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Assucena Assucena e Raquel Virginia, vocalistas da banda As Bahias e a Cozinha Mineira || Créditos: Divulgação

Uma das grandes revelações da música nacional, As Bahias e a Cozinha Mineira acaba de receber as indicações de melhor grupo e melhor álbum do Prêmio da Música Brasileira, que rola no dia 15 de agosto, no Theatro Municipal do Rio. A banda independente paulistana, que tem à frente duas vocalistas trans – Assucena Assucena, nascida em Vitória da Conquista, e Raquel Virgínia, que passou boa parte da vida em Salvador -, soltam a voz para exorcizar machismo e homofobia. “Bixa”, lançado em setembro de 2017, é o segundo álbum do grupo criado em 2011 e traz a natureza como metáfora para um momento crítico, tratando de forma suave temas contemporâneos.

Glamurama bateu um papo imperdível com Assucena sobre sucesso, preconceito, música e muito mais. Vem!

Glamurama: O que a indicação de melhor grupo e melhor álbum do Prêmio da Música Brasileira significa pra vocês? 
Assucena: “Além de reconhecimento, a indicação traz a quebra de um paradigma para a música. Quando nomes como As Bahias e a Cozinha Mineira, Johnny Hooker e Liniker são indicados, colocamos nossa cara no sol como artista. É o sinal de que estão nos reconhecendo como artistas. ‘Botar a cara no sol’ é uma expressão de travestis, que são seres noturnos, entre quatro paredes, por falta de aceitação na sociedade. Hoje, a gente pode ir à padaria, ao banco, visitar uma casa de família e mostrar que não somos seres diferentes.

Glamurama: Essa visibilidade ajuda não é?
Assucena:
“Com certeza. O prêmio é muito importante e estar entre nomes como Ney Matogrosso e Luiz Melodia é muito significativo. É um reconhecimento não só pra nós da banda, como pra todas as pessoas que estão nos bastidores e foram fundamentais para que o disco fosse realizado. Para encarar produção independente tem que ter muita raça.”

Glamurama: Vocês já tiveram proposta de uma gravadora?
Assucena: “Sim, mas ainda não houve uma boa proposta. O problema de gravadoras no nosso tempo é que muitos artistas acabam ficando na geladeira porque elas tem que apresentar resultados o tempo todo. Por isso, ter contrato com uma gravadora não é necessariamente interessante hoje. A música independente cresceu com a internet, que possibilita fazer sucesso sem isso. Mas se aparecer uma boa proposta nós vamos!”

Assucena Assucena, Rafael Acerbi (guitarra) e Raquel Virginia, integrantes da banda As Bahias e a Cozinha Mineira || Créditos: Divulgação

Glamurama: O nome A Bahia e as Cozinhas Mineiras é muito peculiar. De onde surgiu? 
Assucena: “Bahias era o meu apelido e o apelido de Raquel na faculdade, coincidentemente, e ‘cozinhas mineiras’ é uma expressão que toda banda usa pra se referir a baixo e bateria, mas em Minas é usada como uma forma de dizer: ‘eu gosto de tocar com você’. Como a banda tem vários mineiros, e temos referências da Tropicália, que vem da Bahia, e do Clube da Esquina, de Minas, quisemos dar essa pitada no nome.”

Glamurama: A banda marca o encontro dos nordestinos com transsexuais e isso não impediu vocês de fazerem sucesso em uma cidade importante como São Paulo. Como foi essa trajetória?
Assucena: “Nossa história começou na USP, um lugar privilegiado. Agradeço muito a Deus por ter tido a oportunidade de estudar lá – eu, Raquel e Rafa estudamos História -, e em um ano tão fervoroso artisticamente, com uma turma muito afim de discutir arte, gênero… E dessa brincadeira nasceu As Bahias e a Cozinha Mineira. O segundo disco, ‘Bixa’, foi mais fácil. Hoje, por conta do que estamos conquistando, temos mais chances de gravar um terceiro disco com muito mais qualidade técnica. Não tem sido fácil, mas ainda bem, porque tudo fica mais gostoso (Risos).”

Glamurama: No decorrer da trajetória da banda vocês encontraram mais apoio ou restrições de grandes artistas da MPB?
Assucena: “Algumas pessoas que convidamos desde o primeiro momento, como Luciana Mello, Pitty, Maria Gadú e Alcione – uma diva pra nós, que invadiu um show nosso durante a Virada Cultural de SP -, foram muito solícitas. Daniela Mercury também tem sido de uma generosidade absurda com a gente. Gravamos há pouco uma musica juntos que vai ser divulgada ainda este ano em um reality show da HBO, que nos acompanhou no estúdio.”

Glamurama: Como é a receptividade da banda no nordeste?
Assucena: “A gente tem um público muito grande em São Paulo e o Nordeste tem nos surpreendido muito positivamente. Temos nos apresentado lá desde 2016 e eles têm gostado da nossa música. Conseguimos conquistar lá um público que achamos que não conquistaríamos, talvez por subestimar a nós mesmos. Apesar de misturarmos sons contemporâneos sempre teremos como pano de fundo esse Brasil do sertão, da Bahia, de onde eu sou. Em Fortaleza nos apresentamos para nosso segundo maior público e para uma quantidade enorme de travestis.”

Glamurama: Quais são as discussões LGBT mais necessárias atualmente?
Assucena: “A questão da empregabilidade trans é emergencial, porque atualmente cerca de 90% da população trans vai para a prostituição compulsória. Por não contar com apoio da família e de amigos, seguem este caminho como único modo de sobrevivência. As pessoas têm uma relação muito hipócrita com nossa verdade, como se ser trans fosse algo que sujasse nosso caráter. Esse quadro tem que mudar. Não quero ser parte de uma minoria representante. Há muitas trans talentosas e podemos ser tudo, presidente da república, astronauta, juíza…”

Glamurama: A música é um dos caminhos para combater o preconceito? É isso que vocês fazem no seu trabalho? 
Assucena:“Sim, porque a música tem o poder de entrar onde eu não posso entrar. Minha voz chega antes de mim. Tem gente que gosta da nossa canção e nem sabe quem somos, e quando descobrem que somos trans isso já não importa mais. A arte tem o poder de tocar onde a política não toca.”

Glamurama: E tem dado resultado?
Assucena: “Com certeza. Acho que a gente está passando por um momento importantíssimo no Brasil dentro da música. Temos a drag queen mais ouvida do mundo, Pabllo Vittar, temos Gloria Groove, Rico Dalasam no rap, Johnny Hooker na MPB, Liniker no soul… Muitos críticos têm falado que só no Brasil um movimento como este, com esta força, tem acontecido. Embora a gente tenha Jair Bolsonaro com pretensões à presidência, temos uma galera que pode resistir. Nossa arte, a música, é uma arma poderosa. E muito desta história que estamos construindo devemos a nomes como Ney Matogrosso e Dzi Croquettes.”

Glamurama: As Bahias e a Cozinha Mineira tem uma abordagem mais engajada, enquanto músicas de Pabllo Vittar, por exemplo, têm um foco mais popular. Há uma diferença no efeito que cada um surte nesta luta?
Assucena: “Quando a gente traz um debate, é de forma muito metafórica. Cada pessoa tem sua maneira de expressar. Tudo o que você diz se torna uma manifestação política quando você é lésbica, gay ou transexual. Se cantássemos ‘ciranda’, por exemplo, já seria politico porque nosso corpo trans diante de uma sociedade que nos renega torna tudo diferente.”

Glamurama: Como é a repercussão da banda no exterior? 
Assucena: “Já recebemos convites para tocar em Madri e Firenze, mas não fomos porque, na ocasião, a viagem demandava uma organização financeira muito grande para uma banda independente. O convite teve que ficar para o ano que vem, mas temos um público legal de fora, que nos manda muitas mensagens. Já demos entrevistas para o ‘El Pais’, ‘BBC’ e alguns jornais portugueses.”

Glamurama: Novos projetos e parcerias à vista? 
Assucena: “Em breve vamos anunciar algumas coisas. As Bahia e a Cozinha Mineira está se reformulando neste ano. ‘Bixa’ foi muito importante pra nós. Nosso terceiro disco está em processo de gestação. Vamos ter uma renovação artística no sentido de oxigenar o jeito de fazer arranjo, clipe… Sobre parcerias, queremos estreitar algo com Ney Matogrosso e também com Caetano Veloso e Milton Nascimento, mas com estes dois ainda não fizemos contato.”

Glamurama: Alguma nova referencia para este momento?
Assucena: “Rita Lee.” (Por Julia Moura)

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