“Cercados” é o novo documentário do Globoplay e mergulha no dia a dia dos jornalistas que de uma hora pra outra se viram em meio à cobertura de uma pandemia sem precedentes.
A produção mostra os bastidores do trabalho da imprensa em pontos centrais como hospitais, cemitérios e um dos lugares mais tensos para repórteres, fotógrafos e cinegrafistas nos últimos tempos: o cercadinho na portaria do Palácio da Alvorada, em que o Presidente da República Jair Bolsonaro costuma fazer suas declarações à imprensa sempre ‘acompanhado’ de apoiadores, que ficam por lá insultando os profissionais.
Com roteiro de Eliane Scardovelli e direção de Caio Cavechini, “Cercados” seguiu uma rotina de produção e filmagens completamente diferentes de qualquer outra produção: “A decisão de fazer o documentário aconteceu em meados de abril e em duas semanas as equipes estavam nas ruas de São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e depois Manaus e Fortaleza”, explica o diretor em papo com Glamurama.
Para quem não lembra, Caio foi um dos primeiros participantes do “Profissão Repórter” e ali viu sua carreira deslanchar. Apesar do crescimento profissional na frente das câmeras foi atrás delas que conquistou prestígio, principalmente na criação e direção de documentários. Entre seus principais trabalhos estão: ‘Carne, Osso’, ‘Jaci: sete pecados de uma obra amazônica’; ‘Entre os Homens de Bem’, ‘Cartas para um Ladrão de Livros’ e ‘ Marielle – o documentário’. À entrevista! (por Fernanda Grilo)
Glamurama: Não houve um tempo longo de produção de ‘Cercados’. Como a equipe trabalhou nesse time?
Caio Cavechini: A gente foi pesquisando, enquanto estava gravando. Em meados de abril, diante da decisão da plataforma em fazer o documentário, em duas semanas as equipes estavam nas ruas de São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e tentando profissionais em Manaus e Fortaleza. As coisas aconteciam imediatamente e logo de cara já sabia que o trabalho em Brasília, acompanhando o dia a dia do presidente, seria o foco, assim como os bastidores das redações, as primeiras apostas sobre a doença, e fomos pesquisando outras possibilidades: por exemplo, os fotógrafos de Manaus e as primeiras movimentações quando surgiu a ideia de um consórcio de imprensa para monitorar a Covid-19. Na verdade, a gente já tinha contato com as redações para uma apuração rápida. Tudo foi definido no sábado e na segunda já estávamos gravando.
Glamurama: Como chegou a decisão de lançar “Cercados”, enquanto a pandemia continua?
Caio Cavechini: Depois da criação do consórcio de imprensa, a gente começou a ver primeiro que o negacionismo dominou o debate nacional, em seguida a maquiagem dos números de casos e mortes por conta do Coronavírus. Quando o consórcio completou um mês e o Brasil chegou a 100 mil mortos, a crise política tinha traçado outro percurso e trazer um o quanto antes até porque já tinha visto o suficiente. Em julho, a gente avaliou o material gravado e decidimos finalizar.
Glamurama: Como reverter essa ideia de que a imprensa é vilã?
Caio Cavechini: Acho que a imprensa tem que seguir fazendo o trabalho, estar presente, contar a história. Existe a preocupação de que forma o jornalismo pode se comunicar em termos de formato, se apropriar de outras linguagens e também uma questão legal de combate as fake news que precisam ser assumidas pelas instituições porque é crime e pode ser danoso, como aconteceu com a própria Marielle Franco.
Glamurama: Os jornalistas estão psicologicamente abalados e até doentes por conta da cobertura da pandemia? Eles estão se cuidando?
Caio Cavechini: É preciso um distanciamento um pouco maior para fazer essa reflexão. Existe até um instituto na Universidade de Columbia que pesquisa a saúde mental dos jornalistas, ansiedade, síndrome do pânico. Acho que sim, existem vários colegas mais ansiosos, com quadro de estafa por terem visto cenas marcantes e deparados com a impotência.
Glamurama: Você já acreditou em alguma fake news?
Caio Cavechini: Dessas mais flagrantes, não. Mas às vezes posso ter ficado em dúvida sobre o consumo ou não de algum alimento, não usar tal tempero ou alguma coisa assim que já tenha perguntado se é verdade ou não para uma fonte segura.
Glamurama: No documentário ‘Carne e Osso’ vocês vivenciaram a rotina dos frigoríficos brasileiros. Como foi essa experiência?
Caio Cavechini: O documentário tem esse compromisso de gerar engajamento e sensibilidade e ‘Carne e Oso’ foi exemplo disso. A gente tinha nas cidades do interior do Brasil uma explosão dos frigoríficos em condições precárias e a discussão sobre isso não tinha chegado ao grande público. Pouco depois, essa situação chegou ao Congresso, mas a gente achava que era um tema importante. Já estar dentro de um frigorífico foi outra questão, o fotógrafo e cinegrafista Lucas Barreto foi o único a entrar nos frigoríficos por questões de segurança, mas ele gravou intensamente em uma imersão aguda.
Glamurama: ‘Carne e Osso’ colaborou para a aprovação da Norma Regulatóra 36 (Segurança e Saúde no Trabalho em Empresas de Abate e Processamento de Carnes e Derivados). É para ter esse tipo de retorno que você escolheu fazer documentários?
Caio Cavechini: Não diria que foi por causa do documentário, pois já existia um debate, mas contribuiu. O documentário de atualidades busca temas que não estão no noticiário, mas são atuais. Exemplo, as hidrelétricas do rio Madeira mostradas no “Jaci – Sete Pecados de uma Obra Amazônica”. Este assunto específico passa por diversas questões desde ambientais, desenvolvimento até corrupção. Na mesma época das filmagens, a Lava Jato estava em andamento e investigava a corrupção em hidrelétrica por conta dos lobs das grandes construtoras, também toca em um tema muito atual. Em “Homens do Bem” seguimos os passos do Jean Willys; “Cartas para um ladrão de livros” foi lançado pouco antes do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, pegar fogo e a produção aborda também como o país cuida da própria história. Nosso objetivo é contar uma boa história e trazer o debate para as pessoas.
Glamurama: Falando em tema atual, “Marielle, o documentário” também foi dirigido por você. O nome dela é sempre polêmico. Na sua concepção, qual era o erro que não poderia cometer nesse trabalho?
Caio Cavechini: Como a polícia ainda não encontrou resposta satisfatória para o assassinato, não podia confundir o desejo de justiça com a história que estava contando. Era importante fazer uma reconstituição da vida dela, não só como homenagem, mas entender o que gerou isso, tentar tratar algum caminho dos motivos desse crime bárbaro. A vida dela poderia explicar um pouco, mas a gente teria que contar todo o percurso, e como foi um crime sofisticado, a polícia teve dificuldade na elucidação do caso e o jornalismo também foi levado a errar. Era importante refazer esse percurso sem dar um veredito, mesmo querendo justiça. Esse foi um trabalho em que tinha muito mais perguntas do que respostas.
Glamurama: Diante do trabalho, você acha que o assassinato da Marielle será 100% solucionado?
Caio Cavechini: Espero que sim, é uma resposta importante pro Brasil. Um crime político sofisticado, que marca a ascensão das milícias. É assustador que fique impune.
Glamurama: As pessoas ainda te reconhecem por causa do “Profissão Repórter”?
Caio Cavechini: Confesso que não, claro que sempre tem uma referência ao ‘Profissão Repórter’ que trabalhei por mais de uma década, mas eu fiz documentários que circularam por meios distintos por conta das temáticas diferentes. Em geral ninguém fala comigo na rua, mas quem me procura já é por ser documentarista.
Glamurama: Próximo trabalho?
Caio Cavechini: Tenho outros documentários para trabalhar, mas não posso falar nada. Quero seguir fazendo documentário porque é um campo importante para as plataformas e o público.
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