Eleito deputado federal pela primeira vez na onda do bolsonarismo, Alexandre Frota foi um dos principais operários no jogo de forças da Câmara no primeiro semestre. Tornou-se crítico feroz do presidente com sua voz grossa, acabou expulso do PSL e bateu asas para o ninho tucano de João Doria. De casa nova, não perdeu a acidez e apontou a mira para a direita. “Não fez bem para mim”
Por Dado Abreu para revista PODER
Diz-se que a decepção vem de quem menos se espera. Não parece este o caso do deputado federal Alexandre Frota, eleito com 155 mil votos pelo PSL e transformado em Judas por boa parte de seus incrédulos eleitores desde que soltou a voz grossa contra o governo Bolsonaro e bateu asas para o ninho tucano do PSDB a convite do governador João Doria. “Estou com 55 anos e não tenho mais tempo de chutar bola na trave”, explica ele, que teve o passe disputado em alto capital político por DEM, PRB, Podemos, PL, Patriota, PP e MDB. “O pessoal do Psol, com quem tenho boa relação, também pensou em me convidar porque eu bati no Jair mais do que eles”, brinca Frota, sobre os “adversários, não inimigos” de esquerda antes de subir o tom e falar sério sobre sua expulsão do PSL: “Fui eleito para lutar pelas coisas que acredito e isso tenho feito. Não fui mau-caráter com o presidente, não sou traidor, não votei contra, mas não posso compactuar com certas coisas. Para mim basta, hoje eu quero Bolsonaro longe de mim. É hora de o couro comer”.
Nem sempre foi assim. A lua de mel entre Frota e Bolsonaro, para usar uma metáfora conjugal como o presidente bem gosta, durou pouco mais de seis meses. No período em que o casamento prosperou o deputado, em seu primeiro mandato, vestiu a camisa do capitão – um tanto apertada, vá lá, em razão de seu 1,88 metro e 126 quilos – e como vice-líder do PSL comandou com extrema habilidade política a tramitação da reforma da Previdência. Com o presidente da Casa, Rodrigo Maia, com quem tem excelente relação, conduziu o diálogo entre Executivo e Legislativo e foi, contra todas as apostas, um dos principais artífices no jogo de forças da Câmara no primeiro semestre.
A foto do “Dia D” da aprovação do texto-base em primeiro turno comprova. Nela, Frota aparece comemorando em pé atrás de Rodrigo Maia na mesa diretora. Escolheu ficar ao centro da imagem, nem à direita, tampouco à esquerda. “Grudei nele quando percebi que a votação caminhava para o fim. ‘Daqui eu não saio, pensei’. Porque é uma imagem histórica, quero mostrar para os meus filhos, netos, vai estar nos livros.” Ele fez mais. Ator em 12 novelas, dezenas de filmes, entre eles alguns pornográficos para deleite de seus críticos moralistas, cuidou de toda a ambientação de cena. Naquela manhã de 12 de agosto, acostumado a chegar cedo no Congresso para se inteirar da pauta com seus assessores, pediu a um deles que comprasse centenas de bandeirinhas do Brasil. Escondeu-as numa caixa de papelão sobre uma das bancadas do plenário e quando a vitória era certa as distribuiu aos deputados favoráveis ao texto. “Nós com o símbolo maior do Brasil nas mãos e a esquerda segurando cartazinhos de ‘não à Previdência’. Quem está a favor do país?”, indaga. “O Rodrigo [Maia] vai me dever para sempre essa! (risos).”
Voz independente numa política cada vez mais sectária, no segundo turno Frota tomou a decisão de se abster da votação contrariando a orientação do PSL. Com o triunfo garantido, alegou protesto por ter sido retirado da vice-liderança do partido, no que acabou sendo a primeira retaliação da sigla pelas críticas abertas e em alto e bom som ao presidente Jair Bolsonaro. A decisão sumária veio poucos dias depois, com sua expulsão do Partido Social Liberal definida por unanimidade entre os nove dirigentes votantes. A justificativa, segundo Luciano Bivar, presidente do PSL, foi a de que o deputado feriu o regimento interno do partido. “Na realidade foi bom. Essa direita não me fez bem. Eu tirei um peso das costas em ter que trabalhar por esse governo que não sabe articular, era um fardo”, avalia Frota. “Construíamos muros dentro do Congresso e o Bolsonaro vinha e derrubava.
Repetidas vezes.” Repetidas vezes também foram as conversas do deputado com a reportagem de PODER nas últimas semanas. Do primeiro encontro durante uma deliciosa bacalhoada no restaurante La Tambouille, em São Paulo, à publicação desta entrevista, Frota trocou de partido, saiu e voltou das redes sociais, viu a Amazônia queimar, o acordo entre Mercosul e União Europeia naufragar, o governo entrar em rota de colisão com a França de Emmanuel Macron e Queiroz misteriosamente reaparecer. “Bolsonaro é uma fábrica de munição para o inimigo. Precisava, por exemplo, trazer à tona a história do pai do Felipe Santa Cruz [Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, morto pelo regime militar] ou dizer que comemoraria 1964 nos quartéis?” Embora discorde das atitudes do presidente, o deputado, sobrinho-neto do general Sylvio Frota (1910-1996), ministro do Exército no governo Geisel e com quem, diz, teve pouco contato, não crê que a ditadura tenha sido um período de “anos de chumbo”. “Tivemos sucessos em outros campos também.”
COACH FROTA
Quando chegou à Câmara dos Deputados, Frota pisou no carpete verde bastante desacreditado. Era o ator pornô, o homem-bomba. O protagonismo só veio depois da fatídica sessão da Comissão de Constituição e Justiça em que o ministro Paulo Guedes foi alvo de deputados de esquerda e chamado de “tchutchuca” por Zeca Dirceu, do PT. Quando o insulto aconteceu, o então vice-líder e maior figura, literalmente, do PSL intercedeu e, adotando táticas de futebol americano – esporte em que é bicampeão brasileiro pelo Corinthians –, colou no ministro e o acompanhou em retirada pela saída da sala. Como um segurança. Passou então a fazer parte do núcleo duro do partido e a gozar de boa relação com Guedes, o pivô forte do governo em tempos de estagnação econômica. E mais: a dar nome ao grupo de WhatsApp, “Coach Frota”, que incluía parlamentares do PSL, do centrão, e integrantes da linha de frente da equipe econômica na batalha pela aprovação da reforma. “Vamos lá, falta apenas um tempo de jogo, tá certo?! Agora é mão no peito e cabeça no queixo, vamos passar por cima igual a um trem. E vamos ganhar”, incentivou seus pares, via mensagem de áudio, na tarde da votação em segundo turno. Dito e feito. Touchdown e vitória retumbante do time reformista sob comando do coach Frota. “O pai da reforma é o Paulo Guedes, mas o Rodrigo Maia é o padrasto. Esta reforma só saiu porque nós, eu incluso, fomos os articuladores.”
A análise e o entendimento do jogo político por parte do deputado não condizem com a postura de um iniciante. Nem de longe. Para chegar a esse nível de conhecimento, Frota, desde que desembarcou em Brasília, tratou de usar o Parlamento para… Parlar. Nos primeiros 200 dias de mandato ele havia subido cerca de 150 vezes ao púlpito do plenário para dar o seu recado. Buscava se fazer ouvir e encontrar o seu espaço. Assim o fez e segue fazendo agora no PSDB, diariamente no contrafluxo de seus colegas. A labuta começa bem cedo. “Acordo às 4h30 e dou uma olhada na internet para ver o que está acontecendo. Depois vou ao parque e caminho por uns 40 minutos; deixei de ser refém do corpo. Volto para o hotel [Frota prefere o Nacional aos apartamentos funcionais], tomo banho, café e vou trabalhar. Chego no gabinete perto das 8h e me reúno úno com os assessores que me explicam, com requinte de detalhes, todas as pautas do dia.” Ele conta que se tornou referência para seus pares, que tiram dúvidas sobre os mais variados assuntos da agenda: “Vai votar como, deputado Frota?”, perguntam. O almoço é antes do meio-dia, para poder estar sempre entre os três primeiros inscritos nas sessões da Casa. “É bom falar, mas tem vezes que é melhor calar. Só o Jair Bolsonaro que não entendeu isso”, ataca o agora peessedebista.
ALMOÇO EM FAMÍLIA
“Bolsonaro é um cara muito inseguro, não à toa se cercou do Exército. Ele fala que vai colocar a camisa do Flamengo para ir ao Maracanã, mas se alguém com coragem o questionar, por qualquer motivo, ele muda de ideia e sobe a rampa do estádio com a torcida do Fluminense.” A alegoria futebolística, outra das prediletas do presidente, serve para Frota falar sobre as influências externas do governo. Com relação a principal delas, que aponta para os filhos de Bolsonaro, ele lembra de uma história pitoresca quando almoçava no palácio com o presidente e o general Santos Cruz (ex-ministro da Secretaria de Governo) e o assunto dos filhos veio à mesa. O presidente, então, pediu a Frota que explicasse ao general que tudo não passava de “intriga da oposição”, que os herdeiros não iam ao pai diariamente dar pitacos sobre os rumos do governo e… “No exato momento em que ele falou isso o Carlucho [Carlos Bolsonaro] bateu na porta. ‘Oi, pai. Tudo bem?’. Na mesma hora, cara! No timing perfeito, parecia deixa de novela”, ri. Carlos, o Zero Dois, é vereador da cidade do Rio de Janeiro.
Alexandre Frota ainda fez críticas à indicação do nome de Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, à Embaixada dos Estados Unidos. A possibilidade enfrenta resistência do Congresso e na opinião pública. “Não tenho nada contra ele. Mas acho que há profissionais, diplomatas, pessoas de carreira que estão lá há mais tempo e que deveriam ter a oportunidade”, argumenta. “Pode não ser nepotismo, talvez, mas com certeza não é a nova política.” Outro alvo é Olavo de Carvalho, figura controversa e de voz ativa, guru do presidente Bolsonaro, a quem Frota costumou chamar de “Jim Jones brasileiro” em referência ao fundador e líder do culto Templo dos Povos, famoso nos anos 1970 devido ao suicídio/assassinato em massa de 918 dos seus membros na Guiana. “Olavo não é escritor, não é filósofo, não é nada. É só um maluco, um charlatão respeitado pelo Jair. Não dá para entender, é um desastre.” Nas redes sociais, é comum embates entre Frota e Olavo com troca de jargões chulos e longe do decoro. Segundo Frota, que faz questão de cuidar da sua própria conta no Twitter, faz parte da tática olavista. “Primeiro ele esculacha quem ele quer derrubar, depois vêm os micos amestrados dele e metralham nas redes sociais e, por fim, entra o rei e manda embora de um jeito absurdo. É um governo paralelo. Se eu soubesse que estaria colocando no Planalto o Olavo de Carvalho, eu não teria votado no Bolsonaro”, afirma.
O arrependimento não matou o deputado, mas o ensinou algumas lições no convívio próximo com o presidente. Ingratidão, segundo Frota, é a principal delas. “Bolsonaro é um cara que te usa e depois descarta. Em quem não se pode confiar, não cumpre o que fala, não cumpre promessas. Tem o ego inflado e a cadeira de presidente ficou enorme para ele.” Mas os tempos são outros. Alexandre Frota agora se diz feliz e honrado com o convite do PSDB e espera escrever sua história no partido como os velhos caciques tucanos – ainda que alguns torçam o bico para sua chegada, FHC incluso. “Vejo um partido renovado com o João Doria. Nem me interessa o PSDB do passado, assim como eu não posso passar uma borracha no meu passado. Sei que sou odiado por muitos, também amados por tantos, mas acima de tudo respeitado por todos. Não vou adotar falsa modéstia.”