Recalcada, invejosa. “Ela vai tentar surrupiar sua felicidade”, avisa Letícia Sabatella sobre Delfina, sua personagem em “Tempo de Amar”, próxima novela das seis da Globo. O papel oficial dela é de governanta, mas na verdade vive maritalmente – “um amaziamento de forma escondida e bem humilhante” – com José Augusto [Tony Ramos], um rico proprietário de terras dos anos 1920 em Portugal. “Serve ao patrão sexualmente desde que ele era moço”. Glamurama foi bater um papo com a atriz e ficou até com vontade de mandar um patuá para a mocinha da história. À entrevista! (por Michelle Licory)
“É como se fosse alguém dentro de um espaço muito menor do que caberia”
“Recalcada? Não sei simplificar como apenas recalcada, mas sim, ela é. Experimentou muito pouco o amor e a aceitação. Foi rejeitada desde o início, pela mãe, depois foi criada meio à margem, adotada, dentro da casa dessa família, e serve ao patrão sexualmente desde que ele era moço, e isso é uma coisa que nunca foi colocada em um lugar assumido para a sociedade. É como se fosse alguém dentro de um espaço muito menor do que caberia, e com uma grande mágoa disso, um rancor. Alguém que teve as asas bem cortadas…”
“É como analisar uma Medeia”
“Delfina tem uma filha com José Augusto que não é reconhecida por ninguém, nem por ele. Ele só usa ela, não tem amor, nada, não consegue enxerga-la como alguém da mesma classe. Uma situação muito moralista de costumes da época. Hoje em dia é mais fácil compreender a que transtorno psíquico isso pode levar. É como analisar uma Medeia, uma personagem que vai virando uma panela de pressão depois de tantas opressões. A que ponto ela pode chegar? Sem reconhecimento de quem é, de sua cidadania… Se torna bem invejosa, bem vilã. Mas tem suas justificativas, sua carga trágica. Não é fácil interpretar, mas é rico. Dá pano pra manga. Ela é inteligente, complexa, tem uma agilidade mental pra articular. Vive arrumando enredos. Dá muito trabalho, não tem a simplicidade, o deixar-se levar”.
“Tem desejos mais amplos do que pode realizar, são sonhos miseráveis”
“Ela é fascinante e traduz uma condição de vilania, mas também de muita opressão da mulher. Tem desejos mais amplos do que pode realizar, são sonhos miseráveis. A novela mostra como situações políticas afetam o ambiente doméstico. Na verdade, Delfina não está lutando pelo amor, não sabe o que é o amor. Está lutando para que a filha dela tenha um lugar ao sol, melhor que o dela. Quer tirar desse relacionamento o que melhor puder servir a filha dela. Pra isso, é capaz de mentir, manipular. Mas mesmo sombria ela é tão rústica que às vezes é ingênua: ela começa uma mentira e a gente já vê que está sem saída de cara”.
“Coisas menos transcendentes”
“Ela está buscando aquilo que vê como uma luz, como botar a cabeça pra fora, não pra ela, mas pra filha. Delfina vive sem direitos em uma comunidade arcaica dentro dos anos 20. Não ascende a lugar nenhum e acha que fez por merecer. De fato, cuidou da Maria Vitória [filha “legítima” de José Augusto, a mocinha da história, papel de Vitoria Strada] quando a mãe da menina morreu, foi madrasta. Mas Delfina inconscientemente vai acumulando opressões e acaba sendo alguém que também oprime e que vai tentar surrupiar sua felicidade, a felicidade do outro. Pensa: ‘Eu quero mais, mereço mais’. Sou mais lírica, e por isso gosto quando posso interpretar coisas menos transcendentes”.
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