Sexo, erotismo, aplicativos de relacionamento, o casamento hoje. Uma conversa com o psiquiatra Flávio Gikovate sobre tudo isso
Por Julia Furrer para a Revista J.P de abril
O sexo saiu de moda. Quem afirma é o psiquiatra Flávio Gikovate, que estuda o tema há quase 50 anos. A grande oferta de corpos nus e sexo fácil parece ter tornado tudo tão desinteressante a ponto de até o (sempre) fantasiado sexo casual estar fadado ao fim. “Isso de o homem não perder uma oportunidade de ter uma relação sexual é dos tempos da escassez, quando o sexo era difícil de conseguir”, diz o médico. J.P levantou questões para entender o erotismo nos dias de hoje, quando aplicativos, redes sociais e mensagens instantâneas tomam o lugar da afetividade. A seguir, Gikovate fala de masturbação, orgasmo, jogos de conquista e da volta do casamento.
J.P: Você estuda a sexualidade desde os anos 1960. O que mudou de lá para cá?
FLÁVIO GIKOVATE: O sexo saiu de moda. Ninguém mais fala no assunto, não dá ibope. É engraçado porque era um tema bem falado, eu mesmo vivia respondendo perguntas no meu programa na rádio CBN. As pessoas tinham questões. Hoje é raro encontrar alguém querendo falar sobre isso.
J.P: Por quê?
FLÁVIO GIKOVATE: Porque todo mundo acha que já sabe de tudo. Outro dia me chamaram para falar em um seminário cujo tema era “O que ainda falta conhecer sobre sexo?”. Quer dizer, já é dado como verdade universal que todos sabem de tudo.
J.P: E sabem?
FLÁVIO GIKOVATE: Claro que não. Assistem a filme de sacanagem, reproduzem o modelo fingindo orgasmos e gritando gemidos e acham que está tudo bem. É um horror, uma falta de criatividade absoluta.
J.P: O orgasmo virou uma obrigação?
FLÁVIO GIKOVATE: Sim, as mulheres têm de conseguir para impressionar e os homens têm de prover para mostrar que são bons de cama. Virou um inferno. Tudo agora é disputa, exibicionismo, jogo de poder. Sexo deveria ser divertido, não competitivo. As mulheres precisam parar de fingir e os homens deviam parar de se preocupar com o tamanho do pênis – os grandes só servem para machucar.
J.P: Homens e mulheres fazem sexo por motivos diferentes?
FLÁVIO GIKOVATE: Não. Ambos fazem para conquistar. Enquanto os homens querem levar a mulher para cama e mostrar que são bons, mulheres almejam conquistar um relacionamento contínuo. As razões do desejo também são diferentes. Homens são visuais, mulheres se excitam ao perceber que estão sendo desejadas. É por isso que na publicidade os produtos com foco no público masculino, como cerveja, apelam para mulheres de biquíni, enquanto os que são do universo feminino pregam o conceito de que a mulher ficará mais atraente e sedutora ao usá-los. As estratégias mudam, mas o sexo é um jogo de conquista para os dois.
J.P: Mas com o casamento acaba esse jogo de conquista, certo?
FLÁVIO GIKOVATE: Sim, e é por isso que a vida sexual cai loucamente e vem caindo ainda mais. Antes, os recém-casados transavam de duas a três vezes por semana. Agora são três a quatro vezes por mês. Além de faltar tempo, falta descobrir que muito mais que uma disputa de poder, sexo é uma troca de carícias divertida. É preciso gostar mais da brincadeira.
J.P: Como avalia esses aplicativos de encontro tipo Tinder e Grindr?
FLÁVIO GIKOVATE: Acho que eles ajudam a aumentar a percepção de que está tudo fácil demais. Olha só, hoje para ter sexo nem é preciso esbarrar com alguém na boate, basta apertar alguns botões. Fica sem graça, né? Porque a proibição sempre aumenta o desejo. É igual com comida. O gordo que está sempre de dieta sempre fica mais gordo, pois como não pode, não consegue parar de pensar em comer.
J.P: O sexo casual tende a aumentar? E práticas como ménage à trois?
FLÁVIO GIKOVATE: Acho o contrário: o sexo casual não tem futuro. Talvez seja substituído pela masturbação. As mulheres nunca gostaram muito e isso de os homens não perderem uma oportunidade de ter uma relação sexual é dos tempos da escassez, quando o sexo era difícil de conseguir. O prazer é uma sensação individual, ainda que intermediado por outra pessoa. Quando gozamos, esquecemos do resto, o que quer dizer que não precisamos de ninguém, que dirá de uma pessoa que você mal conhece e quer que suma logo depois do ato. Claro que existem fantasias, mas a tendência é recuperar o sexo com afetividade.
J.P: Significa que o casamento vai se fortalecer?
FLÁVIO GIKOVATE: Ele está em reforma. Nos Estados Unidos, 50% das pessoas são solteiras. Em São Paulo, o tipo de apartamento mais vendido é aquele bem pequeno, feito para quem opta por uma vida individual e não familiar. Isso quer dizer que a qualidade de vida dos solteiros está aumentando e que ninguém mais vai aceitar manter um casamento ruim.
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