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Encantado com a beleza vibrante da socialite carioca Kiki Garavaglia, o colunista Ibrahim Sued criou para ela o termo “locomotiva” – que passou a fazer parte do jargão da alta roda nos anos 1970. Ícone daquela época, Kiki frequentava os melhores jantares da cidade, gostava de dançar, beber, fumar e outras coisinhas mais. Aqui, ela diz que nunca teve nenhuma ambição além de se divertir

 

Por Paulo Sampaio para revista Joyce Pascowitch de novembro

 

Enquanto mostra a foto de uma senhora de cerca de 80 anos, na praia, só de biquíni, a socialite carioca Kiki Garavaglia comenta sem nenhuma maldade: “Olha a Didile! Virou uma velhinha francesa! Pode? Mora com um roqueiro em New Hampshire!”. Didile vem a ser Odile Rodin, uma das mulheres mais deslumbrantes do jet set internacional nos anos 1960, 1970 e 1980. Loira, olhos verdes, sempre dourada, Odile nasceu em Lyon, cresceu em Paris e ferveu no grand monde europeu quando se casou com o pegador internacional Porfirio Rubirosa. Depois da morte dele, ela veio para o Brasil e passou a viver com o empresário Paulo Marinho, que, mais tarde, tornou-se o senhor Maitê Proença.

Assim como a amiga Didile, Kiki se divertiu a valer na alta roda carioca. Presença impreterível nos melhores jantares da cidade, ia a festas de domingo a segunda, abria a pista de dança nos clubes privês, bebia, fumava, cheirava, enfim, envergou com toda propriedade o epíteto de locomotiva – como a batizou o colunista social Ibrahim Sued, do jornal “O Globo”. O termo designava as mulheres arrasa quarteirão que circulavam no chamado circuito Elizabeth Arden (Rio-Paris-Nova York) e nas areias de Búzios, Mykonos, Saint-Tropez, Sardenha… Várias “locomotivas” vieram depois de Kiki Garavaglia, mas ninguém chegou perto da original. “Uma vez, chamaram as dez mais elegantes do Rio para posar para a (revista) “Manchete”. Nove foram de black tie, Saint Laurent, Balenciaga, Dior e eu apareci de saia de camurça, bota de cano alto, blusa de bolas e o Bonifácio no ombro.” Bonifácio era um macaco de verdade que ela levava para cima e para baixo. “Foi ali que eu estourei, e o Ibrahim me elegeu”, lembra.

Sócia número 001 do Hippopotamus, o clube noturno mais bombado do Rio nos anos 1970 e 1980, Kiki tornou-se íntima de todo o beautiful people carioca – mix de colunáveis, artistas, panteras, intelectuais e bons vivants. “Eu era a típica socialite. Mas ia também aos lugares onde me chamavam de dondoca, como o (bar) Antonio’s (frequentado por jornalistas de “O Pasquim”, poetas e bossa-novistas). E me enturmava rapidinho. Em cinco minutos, tava todo mundo me amando”, gargalha. Como toda boa socialite, Kiki costuma se referir aos amigos por apelidos. Chama Zózimo Barrozo do Amaral (1941-1997), o colunista mais prestigiado daquela época, de “Barrozinho”. Fala com a mesma intimidade de figuras como o ator americano Warren Beatty,  disputado pelas mulheres mais lindas do mundo: “Tivemos um caso, mas eu não dava para ele de jeito nenhum”; a veterana atriz britânica Charlotte Rampling: “Ela não era só boa atriz, mas bem-nascida e chiquérrima”. A própria Didile, segundo Kiki, “namorava homens e mulheres” e teve um caso com Catherine Deneuve.

Ricardo Amaral, dono do Hippopotamus, é o “Amaral”. Ela recorda: “A gente ia ao Hippo por causa do bar. Ficava todo mundo ali, bebendo. Mas aí o Amaral resolveu fazer um troço enorme e aquilo perdeu a graça”. Nesse aspecto, Kiki elogia a esperteza da nightclubber belga Régine Choukroun, dona do parisiense Régine’s, que se tornou internacionalmente conhecido com a abertura de “filiais”, inclusive no Rio e em São Paulo. “A Régine reservava um canto só para acomodar os cafonas. A gente chamava de Sibéria”, diz, rindo muito. “E foi ela quem inventou essa história de colocar pipoca na mesa. Sabe porquê? Dá sede, vontade de beber.” Na época, uma figura como Kiki, que sempre saía nas colunas sociais, tinha status de artista da novela das 8: “Quando nós chegávamos nos lugares, as pessoas falavam alto: ‘Vem Kiki, passa por aqui’.”

 

TURMINHA DO COUNTRY

Kiki Garavaglia recebe J.P na sala do casarão onde mora desde que se casou, há 47 anos, com o engenheiro químico Renato Garavaglia, que trabalhava nas indústrias de tecido da família. O casarão fica na Fonte da Saudade, trecho estiloso entre a Lagoa Rodrigo de Freitas e o Humaitá, na zona sul do Rio. “Eu era adolescente, morava em Londres, e passava férias em Petrópolis. Numa dessas ocasiões, o Renato apareceu num Carnaval de clube. Todo mundo pulando em cima da mesa, aquilo despencou e ele caiu em cima de mim. Foi o nosso primeiro contato.” Tempos depois, um amigo da “turminha do Country (Club)” insistiu para que os dois se reencontrassem. Kiki recorda do dia em que estava com um grupo na praia de Ipanema, “todo mundo bronzeadérrimo”, e “veio vindo um cara esquálido, branco azedo”. “Sabe quando o peito do pé é rosinha? Eu disse: ‘Putz, me ferrei!’” Mas os dois acabaram se apaixonando.

Hoje, às vésperas de fazer bodas de ouro, Kiki tem no marido “um grande companheiro”. “Ele também é festeiro, mas às vezes preciso orientá-lo para se vestir. Quando a gente vai a uma festa gay explico que não dá para ele usar calça clássica, cinto e sapato de pelica, entende?” Se Kiki fazia o tipo linda-cintilante e angariava chavecos onde quer que aparecesse, Renato também tinha seu eleitorado. “Quando percebia que ele estava de graça com alguma mulher,  sabe o que eu fazia? Ficava amiga dela.” O casal teve duas filhas “completamente diferentes”. “A Roberta, 44 anos, sempre trabalhou com moda. Ela é tão viada que põe gloss para ir à academia. A Renata, 40 anos, foi assessora do Flamengo muitos anos, é mais séria.” Apesar de acreditar que seja “adorada pelas duas”, Kiki reconhece que “de vez em quando” as deixa “cansadas”. “Eu sou companheira, mas volta e meia elas dizem: ‘Menos, mãe’”.

 

“AMO AEROPORTO”

Filha de diplomata, Kiki Garavaglia cresceu viajando, fala várias línguas e tem um repertório incrível de histórias para contar. Seu pai, o embaixador Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva, abriu a primeira representação do Brasil em Israel, em 1952. Em Roma, quando a Cinecittà bombava, a jovem Maria Christina do Nascimento e Silva era colega de turma dos filhos da atriz Pier Angeli (1932-1971) e do tenor Mario Lanza (1921-1959). Em Londres, estudou em um colégio interno onde as alunas eram obrigadas a fazer silêncio absoluto na maior parte do tempo. Para uma garota falante como ela, era espeto. Nos anos 1980, Nascimento e Silva foi sequestrado na embaixada de Bogotá por simpatizantes do movimento de guerrilha urbana M-19, integrado por jovens da classe média desencantados com a esquerda tradicional. “Papai ficou 64 dias no cativeiro, um drama”, lembra. Depois de atribuir a facilidade que tem com línguas a um “ouvido ótimo”, ela diz que é boa, inclusive, para imitar sotaques. “Sou capaz de falar como um americano do Texas”, garante Kiki, que é colunista de viagens de J.P: “Gosto tanto de viajar que AMO aeroporto. Sabe aquele letreiro com cidades do mundo todo? Londres, Tóquio, Kuala Lumpur…Aquilo me transporta”.

 

GALLERIES LAFAYETTE

O arquivo social de Kiki é coalhado de casos saborosíssimos, que ela conta da maneira mais leve imaginável. Não abaixa o tom da voz, não revira os olhos, não há nenhum registro de fofoca maldosa. É assim, por exemplo, quando lembra o dia em que conheceu “a pantera de Minas” Ângela Diniz, assassinada em Búzios pelo playboy paulista Doca Street. “Estávamos num voo para Paris, eu, a Maria Alice (Celidonio), a Ionita (Salles Pinto) e a Ângela. Ficamos todas no mesmo hotel, menos a Ionita, que tinha aquela suíte que o Jorginho (Guinle) reservava para ela no Plaza Athénée. No dia seguinte, fui com a Ângela na Galeries Lafayette. Entramos às 11 da manhã, saímos às 6, com um elefante (de porcelana) desse tamanho (enorme).” A partir de então, as duas tornaram-se muito próximas.

O noticiário policial da época associou o assassinato de Ângela à cocaína. Mais uma vez, Kiki faz suas considerações, sem nenhum juízo de valor. “A Ângela não gostava de pó. Ela era maconheira.” Já Kiki, ela mesma, era mais chegada: “A cocaína não tinha essa conotação baixo astral. Era como tomar uma taça de champanhe, só para dar um up e ir para a festa. Na Inglaterra, eles chamam de ‘tot’. Eu não ficava até as 5 da manhã cheirando”. Será que as filhas de Kiki não se importam de ela declarar que gostava de cocaína? “Ih, elas estão carecas de saber.” Mas não foi sempre assim. “Uma vez, numa festa em casa, uma disse: ‘Mãe, eu vi o tio Neville (D’Almeida, cineasta) e o tio Eric (Waechter, colunável bonitão) entrando no banheiro juntos’. E eu: ‘Filha, é que sumiu a chave, então um fica segurando a porta, enquanto o outro faz xixi’.”

 

FAMA DE LOUCA

Quem conhecia Kiki só das colunas sociais, podia imaginar que ela levava uma vida desregrada. “Eu tenho essa fama de louca, mas sou muito família. Quando as meninas estavam na escola e tinha um passeio para um lugar como Paquetá [ilha carioca de frequência popular], eu não só ia como levava toalhinha xadrez, cesta.” Mesmo depois de contar que, na volta das festas, costumava dormir sentada (“para não ver o mundo girando”), ela afirma que vive o dia tão plenamente quanto a noite. “Pouca gente sabe que eu visito asilos três vezes por semana.” Declarando-se “hiperativa”, Kiki afirma que gosta de conversar com qualquer pessoa. Em sua vasta experiência com tipos humanos, ela acredita que as coisas andam meio “invertidas” e que “os ricos estão pobres”. “Coisa cafona essas mulheres que compram várias bolsas Hermès, uma de cada cor. Você vai para Miami e vê aquela gente pagando cofrinho de bermuda Prada. Helloo-ow! O mundo tá morrendo de fome!” Rico ou pobre,  para ela o importante é ter educação. “Não se trata de esnobismo. Tomar um porre, por exemplo, com gente educada, é outra coisa. Você sabe que aquela pessoa não vai te criar problema.” Não é?

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