Há mais de quatro décadas na televisão, Sílvio de Abreu sabe como poucos prender a atenção do público com enredos dos mais variados. Nesta segunda-feira, ele encara mais um desafio no horário nobre da Rede Globo com “Passione” e leva ao público uma história mezzo italiana, mezzo brasileira – com drama, comédia, maldade, sensualidade e, claro, paixão. O autor conversou com o Glamurama. Confira:
O elenco de “Passione” é um dos mais estrelados entre as novelas que estão no ar. Com isso, a responsabilidade aumenta ou dá mais tranquilidade para trabalhar?
“Sem dúvida, a responsabilidade aumenta. Dá muito prazer trabalhar com um elenco tão talentoso como esse, mas, ao mesmo tempo, o apuro com as cenas e as ações tem que ser maior. Por outro lado, o prazer é forte e contínuo. É mais do que estimulante criar cenas para atores que você tem a certeza de que vão se entregar por inteiro e colocar, além de talento, a mais pura emoção em seus personagens.”
Entre fazer o público odiar o vilão e amar o mocinho, qual é o maior desafio?
“Ah! Pergunta difícil de responder, viu?! Tenho a impressão de que, em novela, quando você faz o mocinho muito fraco, muito submisso, muito bonzinho, você está falando que os bandidos são muito mais interessantes porque eles são muito mais vitais. Por isso, em ‘Passione’, o Mauro, personagem do Rodrigo Lombardi, tem todas as características do herói – o cara bom, amigo, honesto – mas não é idiota. Ele fala na cara o que tem que falar, enfrenta tudo sem medo. Ele está com vontade de beijar a mocinha, ele agarra a mocinha e beija. Ele diz: ‘Ah, desculpa, não me segurei’. Então, acho que o mocinho não precisa, necessariamente, ser um santo que vive dando a outra face e carrega nas costas as culpas do mundo. Ser bom não significa ser bobo, passivo e conformado. Um personagem pode ser bom e ter atitude. Espero que, desse jeito, o público se identifique com o mocinho em vez de preferir o mau-caráter.”
De onde vêm suas inspirações para criar os personagens?
“Da minha cabeça doida, com certeza! (risos) É brincadeira. Minha inspiração vem de muitos lugares e das maneiras mais variadas, mas, seguramente, os atores para quem quero escrever e música, em geral, me inspiram mais do que tudo. Para você ter uma ideia, a sinopse de ‘Passione’ começou a surgir na minha cabeça dentro do carro enquanto voltava da minha casa no Guarujá para São Paulo. Foi a música ‘Malafemmena’ que me inspirou. Ela fala de um homem simples e honesto, apaixonado loucamente por uma mulher ordinária e sem caráter. Achei que seriam ótimos personagens para Tony Ramos e Mariana Ximenes. Aí começou a história de Totó e Clara. Mas depois me perguntei: ‘Como a Fernanda entra na trama?’ E, a partir daí, a história foi surgindo. Isso já havia acontecido antes com ‘Thanks for the Memories’, que foi a inspiração para a principal história de amor de ‘Cambalacho’.”
Nos anos 1970 e 1980, você trabalhou como roteirista e diretor de cinema. Tem vontade de voltar a trabalhar com isso?
“Não. Amo cinema para assistir. Não tenho mais vontade de fazer. Gosto de fazer novela porque quero me comunicar com um número sempre maior de pessoas e não acredito que em algum filme eu poderei contar com um elenco e uma produção como tenho em ‘Passione’.”
Quando não está com alguma novela no ar, costuma acompanhar as tramas dos colegas?
“Sim. Gosto de assistir novela. Na verdade, o que mais assisto na tevê é novela, filme e jornalismo. Gosto de teledramaturgia em geral. E como perder novelas como as do meu amigo Gilberto Braga? Não dá!”
Até hoje, quais dos seus trabalhos mais marcou a sua carreira? Por quê?
“Acho que não posso deixar de destacar ‘Pecado Rasgado’ por ser minha primeira novela na Rede Globo; ‘Plumas e Paetês’, por ter sido uma indicação de Cassiano Gabus Mendes para substituí-lo quando sofreu um infarto; ‘Jogo da Vida’ porque a escrevi a partir de um argumento de Janete Clair, e foi com ela que introduzi a comédia na teledramaturgia; com ‘Guerra dos Sexos’, além de ganhar destaque na teledramaturgia nacional, tivemos cenas memoráveis com Fernanda Montenegro e o querido Paulo Autran; ‘Rainha da Sucata’ foi minha estreia no horário das 8; em ‘Cambalacho’ consegui unir comédia e trama policial clássica e em ‘A Próxima Vítima’, ‘Torre de Babel’ e ‘Belíssima’ transformei os telespectadores em detetives. Enfim, muitos trabalhos me marcaram pelos mais diferentes motivos."
Já são 43 anos trabalhando na tevê. Em sua opinião, o público que assiste à novela hoje é muito diferente daquele de anos atrás?
“Acho que um diferencial que notei no público, principalmente em ‘Belíssima’, foi o fato de ele estar preferindo os personagens de mau caráter aos de bom caráter. Tenho a impressão de que o público, com os vários exemplos de falcatruas e impunidade que temos no Brasil, acabou se distanciando dos principais valores do ser humano e de uma sociedade. Isso mudou muito a minha visão em relação ao país em que a gente vive. Então, nessa novela, não é que eu esteja querendo resgatar esses princípios morais, mas quero expor ao público como estamos vivendo. Aquela velha história de levar vantagem em tudo, agora está mais presente na nossa sociedade do que nunca, e a novela vai expor muito isso.”