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Duas vezes governador de Pernambuco, Eduardo Campos, presidente do PSB, pegou muita gente de surpresa ao se unir à ex-senadora Marina Silva e promete sacudir a disputa pelo Planalto – apesar das últimas pesquisas darem como certa a vitória da presidente Dilma Rousseff em 2014

Por Fabio Dutra, Machado da Costa e Márcia Rocha para a revista PODER de dezembro de 2013
Fotos Roberto Setton

Torcedor do Clube Náutico Capibaribe, que atualmente enfrenta uma maré de azar – “só não perde quando não está jogando” – o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, vai muito bem, obrigado. Ele anda animado com a parceria com a ex-senadora Marina Silva e a possibilidade de fazer uma campanha para ganhar as eleições, “não ganhar de todo jeito, mas ganhar do nosso jeito, que é ganhar com condições para fazer uma mudança acontecer, uma mudança para melhor”, diz.

Ouvinte atencioso, do tipo que olha o interlocutor diretamente nos olhos, fixando neles os seus, Campos não foge de nenhuma pergunta. E, exceto pelo movimento das pernas, que balançam sem parar embaixo da mesa, ele parece nunca perder a calma da cintura para cima, mesmo quando a conversa entra em temas delicados.Ele não perde a compostura nem mesmo quando confrontado com as afirmações do ex-governador cearense Ciro Gomes quando deixou o PSB – na época, Gomes declarou não ver sentido na candidatura de Campos. “Essas águas não movem mais moinhos”, responde com certa ironia.

A entrevista com PODER foi marcada para uma manhã de novembro, no hotel Renaissance, no bairro dos Jardins, em São Paulo. Durante mais de uma hora, o governador falou sobre a amizade com o ex-presidente Lula, a necessidade de mudar a maneira como se faz política no país, a interação PSB/Rede, entre outros assuntos – usando a primeira pessoa do plural e, em algumas vezes, dando voltas no raciocínio sem responder exatamente o que lhe foi perguntado. Campos também saiu pela tangente na hora de responder quem será o cabeça de chapa, ele ou Marina Silva. E, durante a conversa, praticamente não citou a presidente Dilma Rousseff, como se ignorasse o atual governo e uma eventual vitória do PSB nas urnas representasse a sucessão natural de Lula – ainda que autoproclamada .

PODER: O senhor é muito amigo do ex-presidente Lula. E, agora com a sua candidatura, como vai ficar essa amizade?
EDUARDO CAMPOS: Espero que a relação continue a mesma e amadureça mais e mais porque amizade é uma coisa que você constrói todos os dias. Eu tenho uma relação com o presidente Lula desde 1979, ano em que meu avô voltou do exílio. Eu era adolescente, mas passei a conviver com Lula, participei das mudanças que ele fez no Brasil, participei do governo dele, fui ministro da Ciência e Tecnologia. Ao longo desse processo, partilhamos momentos na política. Em outros, disputamos, como na recente eleição para prefeito em que tínhamos candidatos distintos em alguns lugares. Mas isso não afetou nossa relação pessoal. Acho que temos maturidade para viver esse tipo de situação. As eleições passam e o Brasil fica aí, precisando de todos nós.

PODER: Como o senhor vê sua imagem com os eleitores de fora do Nordeste?
EC: Ainda sou pouco conhecido pela grande maioria do povo brasileiro. Sou conhecido no meu estado, onde fui eleito com mais de 60% dos votos na primeira vez e reeleito com 83% dos votos na segunda eleição para governador. Agora, as pessoas começam a mostrar curiosidade para saber quem é esse governador de Pernambuco que foi reeleito, tem um governo com muitas inovações e fez uma aliança com Marina Silva.

PODER: Nessa pré-campanha, o senhor começou a aparecer em inserções do PSB para todo o país. O senhor já tem pesquisas, já sabe como está sendo a recepção do eleitorado fora de Pernambuco?
EC: Percebo que a evolução é extremamente positiva, porque nós estamos defendendo ideias. Não é só aparecer – é aparecer defendendo as ideias que são do PSB, da aliança do PSB com a Rede e da necessidade que temos de dar um salto qualitativo na perspectiva do Brasil. Um salto que permita preservar as conquistas dos últimos anos: a conquista democrática, da estabilidade econômica, do ciclo de inclusão social. Perseguimos um crescimento com qualidade, com a redução das desigualdades sociais e sustentáveis. São ideias que temos defendido e que têm sido bem aceitas. Estamos animados com os resultados das pesquisas, certos de que vamos juntar boas pessoas e trazer coisas boas para o Brasil.

PODER: O PSB e a Rede são partidos diferentes com eleitores muito diferentes. Como vocês vão fazer essa convergência?
EC: Quando você se aproxima, percebe que o PSB e a Rede não são tão diferentes assim. Tanto que, ao perceber que não teria um partido em condições de disputar as eleições – porque a Rede existe, só não conseguiu o reconhecimento para entrar na disputa eleitoral –, Marina procurou no conjunto dos partidos brasileiros, que são muitos (mais até do que parece razoável) e escolheu o PSB. Se ela fez essa escolha, foi porque o PSB tem uma história bonita – como a da Rede. Um partido que apareceu para superar a polaridade da política brasileira. Uma bipolaridade nascida da guerra entre dois campos. A esquerda democrática defendia os mesmos valores que, hoje, são defendidos pela Rede: os valores dos direitos humanos, da liberdade de expressão, do respeito à natureza, do desenvolvimento para todos, da gestão pública, da ética na política. Valores que também estão na base do PSB.

PODER: Mas há divergências em temas importantes, até mesmo na organização partidária. Como conciliar isso?
EC: Que bom que PSB e Rede têm diferenças. Quem tenta expressar e representar a sociedade brasileira deve estar aberto para expressões diferentes. Porque o Brasil é plural. O que nos une é, sobretudo, a responsabilidade com o país no futuro. Estamos fazendo um diálogo sobre os rumos de um programa de governo que queremos discutir com a sociedade, para pensar no longo prazo. Não será um programa feito por marqueteiros, mas por gente que tem responsabilidade por pensar o Brasil. Vamos fazer uma campanha para ganhar as eleições e para governar bem o Brasil. Mas não de qualquer jeito, do nosso jeito, que é ganhar com condições para fazer uma mudança acontecer, uma mudança para melhor.

PODER: Já foi definido quem será o candidato e quem será o vice na chapa ?
EC: De comum acordo, deixamos para efetivar essa discussão em 2014. O primeiro passo é definir o programa. E, logo no início do ano que vem, vamos tomar a decisão sobre a chapa. Não há nenhum estresse sobre isso. Sempre digo para quem apostar que haverá estresse entre o PSB e a Rede, entre Marina e eu, para apostar barato para não perder muito. Porque, se Marina quisesse um partido só para se candidatar, tinha vários à disposição e, se nós quiséssemos só uma alternativa para disputar a eleição, teríamos só uma alternativa. Então, tomamos essa decisão de forma madura, conscientes de que precisa ocorrer algo novo na política brasileira para dar ao Brasil a oportunidade de fazer o debate que interessa ao futuro do país.

PODER: De certa forma, a Rede age como oposição “estudantil”, já que não recua em uma série de pontos e o senhor disse que essa história de “nós e eles” deve ser ultrapassada. Pensando assim, não acha que a Rede age um pouco na base do “nós contra eles”, sem aceitar o diálogo?
EC: Sinceramente, acho que a Rede tem uma energia positiva imensa e expressa uma inquietação com o futuro e com a busca de novos valores que devem guiar o desenvolvimento da humanidade. Eles fazem o debate político no plano das ideias, não é uma reivindicação de cargos e de funções, como muitas vezes a política rasa nos apresenta. Entendem que as regras têm de ser conhecidas, que é preciso passar confiança para os agentes da economia para que possamos viver um ciclo de expansão de investimentos. Trazem o conceito da sustentabilidade, hoje universal. Não há no mundo uma só força política responsável que defenda desmatamento, poluição, que não se preocupe com a questão da mudança climática.

PODER: A aliança com a Rede trouxe uma aura de credibilidade e legitimidade para sua candidatura?
EC: Marina é quem teve 20 milhões de votos. É claro que ela tem respeito – não só aqui, mas também fora do Brasil. Quando não conseguiu o registro oficial de seu partido e buscou o PSB, ela indicou que o PSB é um partido que se aproxima da visão que tem da necessidade de renovação da política.

PODER: Uma das exigências que Marina fez para se filiar ao PSB era o comprometimento com o fim da reeleição para cargos eletivos. Isso permanece?
EC: Essa questão jamais foi apontada como parte da discussão para a nossa aliança. Mas o PSB tem, sim, uma posição sobre a reforma política. Defendemos coincidência de mandatos, ou seja, eleições gerais em um ano só; mandatos de cinco anos sem reeleição; fim da eleição proporcional; e cláusula de barreira (para a criação de novos partidos). São pontos em que já tínhamos consenso com a Rede antes da aliança. O documento em que nos expressamos publicamente trata de três pontos: preservar as conquistas; democratizar a democracia, uma expressão que simboliza melhorar a democracia; e iniciar um ciclo de desenvolvimento sustentável.

PODER: Nas eleições estaduais do ano que vem, o PSB pode apoiar candidatos petistas e tucanos. Como isso influencia no âmbito nacional, no jogo político?
EC: Não temos nenhuma decisão tomada sobre os estados, a não ser naqueles estados em que o PSB já tem um candidato a governador ou ao Senado já escolhido. Fora isso, tomamos uma decisão: fazer o debate sobre composições regionais só ano que vem. Porque nós não podemos apoiar nos estados candidatos que não estejam comprometidos com a plataforma que vamos discutir nacionalmente. Isso seria algo completamente incongruente.

PODER: O PSB não se vê como oposição, mas agora tem o objetivo de tirar o PT do poder. Nesse sentido, como é ser adversário na região do país em que o ex-presidente Lula é considerado um mito?
EC: Na verdade, fizemos um movimento diferente na política brasileira. Diariamente nos jornais vemos os partidos fazendo o movimento de querer fazer parte. Nós fizemos o inusitado, que é chegar e dizer: “Estamos fora”. Queremos pensar o Brasil com liberdade. Não queremos tirar ninguém do governo, queremos ser governo. Mas não governar por governar. Estamos pensando um programa que possibilite ao país viver um novo ciclo. Para isso é fundamental estabelecer um novo pacto. Se você perceber, os últimos ciclos que o Brasil viveu – o da redemocratização ou da estabilidade econômica – foram precedidos por grandes mobilizações sociais, por novos pactos sociais que foram expressos em novos pactos políticos. As manifestações (de junho) trouxeram essa ideia do Brasil que quer mais. Agora, estamos construindo um novo pacto social que expressa essa inquietação, esse desejo.

PODER: O ex-ministro Ciro Gomes disse que o PSB nunca negou o legado de Lula e sempre governou com o PT. Declarou que rompeu com o partido porque não via razão em uma candidatura do PSB. Como o senhor encara isso? E qual seria esse “além do PT” que ele não consegue ver?
EC: Isso faz parte do passado. Essas águas não movem mais moinhos. Estamos olhando para o futuro do Brasil sem nenhum sentimento de rancor. Ao contrário. Devemos ter um olhar generoso sobre as contribuições dos últimos anos. Não haveria o ciclo de inclusão social do presidente Lula se os fundamentos econômicos não tivessem sido refeitos. O presidente Lula teve a sabedoria de manter uma política econômica para incluir tantos outros. Então, dizer “eles não fizeram nada, só eu fiz tudo” é uma leitura equivocada da história. No entanto, a leitura certa também não é um discurso ufanista de que está tudo uma maravilha, porque não está. O Brasil precisa melhorar os fundamentos de sua economia, precisa melhorar sua governança. O estado brasileiro está analógico e sua sociedade está cada dia mais digital. E não vamos realizar essas mudanças enquanto ficarmos nesse debate bipolar, emocional.

PODER: Então, pelo que o senhor está dizendo, Cid e Ciro Gomes, o rompimento com o PSB, não têm relevância?
EC: Isso é parte do passado. Desejo felicidade a eles. Vamos construir o nosso caminho. O partido está unido, coeso e muito animado. Estamos certos de que fizemos o que tínhamos de fazer. Não para os interesses do partido, mas para os interesses do país.

PODER: O senhor tem medo que algum fantasma do passado atrapalhe sua candidatura? Por exemplo, o episódio conhecido como Escândalo dos Precatórios (nos anos 1990, Campos assumiu a Secretaria de Fazenda de Pernambuco que, na época, era governado por Miguel Arraes. Sob seu comando, a secretaria autorizou a emissão de títulos públicos para pagar precatórios judiciais. A operação foi considerada irregular. Em 2003, o Supremo Tribunal Federal inocentou Campos e Arraes, morto em 2005.)?
EC: Não. A minha vida toda é muito conhecida, sobretudo no estado em que governo. Eu tive o reconhecimento em todos os fóruns, e, sobretudo, da população. Quem me conhece já me julgou, em duas oportunidades, e chego ao sétimo ano de governo com 90% de aprovação. Eu acho que é o maior testemunho que um homem público pode ter. É sair de casa no domingo, como eu faço, para andar de bicicleta com meu filho, sem seguranças, e ser respeitado pelos cidadãos. Podem até não votar em mim, mas me respeitam. Em um tempo em que a política está tão desprestigiada, ir à maior festa do carnaval de Pernambuco, o Galo da Madrugada, e ver 100 mil pessoas aplaudir um político não é comum.

PODER: Quem são seus ídolos na política? Não vale citar seu avô, Miguel Arraes.
EC: Eu acho que tanto na vida como na política, mais do que ídolos, temos que ter referências. Quando se cultua ídolos, muitas vezes perde-se o senso crítico na leitura histórica. Fui formado tendo como referência pessoas no mundo das artes, no mundo da ciência e no mundo da política. É claro que a influência do meu avô foi muito importante. Mas dom Hélder Câmara foi um homem que marcou a vida política de meu estado e também marcou muito minha juventude.

PODER: Que filósofo ou pensador o senhor admira?
EC: Tenho grande respeito por Celso Furtado, por ser economista, como eu, pelo que representa. Ele marcou minha formação e a da minha geração.

PODER: Que livro ou livros foram importantes para o senhor?
EC: Meu pai tem 14 livros publicados. Então, em minha casa sempre se discutiu muito arte e política.

PODER: O senhor vai ao cinema?
EC: Vou menos do que gostaria, mas vou. Às vezes, levo o José Henrique, meu filho mais novo. As pessoas se assustam ao me ver assistindo aos filmes que ele escolheu. Mas também vou com a Renata e nossos filhos mais velhos. E vou a shows. Acho que é preciso fazer as coisas que o cidadão comum faz para continuar com o fio terra. Coisas como ir ao mercado, dirigir seu carro, caminhar no parque da cidade…

PODER: E se o senhor se tornar presidente da República, vai continuar indo ao supermercado, ao cinema etc?
EC: A sua presença pode perturbar os outros, mas, na medida em que isso não ocorra, é preciso exercitar um “padrão papa Francisco”. Acho que o Brasil está precisando disso.

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