Ser filho de dois dos maiores dramaturgos do Brasil, autores de algumas das novelas mais emblemáticas da emissora que exporta o gênero para o mundo todo… Natural que siga o mesmo caminho, não? Pode ser, mas Alfredo Dias Gomes virou músico – e nunca colocou uma letra em suas composições, viu? O filho de Janete Clair e Dias Gomes conversou com o Glamurama sobre a vida em família, seus primeiros passos na carreira e ainda contou segredos bem inusitados dos pais – como um episódio bastante feminista na história do casal, mesmo que tivesse acontecido agora, imagina então no fim dos anos 1960… Vem saber, glamurette! (por Michelle Licory)
“Ela impôs uma condição à emissora: contratar meu pai”
“Meus pais foram pessoas íntegras, ganharam a vida fazendo arte, ralando muito para criar os filhos. Na minha infância, passaram muitos apertos, meu pai foi censurado várias vezes, tinha que escrever usando pseudônimo para sobreviver. O autor premiado de ‘O Pagador de Promessas’ era perseguido pela ditadura militar. Mais tarde, minha mãe foi convidada para escrever na TV Globo, virou sucesso nacional com suas novelas [‘Selva de Pedra’, ‘Irmãos Coragem’, ‘Pecado Capital’ e ‘O Astro’ estão entre seus megahits] e a situação financeira começou a melhorar”. Sim, Janete era arrimo de família. Como se não bastasse, foi ela que, com seu prestígio, arrumou emprego fixo para o – megatalentoso – marido. “Ela impôs uma condição à emissora para continuar escrevendo: contratar meu pai. Ele, mesmo com restrições ao veículo televisão, não pode recusar e revolucionou a maneira de escrever novelas [‘O Bem Amado’, ‘Roque Santeiro’, ‘Saramandaia’…]. Usando sutilezas em seu texto para ludibriar a censura, sempre escreveu o que pensava. Suas convicções e seus ideais estavam em suas histórias e personagens”.
Quer saber mais da intimidade dessa família? “Meus pais eram inteligentes, cultos e, ao mesmo tempo, bem simples, tratavam todos da mesma maneira. Quando minha mãe promovia festas no final das novelas na nossa casa, agora já numa fase melhor da vida, ela convidava todos, sem exceção, da alta cúpula aos técnicos… Estavam todos presentes. E trabalho era sinônimo de criação. Todos os dias eu os via em suas máquinas de escrever, criando e produzindo arte, fazendo o que gostavam. Acho que essa é a herança que eles me deixaram. Quero acreditar que tenho um pouco dos dois”, contou Alfredo, que é baterista.
Casa barulhenta, mãe concentrada, Hermeto Pascoal…
“Aos 11 anos, ganhei da minha mãe minha primeira bateria. Minha casa era muito barulhenta, mesmo antes da bateria. Cheia de crianças circulando, jogando futebol, vitrola alta, festinhas no fim de semana… A bateria veio para completar a festa! Meu pai tinha um escritório um pouco separado da casa, de vez em quando ele mandava parar a confusão. Minha mãe tinha um poder de concentração inacreditável. Com todo o barulho, ela era incapaz de se desconcentrar ou sair do mundo de fantasia das novelas. Não me lembro exatamente a ordem dos fatos, mas acho que a primeira vez que meus pais me viram tocar profissionalmente foi em um show do Márcio Montarroyos na Sala Funarte. Lembro do meu pai indo me assistir no Parque da Catacumba, no Rio, tocando com o Hermeto Pascoal. Eu devia ter uns 19 anos”.
Casa de ferreiro, espeto de pau
“Realmente, escrever nunca foi minha praia. Eu me apaixonei muito cedo pela bateria e por música instrumental. Nunca me liguei em letras, nunca soube uma letra das músicas dos artistas que acompanhei. Uma vez, pedi pro meu pai escrever uma letra para uma música, mas ele mesmo dizia que escrever letras era totalmente diferente de escrever textos para teatro, que ele não sabia fazer. Música não era a praia dele. Mas gravei uma trilha para uma novela da minha mãe, ‘Pai Herói’. Tinha uma cena de ação e precisava de uma música específica, que tocaria outras vezes na novela, então o Márcio Montarroyos e eu compusemos ‘Vivendo Perigosamente’, que entrou no disco da novela. As minhas composições são muito rítmicas, às vezes cheias de notas, compostas para instrumentos, dificilmente caberia letra”.
“Fiquei mexido por ele ter guardado aquela gravação”
Alfredo está lançando um álbum que fez há 18 anos, mas acabou engavetando. Por quê? A explicação também envolve família. “Eu tinha acabado de lançar meu disco ‘JAM’ e meu sobrinho Arthur me mandou um áudio com ele tocando baixo em cima de uma música, que era desse álbum antigo, “Ecos”. Fiquei mexido por ele ter guardado aquela gravação e me bateu a vontade de recuperar esse trabalho. Nem eu me lembrava mais, achava até que tinha perdido as sessões do disco. Decidi procurar os arquivos em backups antigos e consegui recuperá-lo. Escutando agora, em outro momento da vida, achei que o álbum deveria ser incluído na minha discografia. Independente de quando foi gravado, o que importa é a emoção e sentimentos que a música passa para as pessoas”. (por Michelle Licory)
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