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Sérgio Giacomo e Anselmo Tataki, membros do Inner Circle || Créditos: André Giorgi
Sérgio Giacomo e Anselmo Tataki, membros do Inner Circle || Créditos: André Giorgi

Gays do mercado financeiro criam grupo fechado e promovem eventos mensais em um bar de São Paulo. Os integrantes afirmam que é só para trocar ideias sobre aplicações, rendimentos, taxas de juros, ações…

Por Paulo Sampaio para a revista PODER

“Dificilmente você vai ver dois caras se beijando aqui. Não é esse o foco da festa”, garante Henrique Castro, 27, que trabalha na área de investimento do banco espanhol Santander e é um dos entusiastas do Inner Circle, grupo formado por executivos gays do mercado financeiro. Castro diz que a ideia é reunir integrantes da área para tomar drinques, incrementar o networking e trocar ideias sobre ações, taxa de juros, aplicações, rendimentos, fusões e aquisições. O leitor iniciado há de convir: uma happy hour gay em que ninguém se beija é algo a ser investigado. No dia 28 de outubro, PODER esteve na comemoração dos três anos do grupo, que tem 400 membros e se reúne sempre na última quarta-feira do mês. Até seis meses atrás, os encontros eram no bar Skye, que funciona na cobertura do hotel Unique, cinco-estrelas localizado na zona sul de São Paulo. Agora, passaram a ser no Chez Oscar, bar no coração dos Jardins, bairro nobre da zona oeste. O fundador do Inner Circle é vice-presidente de um grupo financeiro multinacional com sede em Nova York. Não foi à festa porque estava viajando. A reportagem o localizou pelo Facebook, mas ele não pôde dar entrevista dentro do prazo do fechamento. Na sua ausência, Henrique Castro assumiu o papel de porta-voz.

De acordo com o dicionário Michaelis, inner significa íntimo, secreto. Para fazer parte do grupo é preciso ser indicado por algum dos membros e, ainda, aceito pelos precursores. Entre os critérios, segundo Castro, está “ser uma pessoa normal, que por acaso gosta de homem”. “A gente sempre soube que havia demanda por um grupo que não se identificava com o estereótipo do homossexual. No Inner, ninguém precisa adotar a postura do gay que vai à balada. Aqui, não existe padrão de atitude”, diz. Parece paradoxal, já que Castro solta expressões que indicam que os integrantes do grupo pertencem a um determinado extrato socioeconômico (“somos todos bem remunerados”; “ninguém aqui fala menos de três línguas”; “a maioria tem pós-graduação e formação no exterior”), o que sugere que os aspirantes a ingressar no círculo têm de apresentar credenciais à altura daquele segmento.

Castro, que veste um terno Hugo Boss e usa óculos Armani, reitera que “não se trata de ter dinheiro”: “Somos executivos”. Certo. E até que ponto é preciso encarnar o perfil do “gay republicano” ou “conservador” para ser aceito? O porta-voz garante que a inclinação política dos participantes não é relevante. Ele olha ao redor: “Deve haver um petista por aí, mas ninguém vai dizer pra ele, em uma discussão, que ‘a Dilma é uma vaca e o Lula, um sem dedo’. Isso não existe aqui”. Segundo Castro, não importa se o membro está mais para a direita ou para a esquerda: “Todos são tecnocratas que prestam serviços de alta qualificação. O que se pode dizer é que as análises do mercado mostram indicadores ruins. A coisa está sendo mal conduzida, isso é irrefutável. Então, a possibilidade de ter mais gente contra o governo existe”. No Facebook, a foto do perfil do fundador do Inner Circle é uma panorâmica de uma manifestação “Fora Dilma” na avenida Paulista.

MILITÂNCIA, NÃO

Para o especialista em relações governamentais Anselmo Takaki, 33, que frequenta o grupo há um ano, “não se trata de um encontro de militância, mas de conectividade”. “A gente não vai criar um CNPJ para brigar pela causa gay no Congresso”, diz ele, que está fundando outro grupo, o Games (government affairs, media, entrepreneurs & supporters), para reunir homossexuais que trabalham nas áreas de relações-públicas e de comunicação corporativa. Ele conta que tanto o Inner quanto o Games foram inspirados em modelos norte-americanos. O encontro inaugural do Games foi um pouco antes da reunião do Inner, no Oscar Café Bistrot, a cerca de 200 metros do Chez Oscar. Ali, os membros discutem políticas de diversidade adotadas por várias empresas. De acordo com Takaki, o movimento de inclusão foi puxado pelas multinacionais norte-americanas e europeias, mas hoje já é um assunto em pauta em todas as grandes corporações do mundo – com exceção, claro, das filiais de países em que a religião predominante proíbe a homossexualidade. “Quando recebi o convite para ir para a GE, quis saber se a empresa tinha política de benefícios para cônjuges do mesmo sexo”, conta Sérgio Giacomo, diretor de comunicação e relações institucionais da General Electric para a América Latina. Giacomo, 52 anos, é casado há 15 anos e em abril foi capa da revista Exame em uma reportagem intitulada “Chefe, eu sou gay”. Ele parece ser a pessoa mais envolvida com o tema da inclusão nas empresas. Como se tivesse ministrando pela enésima vez a mesma aula, ele explica que a sigla LGBT, que designa “lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transsexuais e transgêneros”, ganhou um “A”, de “aliados”. Copresidente mundial do grupo LGBTA da GE, Giacomo diz que seu dia se divide em “day job” e “gay job”. Termos em inglês pipocam o tempo todo. Ele mesmo usa “significant other” para defender a ideia de que é preciso “criar um ambiente favorável nas empresas, não importa o sexo do cônjuge do funcionário”: “Conheci uma americana que era bissexual e sofria dos dois lados. Quando estava namorando uma mulher, era comum ouvir dos homens: ‘Um dia você chega ao caminho certo’. E vice versa.”

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As reuniões rolam no happy hour || Créditos: André Giorgi

EX-VIRGEM

Apesar de os mentores do Inner Circle afirmarem que o grupo está aberto a lésbicas e transsexuais, contam-se pouquíssimas mulheres no encontro do dia 28 de outubro e nenhum exemplar do “T” da sigla. A reportagem não verificou tampouco a presença de heterossexuais. De acordo com Henrique Castro, os membros que cogitam levar “sua melhor amiga (hétero)” são desencorajados. “Ainda há muita gente ‘no armário’ aqui, e a presença de um heterossexual os deixaria pouco à vontade.” O Chez Oscar funciona em um edifício de contêiners de metal estilizados, sobrepostos, que fica em um dos quarteirões mais valorizados da cidade. Para a festa, o Inner reservou o terceiro andar, que é limitado à direita por uma parede de vidro, e à esquerda por um bar alongado. Ao fundo, há um terraço que funciona como fumódromo. Por volta de 100 homens passaram por ali naquela noite. Um rapaz de 30 anos, que prefere se identificar apenas como engenheiro formado pela Escola Politécnica da USP (Poli-USP) e “executivo de uma empresa grande de cartões”, conta que até os 25 anos era “virgem de mulher e de homem”. Louro, vestindo “camisa azul (bebê) Tommy (Hilfiger), calça VR, cinto e sapatos pretos (Salvatore) Ferragamo”, ele conta que estudou durante um ano na Alemanha até que, na volta, aos 26, começou a achar que “o tempo estava passando”. Ao se assumir gay, pagou um preço alto (até para os padrões do Inner Circle): “Minha mãe não fala comigo até hoje”. Ao contrário do que a maioria ali gosta de afirmar a respeito do sucesso das políticas de diversidade em grandes corporações, o engenheiro se queixa que seu “team” é muito preconceituoso: “Só meu chefe e eu somos gays. Os outros ficam arrumando namorada pra mim”.

O consultor de investimentos no mercado internacional Gustavo Dias, 42, tem uma experiência diferente. Ele conta que antes de abrir sua própria empresa, quando trabalhava no banco de investimentos norte-americano J.P. Morgan, ganhava pontos extras se mantivesse 10% de diversidade em sua equipe. Afirma que isso revertia positivamente para a empresa, na construção de uma imagem de tolerância. “A qualidade da performance não tem nada a ver com fatores pessoais”, defende. Dias continua ganhando com a política de diversidade. Calcula que 20% de seu “business” vêm dos contatos feitos no Inner Circle. Ainda assim, fica difícil entender o motivo da existência de um grupo de homossexuais que defende a política de diversidade nas corporações e, ao mesmo tempo, se segrega em uma comunidade fechada.

Finalmente, aparece alguém que fala mais de três línguas, fez doutorado em Tóquio e tem uma boa posição na empresa – mas não conversa apenas sobre ações, taxa de juros, aplicações etc .  Z. F., 35,  que é gestor de pós-graduação em uma universidade particular, relata de maneira muito divertida como é a “invisibilidade gay no Japão”: “O cara está de legging rosa, bota de salto agulha, e eles não acham que é gay; acham que é fashion. Ninguém está nem aí para a vida dos outros.” Em compensação, diz F., no Líbano eles contratam até vigias para controlar os impulsos homossexuais: “Recentemente, fui a duas festas em Beirute. Uma privada, na qual todo mundo fazia o que queria, e era uma loucura. E uma aberta, em que havia um ‘separador de beijos’. Eu fui ‘separado’ de um cara que conheci lá. O ‘separador’ empurrou um pra cada lado”. Separador de beijos – tipo da figura dispensável nas festas do Inner Circle. O sujeito ia ficar à toa a noite inteira.

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