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Vanderlei Luxemburgo no Restaurante Parigi || Créditos: Paulo Freitas
Vanderlei Luxemburgo no Restaurante Parigi || Créditos: Paulo Freitas
Vanderlei Luxemburgo no Restaurante Parigi || Créditos: Paulo Freitas

O mais polêmico técnico de futebol do Brasil volta ao país depois de uma conturbada passagem pela China – que lhe rendeu uma multa rescisória de quase R$ 30 milhões – e refuta a pecha de ultrapassado: foi o futebol que piorou

por Fábio Dutra para a Revista PODER de novembro

Um losango assombrou o Brasil em 2003. Wendell e Augusto Recife combatiam nas extremidades esquerda e direita do meio-campo. Maldonado, chileno, um dos melhores que já atuaram por aqui, ficava mais atrás e não perdia uma segunda bola: era o rei do desarme – momentos em que aproveitava para fazer a ligação precisa para Alex, o cabeça do polígono, que dava petelecos na bola em seu melhor momento na carreira. Com Alex era assistência, chute certeiro ou dribles rumo ao gol. Resultado? O Cruzeiro de 2003 e seu famoso losango foi o único time a ser campeão de tudo o que disputou em um mesmo ano no Brasil. Trata-se da almejada tríplice coroa (estadual, Copa do Brasil e Brasileirão), termo emprestado das corridas de cavalo. O resto do time foi trocado algumas vezes, e jogadores como o atacante Mota foram alçados à fama. Por mais que o meia Alex tenha se consagrado, ninguém pensa duas vezes na hora de apontar o responsável pela mágica: Vanderlei Luxemburgo.

Luxemburgo, um não muito lembrado lateral-esquerdo do Flamengo, já tinha grandes feitos na carreira. Foi campeão paulista com o Bragantino (1989), brasileiro duas vezes com o Palmeiras (1993-1994), montou um dos maiores times da história, o Palmeiras dos 100 gols no Campeonato Paulista (1996), foi campeão brasileiro com o Corinthians de Edílson e de Marcelinho (1998), além de  técnico da seleção brasileira (1999-2000) com resultados muito bons. Viu-se, no entanto, no centro de uma disputa política entre o Congresso Nacional e a CBF em 2000. O Parlamento brasileiro instaurou a CPI da CBF/Nike para averiguar os negócios do futebol e suas eventuais ligações com o crime organizado. O nome dele (Wanderley, conforme a grafia de então) foi jogado na lama em manchetes que o acusavam de intermediar a venda de jogadores se valendo de sua condição de treinador. Nada foi provado, mas descobriram pendências com a Receita Federal e uma falsidade ideológica – seu pai havia alterado seu nome e idade quando ele ainda era adolescente para ajudá-lo nas categorias de base. Wanderley era gato, na linguagem do futebol, e teve de voltar a usar o nome com “v” e “i”, o verdadeiro. Além disso, perdeu o emprego na seleção e entrou para o rol das “genis” da nação. Quatro anos depois, porém, já havia sido campeão brasileiro mais duas vezes pelo supracitado Cruzeiro e pelo Santos de Robinho e Preto Casagrande (2004), nas primeiras edições do campeonato por pontos corridos que impera até hoje. Ele fazia chover.

Zagueiro Zagueiro

São Paulo, 20de outubro de 2016. Almoço de 'Poder' com o técnico Vanderley Luxembrugo. Restaurante Parigi. Foto: Paulo Freitas
Almoço de PODER com o técnico Vanderlei Luxembrugo no restaurante Parigi  ||  Créditos: Paulo Freitas

Tal qual o lateral clássico que foi, dos que marcam muito e apoiam pouco, Vanderlei está sempre na defensiva. Seja porque já apanhou muito de jornalistas, seja porque tem mesmo a personalidade forte pela qual é famoso, o fato é que ele está sempre pronto a contra-atacar. Alguns assuntos o irritam mais – como as desavenças com Marcelinho Carioca e Edmundo ou a confusão em um cassino dos Estados Unidos, que o acusou de não ter pago a conta – e outros menos, como a saída do Real Madrid (time que treinou em 2005) e a própria CPI. Nesses momentos, parece mais analítico, reflexivo. Mas nunca completamente relaxado.

Quando chega ao Parigi, em São Paulo, para este almoço, recusa a cadeira que lhe foi designada pelo fotógrafo. “De costas para a porta não vai dar, tenho trauma.” E conta que ainda na adolescência viu um amigo ser assassinado na sua frente. “O cara chegou por trás e deu dois tiros. Se ele estivesse vendo a porta, dava para fugir.” Vai de água sem gás e pãozinho com manteiga – cortado com garfo e faca –, deixa o paletó na cadeira e o Ray-Ban roxo na mesa antes de enfrentar a sabatina com elegância. Só perde a linha quando falamos da briga com Marcelinho que, segundo o jogador, foi por causa de mulher. “Vai vir de mineirinho para o meu lado? Vem mansinho, rodeando e ataca? Não tem nada de mulher! Marcelinho fala um monte de coisa, mas foi briga de futebol, normal. Depois falei umas coisas para ele ao vivo na TV e ele não gostou, me processou.” O programa em questão era o Por Dentro da Bola, de José Luiz Datena. Lá, a 2 metros do pé de anjo, soltou: “Eu te conheço como cidadão há muito tempo! Já tirei mulher do seu quarto! Você é moleque, você é safado! Você não vale nada!”. No que é contestado por Marcelinho: “E você vale?”. A controvérsia era por conta de uma entrevista em que ele havia dito que o treinador agia como empresário, o que ele sempre negou – faz questão de dizer que mesmo tendo sua vida esmiuçada até pelo Congresso nada foi provado.

Futebol Moleque

Créditos: Paulo Freitas
Profexô  ||  Créditos: Paulo Freitas

O treinador é cultuado entre amantes do futebol, principalmente os saudosistas. As redes sociais fizeram pipocar uma série de páginas e de grupos de torcedores – como a Cenas Lamentáveis e o Carsughi Mania, no Facebook – que acreditam que o futebol brasileiro acabou e relembram o passado glorioso com nostalgia. Para essa turma, ele é o “Pofexô” (professor dito com a dicção particular do próprio Luxa). Eles o endeusam. Defendem o técnico que montava times absurdamente fortes, brigava com juízes e adversários, peitava jornalistas, participava do pagode com jogadores – coisas que ainda faz. Ou seja, uma relíquia para os que creem que a influência da televisão e da publicidade acabou com o folclore e a paixão futebolística. “Sete a 1 foi pouco!”, “Abaixo o escanteio curto!” e “Volta mata-mata!” é o que gritam seus fãs. E a cartilha do Pofexô ratifica: ele pega o celular para mostrar um vídeo com enfiadas de bola de Zico. “Olha os espaços que ele achava! Isso não existe mais”, lamenta.

E por  quê? Ele crê em uma conjunção de fatores, a começar pela ausência dos campos de várzea. “Na minha época, a avenida Brasil era só campo de um lado ou de outro. Agora só tem prédio.” Além disso, a pobreza não é mais tão pobre do ponto de vista do acesso a bens de consumo supérfluos. Onde antes só tinha bola, hoje tem celular e videogame – “e futebol é coisa de pobre, rico não joga bola, pô! (risos)”. Sem falar no que, segundo ele, são as maiores tragédias: a molecada sai do Brasil com 10 anos de idade e há poucos ex-jogadores participando da formação. “Jogador que ensina jogador, tem o segredo, a mágica. Hoje ficam preocupados com aquela coisa acadêmica de tática e não põem a molecada pra treinar em campinho reduzido, terreno ruim, para o cara pegar o macete”, argumenta.

Galácticos

A passagem pelo Real Madrid foi talvez o mais incógnito dos episódios da carreira de Luxemburgo. Já consagrado, chegou com alarde ao clube merengue, um dos times mais ricos do mundo, à época com as maiores estrelas do futebol mundial: Figo (que ele dispensou), Beckham, Ronaldo, Zidane, Roberto Carlos e Robinho. Mas o  primeiro brasileiro a comandar um grande time europeu foi demitido de supetão, sem que tivesse resultados ruins, ao contrário. Chegou-se a especular que os jogadores o haviam sabotado, falou-se em xenofobia – ele mesmo cita a resistência da torcida espanhola em relação a qualquer estrangeiro. O motivo nunca ficou claro, mas hoje ele não se faz mais de rogado e explica o acontecido: o time ganhava de 1 a 0 do modesto Getafe e ele substituiu Ronaldo nos minutos finais para ganhar tempo – e o jogo. Florentino Pérez, o todo-poderoso presidente do Real Madrid, não gostou e o interpelou em público, questionando por que ele havia cometido tal desatino. “Para ganhar o jogo”, explicou. Pérez não se deu por satisfeito e, bravo, disse em tom superior: “Isso aqui é o Real Madrid! Temos que ganhar e dar espetáculo!”. Luxa, esquentado, saiu de si, talvez incomodado com a presença de outras pessoas, e disse rispidamente que se o dirigente não estava feliz, voltaria tranquilamente ao Brasil. “Foi intempestividade de ambos e ele teve de me demitir”, reflete, mas ressalva que seu trabalho jamais foi questionado. Zidane, a quem chama de “Zizou” – o que é engraçado para quem chamava Djalminha de Djalma e Ricardinho de Ricardo –, agradeceu por tê-lo colocado em sua posição original, a mesma em que atuava pela seleção francesa.

Da temporada merengue, fica a pergunta: o futebol europeu está mesmo anos-luz a nossa frente? Luxemburgo nega. “Eles são ricos, ponto final.” Para ele, os brasileiros estão no mesmo patamar e temos comissões técnicas com profissionais de primeira linha.

Abaixo o futebol moderno

São Paulo, 20de outubro de 2016. Almoço de 'Poder' com o técnico Vanderley Luxembrugo. Restaurante Parigi. Foto: Paulo Freitas
Vanderlei Luxemburgo: vai ou não vai para o São Paulo?  ||  Créditos: Paulo Freitas

Luxa entra leve na dividida: filé de linguado com molho de laranja e mel e arroz de amêndoas. Insiste que passará o resto do ano sem trabalhar mesmo que seu nome seja sempre aventado por aí. Reclama das condições de trabalho e da cobertura da mídia. “Quantos clubes se prepararam para ser campeões brasileiros? Este ano, apenas três ou quatro.” O espantoso, segundo Luxa, é que a expectativa é grande mesmo assim. Torcida e imprensa ficam em cima, e times que só têm condições de almejar o meio da tabela ficam trocando de treinador: “Quando você pega a equipe no meio da temporada, corre o risco de se enrolar. Demora para formar um time. Eu mesmo tive algumas passagens assim nos últimos tempos e prefiro só aceitar se for para desenvolver o projeto desde o início”, explica.

De fato, seu último título importante foi o Campeonato Carioca de 2011, com o Flamengo de Ronaldinho Gaúcho e Thiago Neves, um esquadrão que todos apostavam que ganharia tudo e chegou a ficar oito meses invicto – mas não levou nem o Brasileirão nem a Libertadores. “Ali era tudo muito complicado”, diz, talvez referindo-se à conturbada política da então presidente Patrícia Amorim. “O time não era equilibrado, os jogadores não estavam no mesmo nível.” Os galácticos rubro-negros acabaram em 2012, com a saída digna de novela de Ronaldinho – o irmão e agente do jogador, Roberto de Assis, convocou jornalistas para cobrir sua invasão à loja do clube para retirar produtos e assim “quitar” parte da dívida milionária que reivindicavam.

A explicação é boa, o time é de fato memorável, mas esse foi apenas um dos recentes maus resultados – o último Brasileirão foi conquistado em 2004, pelo Santos. Até hoje ele é o recordista do torneio, com cinco títulos como treinador. Palmeiras, Cruzeiro e Atlético Mineiro também o contrataram nesse hiato, todos com resultados inexpressivos para o tamanho da “marca” Luxemburgo. Ele volta a criticar a base e a fuga de craques para o exterior. Acredita que o último grande time nacional foi o Cruzeiro de 2003, e lembra ainda do Corinthians de 1998, do Vasco de 2000 e daquele Palmeiras de 1996 – “só uma zaga armada parava aquele ataque: Rivaldo, Djalminha, Müller e Luizão!”, ri, tomando o primeiro de dois expressos descafeinados.

A acusação de que estaria ultrapassado, repetida por alguns jornalistas, irrita de verdade o vaidoso Luxa, que perdeu a linha publicamente algumas vezes. A recente experiência na China não ajudou a limpar sua imagem. Foi contratado a peso de ouro pelo Tianjin Quanjian, da segunda divisão, para subir para a elite do Chinesão. Chamou Luís Fabiano, Jadson e Geuvânio, fez a tradicional pré-temporada em Atibaia, mas acabou demitido em apenas seis meses, o que lhe deu direito a uma multa rescisória de cerca de R$ 27 milhões. Pior: o ex-zagueiro italiano Fabio Cannavaro, capitão da seleção tetracampeã de 2006, assumiu o time e se sagrou campeão. Luxa credita o insucesso a um conflito que lhe fugia ao controle: os empresários que detêm a maior parte do elenco chinês o boicotaram por causa de uma disputa de poder com o outro grupo, brasileiro, que age contratando profissionais (ele incluso) aqui no país. Mais uma vez, uma briga de cachorro grande em que ele acabou como boi de piranha, como no caso da CPI.

Resta a Vanderlei Luxemburgo tentar se reerguer em 2017, quando provavelmente assumirá algum dos grandes brasileiros. São Paulo é a principal aposta dos palpiteiros. E o próprio Luxa não esconde seu respeito pelo único time grande paulista que nunca treinou. É esperar para ver.

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