Único brasileiro a concorrer ao Urso de Ouro em Berlim, o cineasta Marcelo Gomes insere, em seu novo filme, uma figura histórica no debate político atual: o inconfidente mineiro Tiradentes
Da Revista PODER de abril
O filme “Joaquim”, roteirizado e dirigido pelo pernambucano Marcelo Gomes, começa com uma cena icônica: a cabeça decepada de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, em frente a uma capela barroca de Minas Gerais. O personagem – que é também narrador da história – começa a se perguntar por que foi o único revolucionário da Inconfidência Mineira a receber pena tão cruel. “Por ser o mais pobre ou o mais exaltado?”, indaga, jogando a reflexão para o público.
“Isso não aparece nas discussões do dia a dia, mas muitos dos nossos problemas como país vieram da época da colonização. Para superá-los, é preciso relembrar”, afirma o cineasta Marcelo Gomes, explicando os motivos de filmar uma história já tão conhecida dos livros de história. “Aquele Tiradentes, baseado na imagem de Jesus Cristo, é uma criação posterior da Proclamação da República. Eu queria contar uma história que fosse mais próxima do personagem histórico.” O filme mostra Joaquim, um soldado da coroa portuguesa que se envolve com a escrava Preta, interpretada brilhantemente pela atriz portuguesa Isabél Zuaa. Quando ela foge, Joaquim enlouquece e parte em uma expedição – em busca de ouro, mas também em busca de Preta. “Não queria fazer um épico, mas uma crônica dos costumes da época”, explica Gomes.
Além de mostrar a gênese do herói, o filme é uma espécie de romance de formação do Brasil e do significado de ser brasileiro. Em uma das cenas, um escravo e um índio misturam seus cantos e ritmos próprios para criar uma música juntos, mostrando uma liberdade que, se não existia na vida, pode existir na arte. “Eles fazem uma espécie de hip-hop do século 18. Serve para refletirmos sobre quem, de fato, constrói a cultura.” Joaquim, por sua vez, também se percebe frustrado com a vida, e vai aos poucos se dando conta do quanto está afastado de certo círculo dos privilegiados. Tomado pelas ideias da independência norte-americana e do Iluminismo, passa a questionar a sua situação social.
O filme foi rodado nos arredores de Diamantina, em Minas Gerais. “Até que foi fácil fazer a reconstituição histórica. As casas não mudaram muito, o mato continua lá. Só foi embora o ouro e o sotaque português”, comenta Gomes. Estreia prevista para 20 de abril.
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