Rodolfo Nanni completa nove décadas neste sábado, cheio de novos projetos. O mais longevo diretor do cinema brasileiro vai lançar seu primeiro livro, a autobiografia “Quase um Século – Imagens da Memória” – no próximo dia 8, no Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo. Ele também está desenvolvendo seu novo filme de ficção, o “Cidade Ilimitada”. Em conversa com o Glamurama, o diretor do clássico “O Saci” (1953-54), que já foi crítico da Folha de S. Paulo e professor de cinema da FAAP, falou sobre o cenário atual do cinema e criticou o incentivo de filmes comerciais: “Você sabe quais são os filmes que dão bilheteria: essas comédias sem nenhum compromisso mais sério. Isso é muito desanimador”.
Por Denise Meira do Amaral
Glamurama – Esse é o seu primeiro livro. Por que decidiu escrevê-lo?
Rodolfo Nanni – Por que vários amigos e editores, que sabiam que eu tinha muita coisa pra contar, viviam falando para eu escrever.
Glamurama – Quais são as memórias mais marcantes que o leitor vai encontrar no livro?
Rodolfo Nanni – Tenho muitas memórias, tanto boas quanto ruins. Fui para Paris estudar cinema, e quando voltei fui convidado para dirigir um longa. Eu era muito jovem ainda, mas tive a possibilidade de fazer o primeiro filme para público infantil, que era “O Saci”. Ele tem mais de 60 anos e as crianças continuam adorando até hoje. O longa foi exibido na Cinemateca, em São Paulo, no ano passado, quando completou 60 anos, e as crianças fizeram fila para me abraçar. Foi muito comovente. Foi o maior prêmio para mim. Imagina? Um filme preto e branco e elas gostam até hoje? Outro momento marcante foi eu ter feito um filme em 1958 sobre a seca [“O Drama das Secas”] . Foi terrível, as pessoas morrendo de fome, uma coisa pavorosa. Me interesso muito pelas questões sociais do país. Cinquenta anos depois, resolvi voltar pra lá e fazer a mesma viagem pelo semiárido pra filmar a situação das pessoas hoje [“O Retorno”, em 2006]. Tem alguma coisa um pouco melhor, o Bolsa-Família ajuda, mas não resolve tudo.
Glamurama – Quais foram as principais mudanças comparando o Brasil de 50 anos atrás e o Brasil de hoje?
Rodolfo Nanni – No filme de 1958, mostro uma moça com uma lata pegando água em uma poça num rio que secou. Quando voltei, depois de quase 50 anos, filmei uma moca que teve 14 filhos e que anda mais de 1 km para pegar água. Então você pensa, com tudo que evoluiu no mundo, isso ainda acontece. É muito triste. É óbvio que independentemente do governo, a não ser que seja uma ditadura como em algumas nações africanas, é normal que os países com o tempo melhorem em vários aspectos. A classe C subiu um degrau social é isso é muito positivo, mas eu acho que falta muito ainda.
Glamurama – Em quem votou nestas eleições?
Rodolfo Nanni – Prefiro não falar. Um amigo meu me disse e eu repito, entre os dois bandidos, votei no meu bandido (risos). Achei isso muito bom.
Glamurama – Qual sua avaliação do cinema nacional atual? Em que ele melhorou e em que ele ainda fica devendo?
Rodolfo Nanni – Acho que temos vários filmes muito interessantes. Mas o que acontece é que há uma preocupação muito grande, inclusive dos órgãos do governo, de que os filmes tenham bilheteria. E você sabe quais são os filmes que dão bilheteria: essas comédias sem nenhum compromisso mais sério. Isso é muito desanimador para as pessoas que querem fazer filme de arte, cultural, com histórias mais sérias e que tenham a ver com a vida do país. É uma grande dificuldade.
Glamurama – Você acredita que o cinema precisa ser sempre engajado?
Rodolfo Nanni – Depende engajado como, onde, e em que. Mas acho que na vida a gente deve ser sempre engajado em alguma coisa. Ou fica sem sentido. Mas se você diz engajado politicamente, entre esquerda e direita, acho que não. Inclusive eu não tenho ligação com partido nenhum. Já tive, mas nem quero mais ter. A minha preocupação é o Brasil. Meu partido é o Brasil.
Glamurama – Quais seus próximos projetos?
Rodolfo Nanni – Estou trabalhando em um projeto de ficção que se chama “Cidade Ilimitada”. É uma história focada em São Paulo, nessas diferenças. Ilimitada em todos os sentidos. São cinco personagens principais, cada um de uma categoria social, e que acabam se encontrando. Eu ainda estou entrando nos editais, tenho esperança que até ano que vem eu consiga. Tenho projetos de mais livros também. Mas o tempo não dá para tudo.
Glamurama – Do que você se arrepende na vida?
Rodolfo Nanni – A vida de todo mundo tem altos e baixos. Alegrias e tristezas. Eu já tive muitas amarguras, mas não falo. Assim como não falo no meu livro. Não falo mal de ninguém. Porque não tem sentido, não vale a pena, sabe? Procurei colocar as boas memórias. É um livro de paz.
Glamurama – Como é fazer 90 anos?
Rodolfo Nanni – Estou numa idade que a gente não deve mais comemorar, deve lamentar (risos). Eu tenho 90, mas não paro de trabalhar, não sossego. Tem amigos que falam que estão aposentados, acho péssimo. Não podemos parar. Pretendo fazer muita coisa ainda. Não sei o que vai ser [do futuro], mas realmente nem penso, não me preocupo com idade. Vejo que tem gente com metade da minha idade e já parece velho. É muito triste.
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