Wanderléa, eterno ícone da Jovem Guarda, decidiu finalmente transformar sua história de vida marcada por muito sucesso, mas também grandes perdas pessoais, em livro. “Foi Assim” é resultado de textos escritos por ela, que passaram por edição e pesquisa do jornalista Renato Vieira. “Comecei a escrever sobre o que acontecia comigo por necessidade. Levava uma vida muito intensa com meu trabalho ao mesmo tempo que vivia momentos difíceis da vida pessoal”, contou a artista em entrevista ao Glamurama.
E a cantora já passou por poucas e boas. A perda de uma de suas irmãs, no Rio de Janeiro, por uma bala perdida, o acidente do então namorado José Renato, filho do apresentador Chacrinha, que o deixou tetraplégico, a perda do irmão, que era seu estilista e uma espécie de assessor especial, para a Aids. Por fim, uma das maiores dores, a morte de seu filho Leonardo, afogado na piscina de sua casa.
O convite para publicar uma biografia foi feito há anos, mas ela custou a aceitar, até que foi convencida por amigos: “Achava que o público não ia se importar, estava indecisa, até que meus amigos me convenceram a compartilhar minha vida com os fãs que me acompanharam por tantos anos, e mostrar que todos temos dificuldades e prêmios. É um desafio imenso”.
Diva como não se fazem mais, Wanderléa usava minissaia mais curta que Mary Quant e pioneira ao posar nua grávida para a revista masculina “Status”. Em novembro de 2016, ela inovou mais uma vez: estreou como protagonista no musical “60! Década de Arromba”, sucesso em suas temporadas carioca e paulista. Abaixo, nosso papo com a mãe de Jadde e Yasmin que, aos 71 anos, se prepara para se tornar avó.
Glamurama: Como foi pra você o processo de reunir seus relatos e preparar o livro?
Wanderléa: “‘Foram muitas emoções’, como diria Roberto Carlos. (Risos) Tanto das alegrias quanto das tristezas. Ficar frente a frente com suas angústias e alegrias é sempre uma coisa que mexe muito com o ser humano. Muitas coisas foram boas pra valorizar outras que eu tinha vivido, sobretudo para a minha auto-estima e no campo pessoal, de me dar conta do quanto fui forte em conseguir superar tudo. Descobri nesse processo que superei minhas perdas justamente com meu trabalho, com a ajuda dos fãs. Não tive tempo para o luto, o público me levantava. Eles sabiam o que estava acontecendo, acompanhavam as manchetes e a força pra continuar vinha do carinho que recebia deles, que era algo muito forte.”
Glamurama: Se não tivesse uma carreira artística, acha que teria superado mais fácil suas dores?
Wanderléa: “Acho que teria tempo de buscar uma terapia, trabalhar melhor isso. Quando você tem a partida de um ente querido precisa vivenciar o luto, se reconhecer, trabalhar o emocional. Nunca fiz terapia na vida e, em um dado momento, quando estava mais calma, minhas filhas me perguntaram porque não fazia uma terapia e respondi: ‘Agora? Depois de tudo que encarei sozinha?'” (Risos).
Glamurama: Que sensações você espera levar aos leitores com o livro?
Wanderléa: “Não to com muita expectativa do resultado. É como se entregasse uma parte minha, mas fiz isso de uma forma muito leve. As pessoas têm lido e gostado, e isso me deixa feliz.” [A Roberto e Erasmo foram enviadas cópias da obra pela editora, mas os eles ainda não se pronunciaram sobre ela.]
Glamurama: Quem hoje seria o equivalente a Wanderléa da Jovem Guarda?
Wanderléa: “Meu comportamento influenciava os jovens da época. Eles me acompanharam profundamente. Constato que o que eu fiz marcou muito a vida deles, não só musicalmente. E esses meus fãs ensinaram outras gerações a me amar também. É um amor que transcende, que fica em família, então eu não tenho uma comparação. E ao mesmo tempo que tinha essa imagem, muito amada e carinhosa, fui uma personagem irreverente porque usava roupas muito curtas, dançava de um jeito diferente… transgredia no comportamento.”
Glamurama: Você é uma artista de vanguarda, sempre ousou em suas roupas e ritmos. O que acha dos artistas de hoje e da forma como eles se reinventam?
Wanderléa: “Meu comportamento marcou muito porque não foi um marketing preparado, foi uma coisa que aconteceu naturalmente. O público é muito inteligente. Sinto que hoje algumas pessoas estão forçando a barra, saindo de sua própria natureza para transgredir a qualquer custo, pra dizer que está inovando e tudo acaba com um resultado muito grosseiro. É preciso encontrar um equilíbrio entre o que você faz, a imagem que você propaga e sua natureza. Minhas ousadias foram pra me divertir. Sempre gostei de fazer algo diferente, mas sempre gostando do que estava fazendo… Não pra dar Ibope e chocar. Era ousada, mas com muita dignidade.”
Glamurama: Você, assim como Roberto Carlos e Erasmo Carlos, não gostava de falar de política. Qual seu posicionamento político nos dias de hoje?
Wanderléa: “Na época da Jovem Guarda éramos muito jovens, vindos de uma repressão familiar forte. Mulher não dirigia, não fumava, era difícil… Os rapazes tinham uma liberdade maior. Eu contestava muito isso com meu pai, pois tinha necessidade de um diálogo dentro de casa. Sou de uma geração que, de certa forma, buscava isso. A gente queria ser feliz, ter contato com tudo. Não tinha internet e estavam acontecendo coisas ao redor do mundo das quais queríamos fazer parte. E a politica sempre foi complicada, como é até hoje. Sabíamos que tínhamos artistas mais envolvidos. A Tropicália e Bossa Nova eram filhos de um movimento político. Sabiam contestar melhor sobre tudo isso. Nessa fase, nosso sucesso tinha tomado o Brasil. Achavam que eramos alienados porque tínhamos que ter um discurso partidário, mas acho que pra ter um discurso mentiroso, é melhor não ter.”
Glamurama: Acredita que o artista deve se posicionar politicamente para influenciar as pessoas?
Wanderléa: “Acho que o artista tem esse poder e tem que usá-lo com consciência. Hoje tá tão difícil contestar, porque tá tudo tão difícil de entender, mas acho que o artista deve se expor.”
Glamurama: É você quem cuida de suas redes sociais?
Wanderléa: “Não tenho tempo para redes sociais. Por isso, online, só faço o básico e pessoas próximas a mim me ajudam com isso.”
Glamurama: Você e Lalo vivem há anos em casas separadas. Mantém um relacionamento aberto? Como é a vida de vocês?
Wanderléa: “Tomamos a decisão depois que as meninas ficaram maiores. Cada um vive em uma casa, mas como trabalhamos juntos – ele é produtor dos meus discos e tem um estúdio em sua casa -, estamos sempre juntos, porém respeitando nossos tempos. É com ele que eu conto pra tudo, é meu companheiro e sentimos saudades um do outro. Não temos um relacionamento aberto. Temos apenas liberdade de viver nossas vidas. Não temos interesse em outras pessoas.”
Glamurama: Como é sua rotina hoje em dia?
Wanderléa: “Tenho uma rotina intensa de trabalho por conta do musical ’60! Década de Arromba’, que exige muito de meu tempo há um ano. Quando dá, pratico pilates perto da minha casa, nos Jardins, e faço alongamento diariamente em minha casa. No mais, ocupo o tempo que sobra com os afazeres de casa e com minhas filhas.”
Glamurama: A amizade entre você, Roberto e Erasmo Carlos continua como antes?
Wanderléa: “Sim! Somos uma família. Temos um carinho muito grande um pelo outro.”
Glamurama: Quais são seus projetos futuros?
Wanderléa: “Não procuro projetos, eles chegam até mim e tenho o meu tempo para aceitá-los. Os convites ainda pendentes, à espera de um sim, são para fazer um filme, mas acho que só faz sentido após o lançamento do livro, e uma exposição sobre minha vida no MIS.” (Por Julia Moura)
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