Por Michelle Licory
Glamurama recebeu um convite irrecusável: percorrer as salas de ensaio, os diversos camarins e a coxia do Theatro Municipal do Rio de Janeiro para acompanhar os bastidores de “La Belle de Jour”, novo espetáculo de Deborah Colker, que estreia logo mais, nesta sexta-feira. Conhecemos bailarinas que estão se preparando para esse projeto há 2 anos e meio, com uma rotina de 8 horas por dia de ensaio, cinco vezes por semana, “não importa se tem feriado”. Todas empolgadas com o figurino de Samuel Cirnansck e a repaginada no visual que ganharam de Celso Kamura, apesar do trabalho árduo. O cronograma diário começa com aulas de balé clássico, para preparar e aquecer o corpo. Depois, exercícios de alongamento e força. E os dançarinos têm uma hora de intervalo para comer e fazer a própria maquiagem [que também foi concebida por Kamura], antes de seguir para o palco principal e repassar suas coreografias.
Abaixo, nossa entrevista com Deborah, que declarou: “Na primeira vez que fui na Cicciolina [clube de strip tease em Copacabana], todas as prostitutas me atacaram.”
O espetáculo
“A história do filme de Buñuel fala de uma mulher burguesa que tinha a vida dela, o amor do marido, um médico, mas não conseguia se adequar, se sentir completa. Existia uma insatisfação, o que não quer dizer que ela não gostava do mundo dela. Mas Séverine [nome da personagem] nunca tinha sentido um orgasmo. E passa a se prostituir, não por dinheiro, mas para viver coisas diferentes com homens diferentes. Começa a transitar de uma realidade para a outra. De manhã e à noite ela é dona de casa, à tarde vai para o bordel.”
Tudo em dobro
* “O que importa na minha montagem é que Séverine atende ao chamado do instinto, do corpo, passa a ter delírios – como se qualquer um na rua quisesse possui-la – e tem coragem de vivenciar essa experiência. Quase dá certo essa conciliação entre os dois mundos, mas uma hora a conta chega. De qualquer forma, aproveito esse embate entre amor e carne, instinto e razão. E essa dualidade fez com que eu colocasse o tempo todo em cena um duplo [uma segunda bailarina seguindo Séverine, sempre presente, como uma sombra], como se fosse aquele diabinho na nossa cabeça, tentando nos levar para o mau caminho. Séverine em casa usa sapatilha de ponta, no bordel, botas. O duplo está sempre de botas, salto.”
Laboratório: todas nuas!
* “Um dia no ensaio fiz todo mundo tirar a roupa. E algumas meninas foram a casas desse tipo. É uma realidade muito distante para elas. No entanto, na primeira vez que fui na Cicciolina, todas as prostitutas me atacaram. Vieram dizer que eram minhas fãs e que o sonho delas é entrar para a minha companhia. Algumas chegaram a fazer aula de dança no Méier [subúrbio carioca]. Mas não deu certo. E elas precisavam de grana…”
A dúbia Bela da Tarde
* “Mostro no palco essa transformação orgânica e psicológica de Séverine. Olhando para essas cortinas vermelhas do Municipal… Bem, aqui daria um ótimo bordel…Quantas noites me peguei acordada, na cama com meu marido, e Séverine em pé do meu lado. Tenho muito interesse em tudo que move amor, desejo, sentimento, segredo, escolha, intimidade e satisfação. Não foi à toa que Buñuel escolheu Catherine Deneuve para o papel. Séverine é bonita, enigmática, fria, elegante, sofisticada, contida e ao mesmo tempo uma bomba relógio. É uma dona de casa incrível e até como prostituta ela é contida. Ela não tem amante, não é isso. Não se envolve com ninguém em especial. Tem os limites dela, hora para voltar para o marido e a vida de burguesa. Mas o duplo vai conduzindo ela, de forma quase fascista. Séverine apenas obedece esse chamado. O que eu acho da postura dela? Não acho nada. Só apresento essa condição humana. Não sei se é certo ou errado, bom ou ruim. É do ser humano. Tem pessoas que precisam disso, outras que não.”
Julgamentos à parte
* “Alguns amigos machistas chamam Séverine de vagabunda. Que visão equivocada… É como condenar quem usa droga. Tem gente que tem uma necessidade de experimentar algo fora do mundo real. Tem quem vai pra Disney, pra Dubai, e quem se droga. Séverine se sentia petrificada e sem saída. E paga o preço de sua escolha. Como alguém que gosta de beber, adora quando está bebendo, mas depois sofre com a ressaca. E não é bom ter um segredo? Ter que dividir tudo com marido, filho… que saco!”
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