus mandou para minha vida! Isso não tem preço!” Logo em seguida, aponta para um porta-retrato em que ela mesma aparece vestida de noiva: “Olha a cinturinha!” Pede a Chloé que coloque a flor “ao lado de Nossa Senhora e de Jesuzinho”. “Hoje, tudo é ego, é poder político, financeiro”, diz ela, em um Valentino prata.
Ao acompanhar o repórter até a saída, Maricy dá uma parada no hall em frente à escada, abre a “gaveta da evangelização”, tira dali um espargidor, sacode na direção dele e diz: “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Oferece uma medalha de Nossa Senhora das Graças, um panfletinho com orações e se despede com um abraço afetuoso. Amém.
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