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Beki Klabin na cobertura de seu apartamento na avenida Vieira Souto, no Rio de Janeiro, em 1974

Por Renato Fernandes para a Revista J.P

Locomotiva dos anos de 1970, Beki Klabin deixou suas marcas no hi-society carioca pela autenticidade. Recebia mais do que frequentava, falava – e comprava – o que desse na telha e caiu no samba quando o assunto não era moda na zona sul carioca. Também ganhou fama por seus casos de amor que incluíam desde empresários poderosos ao rei do brega, o cantor Waldick Soriano

Bomba, bomba! No dia 12 de maio de 1972, a revista “O Cruzeiro” trazia em sua capa uma foto de um casal bastante inusitado: Beki Klabin e o cantor mais brega de todos os tempos, Waldick Soriano, chamado de “O Frank Sinatra do Nordeste”. Beki abalava nas colunas sociais: mais que socialite, era uma diva. Em seu apartamento carioca na rua Viera Souto, por exemplo, tinha um quarto apenas para se maquiar, aonde comandava as luzes da penteadeira com os pés. Nunca foi bonita – para muitos era feia –, mas dinheiro nunca lhe faltou. Já Waldick triunfava nas rádios e programas populares de auditório, soltando a voz com “Eu Não sou Cachorro não”, clássico de sua autoria. Sempre de paletó, chapéu e gravata escuros, inspirava seu estilo no filme “Durango Kid”, no qual o personagem usava tudo preto e tinha um cavalo alazão de cara branca. As pessoas não entendiam o sotaque do artista nascido em Caetité, no sertão da Bahia, perto de Minas. “Minha mãe é mineira e eu nasci no barranco de Bahia com Minas. Muita gente pensa que sou pernambucano ou gaúcho, entendem?”, disse ele em sua antológica entrevista ao jornal “Pasquim”, em junho de 1972. Antes de alcançar o sucesso, o cantor fez de tudo: foi peão, motorista de caminhão e sanfoneiro. Na década de 1970, já famoso, morava na Ilha do Governador e tinha, na garagem, um Impala vermelho chamado “O Jatão da Sadia” e um Oldsmobile apelidado de “Branca de Neve”.

A DIVA E O JECA

O encontro dos dois só poderia render vendaval na imprensa. Se conheceram no programa do Chacrinha – Beki no júri, Waldick no palco. O flerte resultou em bons frutos: ela conseguiu fechar a disputada casa Flag do Rio e de São Paulo para ele se apresentar. De chapéu e brilhantina, Waldick Soriano conquistou o hi com seus boleros. Na plateia carioca, os Padilhas, os Marcondes Ferraz, os Guinles, além de Carlos Imperial, Nelson Mota e o empresário Marcos Lázaro. Até mesmo o embaixador e a embaixatriz de Portugal foram conferir.

No mesmo ano, Beki surgia com uma luxuosa fantasia na avenida Rio Branco, como destaque da Portela. Mais um escândalo da “Locomodiva”. Isso porque, naquela época, o hi-society e o Carnaval não compartilhavam a mesma alegria. “Na verdade, no final dos anos 1960, a classe média começou a frequentar as quadras das escolas de samba. Até então, isso realmente não acontecia. Em 1972, a Portela inaugurou o Portelão no Mourisco, em Botafogo, local de ensaios que serviu para aproximar os públicos. É inegável que Beki ajudou abrindo caminho para outras”, diz o jornalista Carlos Sampaio, especializado em samba. Apesar de não ter sido a primeira socialite a desfilar (esse título foi de Regina Esbernard), Beki ganhou capas de revistas e, em entrevista à “Fatos & Fotos” de fevereiro de 1974, declarou: “Não tenho culpa de viver na Zona Sul e gostar de samba. Como a Zona Norte não tem culpa de gostar de iê- iê- iê”.

Ela adorava tanto as cores da avenida que chegou a pedir para seu amigo Luiz Fernando Redó que decorasse sua cobertura de 400 metros quadrados com os tons da escola, azul e branco. Nas paredes, um Portinari de 1,80 metro de altura, três Di Cavalcanti e vários Lasar Segall. O azul prevalecia também em seu guarda-roupa, repleto de Geoffrey Beenne, Guilherme Guimarães e Chanel. Beki amava sapatos e sandálias de plataforma de saltos altíssimos, tinha vários pares de Manolo Blahnik. Era baixinha – media 1,50 metro de altura – e não largava a piteira: fumava três maços de cigarro por dia. Da avenida se despediu em 1978, quando decidiram colocar os destaques em carros alegóricos. Não quis.

O jornalista e apresentador Ibrahim Sued era outro que não poupava elogios. “Beki, sem ser bonita, é das mulheres mais fascinantes que encontrei na vida, muitos se apaixonaram por ela, e ela, por sua vez, não hesitou diante de experiências tórridas ou simplesmente pitorescas como era essa de ser destaque em escola de samba”, conta ele no livro “30 anos de Reportagem”.

Quanto ao poder de Waldick Soriano na música popular brasileira, o produtor musical e escritor Rodrigo Faour é categórico: “Ele é aquele tipo de artista ultrapopular que cantou a vida inteira músicas românticas, sem a menor sofisticação, mas que sabia falar direto ao coração humilde do brasileiro. Pessoalmente, considero seu repertório muito repetitivo, com arranjos sempre parecidos. Há quatro músicas que se sobressaem em relação às demais: ‘Eu não sou cachorro não’, ‘Você Mudou Demais’, ‘Paixão de um Homem’ e a obra-prima ‘Tortura de Amor’, uma pérola sofisticada em meio às agruras amorosas de suas letras, turbinadas pela aspereza de sua voz”, conclui Faour. No quesito namoros, Waldick também teve seu nome associado a um romance com a dama dos boleros Claudia Barroso. “Eu e Waldick éramos da mesma gravadora, a Continental, e foi com uma música dele, ‘Você mudou demais’, que estourei em todo o Brasil. A própria gravadora criou esse romance com nossa autorização, claro. Foi um golpe de marketing perfeito, pois ficamos conhecidos do Oiapoque ao Chuí”, diz Claudia Barroso com exclusividade para J.P, direto de Fortaleza. Uma coisa é fato: tanto Beki como Waldick eram apaixonados pelo amor. Detalhe: Beki era alucinada pelo cantor Charles Aznavour, a ponto de segui-lo em turnês pela Europa. Certa vez, Aznavour interrompeu um show para agradecer a presença da mulher que mais gastava com ele, Beki Klabin.

CASO DE POLÍCIA

Nascida em Istambul, onde seu pai, José Alfasso, tinha um moinho de farinha, Beki veio com a família para o Brasil. Radicada no Rio de Janeiro, ela entrou para as colunas depois de casar com o industrial Horácio Klabin, com quem teve dois filhos: Claudio e Paulo. Horácio Klabin era conhecido por seu porte físico, charme e discrição. E, mesmo depois de separados, continuaram amigos íntimos, se falavam diariamente, inclusive sobre seus respectivos casos. Foi deles a ideia de trazer ao Brasil o nosso primeiro cartão de crédito, o Dinners Club, ajudando Klabin a solidificar sua fortuna. Com a vida garantida, Beki fez das joias uma de suas grandes paixões. Do tipo excêntrica, ela costumava dar nome às suas peças mais valiosas. Tinha um diamante batizado de “O Poderoso Chefão”, uma esmeralda apelidada de “puta arrependida” e por aí vai.

Aliás, foram as joias que, em 1978, levaram Beki e seu namorado na época, o cirurgião plástico Hosmany Ramos, para as páginas policiais. Depois de se conhecerem em uma pizzaria na Zona Sul, os dois viveram dois anos juntos na maior sintonia. Ela logo fez plástica no rosto com ele, claro, e desfilava por todos os cantos como um cartão de visitas. Uma noite, no entanto, ao chegarem à sua cobertura na Avenida Vieira Souto, em Ipanema, Beki descobriu que um ladrão havia roubado todas suas joias – e nada de Hosmany. Ela não fez boletim de ocorrência, mas, no dia seguinte, mandou trocar todas as fechaduras do apartamento e nunca mais deixou Hosmany entrar. Dizia a todos que ele era o ladrão, mas o hi carioca custou a acreditar. [Hosmany foi condenado, em 1981, a 53 anos de prisão por roubo de aviões, contrabando de automóveis e pelo assassinato de duas pessoas, e a mais 30 anos pelo sequestro de Ricardo Rennó, em 1996.]

Não demorou muito para Hosmany, que usava sapatos de plataforma para ganhar altura, valise Gucci e caneta de ouro na camisa, encantar uma jovem carioca cocadinha: Vera Bocayuva. Figura marcante do Country ao Arpoador, Vera Boca, como era conhecida entre os íntimos, chegou a posar apenas com casaco de pele para a revista “Town and Country” e,  nua, submersa numa piscina, para a “Homem” (futura “Playboy”). Isso foi em julho de 1976, quando ela chegou ao Brasil depois de uma temporada trabalhando na maison de Yves Saint Laurent, na França. “O homem brasileiro é ciumento, paquerador. É bem diferente de outros países, para melhor. E a diferença está na alegria”, dizia ela. Talvez tenha sido a alegria de Hosmany que encantou a jovem, mas ela também levou um truque do “Dr. Bandido”, preso até hoje. O médico trocou o fusquinha que ela tanto gostava por um Gol. Na hora, Vera Boca adorou, mas só depois se deu conta de um detalhe: o carro estava no nome dele. Não à toa, Beki passou a dizer para seus amigos mais próximos: “Eu avisei!”.

O círculo íntimo de Beki, vale dizer, era formado por Evinha Monteiro de Carvalho, Bibi Ferreira, Tereza Souza Campos e Hebe Camargo. Era categórica: não gostava de lésbicas. Mas amava os gays e travestis. “Apesar de milionária, tinha a pontualidade de um operário. Fazia questão de receber um cachê de 500 cruzeiros por semana em um programa de televisão e gastava em cada roupa que usava muitos milhares de cruzeiros”, escreveu Cidinha Campos sobre ela na “Fatos & Fotos” de fevereiro de 1974. A conclusão: “Beki nunca demonstrou mau humor, cansaço, preguiça ou pressa”.

PRETO TOTAL

Em uma das reformas de seu apartamento, Beki chamou novamente o decorador Redó, mas dessa vez queria tudo em vermelho e preto. Tanto fez que conseguiu uma tela de Tomie Ohtake nas duas cores. Para a inauguração da penthouse repaginada, fez um jantar. Entre os convidados, estava Waldik, que foi categórico ao ver os quadros: “Gosto do preto!”.

Outro amigo que a adorava era Fernando Bicudo, “muso do verão” de 1987. “Beki era uma pessoa generosa, muito além dos padrões da época. Ela era realmente uma diva hollywoodiana, adorava ser o centro das atenções.” Certa vez, ela e Bicudo foram a um show no Canecão em seu Rolls -Royce da década de 1950. Ela tratou de colocar o motorista vestido a caráter, de quepe e tudo. Dias depois, as fotos dos dois estavam em todas as colunas do Rio. “Ela quebrava convenções, era divertida, glamourosa, queria ser uma Judy Garland”, diz hoje o diretor de ópera.

Beki Klabin não conseguiu ser atriz, nem tampouco manequim, seu sonho, porém, seu desejo serviu de inspiração para uma das personagens vividas por Tônia Carrero. Gilberto Braga nunca escondeu que Stella Simpson, papel de Tônia em “Água Viva”, tinha toques de Beki – ela chegou a dar pinta na novela como convidada especialíssima. No cinema, também alavancou suas pontas. Quando Ibrahim Sued se aventurou como produtor, fez questão de tê-la no elenco de “Roleta Russa”, de 1972. Ela ainda participou de outros filmes, inclusive “Paixão de um Homem”, que tinha Waldik Soriano como protagonista. “Ele saiu de seus ócios de cantor popularesco para aparecer em filmes. Era o filão jeca citadino ganhando espaço a partir deste filme tão ruim quanto a de seu emulo e, igualmente, muito ruidoso”, diz Salviano Cavalcanti  de Paiva em seu livro “História Ilustrada dos Filmes Brasileiros”.

Até hoje, reza a lenda que o encontro dos dois foi pura publicidade, mas há quem realmente acredite que o caso perdurou anos. Em 2007, o cantor foi homemageado pela atriz Patricia Pillar, que dirigiu o documentário “Waldik – Sempre No Meu Coração”. A obra revelava a angustia, velhice e solidão do artista. “Ainda não sei o que é essa tal felicidade”, disse ele, que faleceu de câncer no ano seguinte. Beki Klabin morreu depois de sofrer um aneurisma cerebral em 2000, aos 79 anos. Certa vez, questionada por que gostava de sair nas escolas de samba e aparecer, foi enfática: “Solidão”.

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