Da depressão ao descontrol freak no trânsito, passando por uma crise de ansiedade por não dar conta de ser tudo ao mesmo tempo. Especialistas falam dessas e outras neuroses da mulher contemporânea e afirmam que a mente feminina tem, sim, uma arquitetura particular. Mas veja lá: isso não quer dizer que elas estão descontroladas.
Em um vídeo que ficou famoso na internet, com mais de 2 milhões de visualizações, o humorista americano Mark Gungor expõe para uma plateia as principais diferenças entre o cérebro masculino e o feminino. Começa dizendo que o dos homens é dividido em caixas: uma para a mulher, outra para o trabalho, outra para o dinheiro e assim por diante. Cada uma dessas caixas é independente e o acesso a elas é feito de maneira individual. Por outro lado, o cérebro da mulher – ele continua explicando – é feito de um emaranhado de fios embaralhados, em que tudo está conectado. Filhos, marido, trabalho: tudo é pensado ao mesmo tempo e comandado por uma energia que chamamos de emoção. A analogia pode ajudar a entender as complicações da mente feminina, que, segundo especialistas, tem, sim, uma arquitetura particular.
Depressão, pânico, bipolaridade, fobias, transtorno obsessivo compulsivo, estresse pós-traumático, ataques de angústia e sentimentos intensos. Se essas palavras já não soam tão distantes como foram um dia, deve ser porque os temas passaram a ser mais discutidos entre as mulheres. Na televisão, por exemplo, nunca houve tantas personagens fortes com doenças mentais – caso das séries “Homeland”, em que a figura principal é a bipolar Carrie, “Girls”, que mostra a personagem Hannah com um quadro grave de TOC, e “Grey’s Anatomy”, no qual a médica Cristina Yang sofre de estresse pós-traumático depois de ter sido feita refém. Se puxar pela memória, vai perceber que essas doenças, antes, costumavam aparecer apenas em figuras masculinas para o grande público. Será que, finalmente, quebrou-se o tabu?
Na vida real, está cada vez mais comum encontrar mulheres com esses diagnósticos. Elas sofrem até duas vezes mais de depressão do que os homens e também são mais frequentemente acometidas por transtornos alimentares, de ansiedade ou somatização. Fica pior: mulheres tentam suicídio até duas vezes mais. Segundo o psiquiatra e diretor do Programa de Saúde Mental da Mulher, do Hospital das Clínicas, Joel Rennó Jr., há uma relação direta entre o ciclo re produtivo feminino e as doenças mentais. “Uma parte das mulheres é geneticamente predisposta a ter sintomas psíquicos em períodos de grande oscilação hormonal como pré-menstrual, pós-parto e perimenopausa (cinco anos antes da menopausa).” A ginecologista Albertina Takiuti diz que nessas fases a mulher sofre uma oscilação do estrogênio – responsável por organizar e aumentar a funcionalidade do sistema nervoso. “Esse cenário é cíclico e funciona como um gatilho de distúrbios mentais. Os conflitos femininos são agravados pela ação dos hormônios.” É por isso que uma simples discordância no trabalho pode se transformar em uma grande crise durante o período pré-menstrual. Ainda de acordo com a doutora Albertina, qualquer mulher sofre uma alteração hormonal de 10% a 20% todos os meses, podendo chegar a 40% em alguns casos. A TPM tem 155 sintomas cadastrados, desde mau humor básico até enxaquecas que custam a passar – é ou não é razão suficiente para que elas possam se queixar? E o problema é que elas não recebem o apoio que deveriam da sociedade. “Tem quem acredite que os efeitos são bobagens, mas eles são reais.” O aumento de peso na menopausa, na gravidez e na própria TPM gera uma situação de edema no corpo inteiro, até no cérebro. “Isso dificulta a disposição, a movimentação e a concentração… Elas não inventam os sintomas, são vítimas deles”, diz Albertina, que compara os hormônios femininos a um mar revolto e os masculinos a uma lagoa. Mas a biologia também pode ser aliada. “Esses mesmos hormônios protegem as mulheres de uma série de transtornos mentais graves, como autismo, esquizofrenia e tourette – doenças mais comuns em homens”, diz o psiquiatra Pedro Alvarenga.
Fatores sociais também influenciam a mente feminina. As mulheres de hoje querem ser tudo: atraentes, femininas, meigas, bem-sucedidas, independentes, mães, amigas. Verdadeiras supermulheres! “A conta não está fechando. Via de regra, elas estão insatisfeitas com a vida contemporânea”, afirma Alvarenga. “Além disso, a vida urbana vem proporcionando neuroticismo e reações agudas ao estresse.” É ou não é corriqueiro ver mulheres brigando no trânsito, se descontrolando em filas de supermercado e perdendo a linha no meio da rua por banalidades? Para o psicanalista Luiz Alberto Hanns, não há nem horas do dia nem sistemas nervosos capazes de dar conta de tudo. “Os homens também têm uma lista grande de pressões e dilemas, a diferença é que não tentam cumprir todos e não se cobram demais por deixar boa parte desatendida.” É aí que entra um terceiro e importante fator de desestabilização do universo feminino: a forma como lidam com a vida afetiva. “Nelas, as emoções afloram mais rapidamente e de modo mais intenso”, diz Hanns. É fácil perceber como se preocupam com mais coisas e se lembram de questões antigas com maior facilidade. “Ao pensarem em uma forte experiência do passado, revivem aquilo, voltando a chorar, ter raiva ou ficar enternecidas. Está tudo mais grudado à memória.”
Ser mais lábeis e emotivas, porém, não faz delas irracionais, loucas ou descontroladas. Pelo contrário: as mulheres são muito mais esclarecidas quando precisam enfrentar um tratamento. “Elas encaram o fato de tomarem medicamentos de longo prazo – ou pelo resto da vida – com mais facilidade”, diz Rennó. Também são muito mais preocupadas com a qualidade de vida e têm maior abertura para falar do assunto entre si, o que pode ajudar a resolver conflitos. Para a psiquiatra americana Julie Penzner, é importante saber que esses problemas não definem quem são essas mulheres. “As pessoas podem ser inteligentes, talentosas e ainda assim sofrer de transtornos mentais, isso não elimina suas forças.” E, convenhamos, um pouco de loucura é sempre saudável. “Há momentos de romper, de transgredir, de ousar, de errar terrivelmente, de ser inconsequente, enfim, de pirar”, lembra Hanns. Afinal, de perto, ninguém é lá muito normal. (Por Julia Furrer)