Carlinhos Brown abriu o coração e falou pra gente sobre “julgar” pessoas com mais talento que ele no “The Voice”, sobre o medo que tinha dos filhos serem sequestrados, sobre mágoas do passado… “Muita gente me via como um cara louco, até drogado”. O cantor também falou de uma resignação quanto a seu futuro. “Não posso culpar as pessoas por não terem me alcançado. Se a música já não corresponde ao meu desejo, busquei outros caminhos. Busquei a pintura… Isso não significa que é um abandono do segmento, mas é um recado. Eu sei que às vezes a verdade dói”. A entrevista completa aqui embaixo! (por Michelle Licory)
The Voice, nova temporada: “Como vou tecer uma opinião sobre algo que me supera?”
Carlinhos Brown é um dos jurados da competição musical, ao lado de Ivete Sangalo, Michel Teló e Lulu Santos. “No programa, todo o tempo nosso talento é superado pela atuação de pessoas que você nunca viu… A gente se depara com cantores melhores do que nós. Esse é o desafio: como vou tecer uma opinião sobre algo que me supera? A gente tem que buscar nos nossos defeitos algo pra acrescentar e assim desenvolver vozes, e torna-las mais seguras também”.
Por que o programa não é uma fábrica de estrelas da vida real?
Glamurama fez a pergunta aqui em cima para o baiano. “A expectativa de se transformar em estrela é muito pessoal. Esse coletivo relata outra coisa. O programa publicita o talento, apresenta esse talento e busca, dentro de uma capacidade técnica, aprimorar aquele artista o máximo possível. Os maiores produtores do Brasil estão no ‘The Voice’. Hoje existe uma coerência e o entendimento de que não é o programa que fabrica estrelas. Ele expõe, mas quando acaba os artistas sentem falta desse braço da comunicação, que a exposição [de mídia] continue ao lado deles. E os meios de comunicação estão sempre atrás do top, do nome do momento. Talento é uma coisa, fama é outra. Por exemplo: hoje eu tenho muito mais segurança do meu talento e, por outro lado, dos views que não me viram”.
“Criei o axé music, um movimento que reafricanizou a América Latina como um todo”
“Levou 7 anos de ‘The Voice’ pra gente se falar [em uma entrevista promovida pela Globo]. Toda vez que tinha essa oportunidade, vocês, jornalistas, estavam focados em outros assuntos. Hoje eu já mereço isso, o que me dá o sentimento de que um dia as coisas estarão no meu caminho. Claro que a vida não tem muito tempo para esperar que tudo se ordene, se organize. Eu entrei no ‘The Voice’ como alguém que falava muito, perdia tempo, ficava chato. Estava difícil a compreensão do que eu me propunha a dizer… Mas foi um convite corajoso que recebi e me propus a ser diferente do que eu via em programas de TV. Queria tecer comentários positivos, e não gerar comentários derrotistas para as pessoas. Todos que se expõem, é pela necessidade e pelo desejo de aprender… Tive oportunidade de mostrar o que faço há 35 anos e as pessoas conhecem como movimento axé music. Eu tinha 17 anos quando criei o axé music ao lado de Luiz Caldas, um movimento que trouxe Ivete, Claudia Leitte e reafricanizou a América Latina como um todo”.
“Não considero isso preconceito. Considero uma ignorância real”
Brown falou de seu passado e de alternativas que foi buscar por achar que no Brasil ele não é valorizado como gostaria. “Já enfrentei momentos de um Brown editado, de um Brown a partir da visão do outro. Sempre tive muita energia… Muita gente me via como um cara louco, até drogado. Foi uma imagem que ficou da figura de um negro cantor brasileiro, rastafari, que sempre estava fora dos padrões. Não considero isso preconceito. Considero uma ignorância real. Mas eu tinha confiança no que eu acreditava, no entendimento do que eu queria como carreira. Sempre fui muito seguro, tanto que sempre me desafiei. E continuo me desafiando. Minha melodia hoje escorre por tintas [ele virou pintor], mas anda muito bem, e muito segura. Vou fazer uma exposição enorme agora em Madri, convidado por uma multinacional. E também vou participar de um outro evento na Espanha… Os reis dom Felipe e dona Letícia sempre me apoiaram, desde quando eram príncipes. Então toda tampa tem sua panela. Sempre tive segurança em quem me enxerga”.
Chico Brown e seus outros filhos
Sim, o músico é coruja com sua prole. “Todo artista descobre seu próprio caminho. Como pai, procurei preparar melhor meus filhos. Eu não estudei nenhuma escala musical. Tive que aprender no ouvido. Meu filho Chico nasceu com ouvido absoluto, isso é incrível, mas ele foi a escolas… Já é um update na família. Chico Brown tem o DNA de seu Francisco [Chico Buarque, avô dele], que é maravilhoso. E tenho outros filhos de muita capacidade e talento. A Nina, que mora nos Estados Unidos, tem um trabalho com 20 milhões de acessos. Mas às vezes acho desnecessária essa exposição. Eu tinha medo de sequestro, a gente viveu isso uma época. Por isso nunca usei meus filhos para sustentar nenhum tipo de imagem. Mas eles têm vocação… O Miguel é o maior baterista do Brasil. Quem quiser confirmar, pode chamar os outros bateristas. Ele chegou em um nível técnico muito apurado. Sou professor de música e digo que nunca exigi isso dele”.
“Quanto tempo levou para compreenderem ‘a namorada tem namorada’?”
Brown protege seus filhos da cobrança por fazer sucesso? “O sucesso é fazer bem o que se faz. A percepção alheia vem da curiosidade e nem todo mundo tem alcance para um talento. Não temos que cobrar isso, o sucesso, porque às vezes leva tempo. Quanto tempo levou para compreenderem ‘a namorada tem namorada’? E parecia uma coisa banal… Isso foi um discurso do axé music, não da Tropicália. Não sei se é careta ou estranho, mas a música perdeu muito do seu discurso”.
“O mercado que se encontre porque foi ele que errou”
Comentamos com ele sobre uma impressão de melancolia que ficamos ao assistir há alguns meses a uma entrevista dele no “Fantástico” dizendo que ia desistir do Carnaval. “Melancolia? De forma nenhuma. Um homem que pinta mil quadros? A indústria somos nós. Eles são o mercado. Quem está perdido é o mercado, não a indústria. Em oito dias, escrevi uma média de 40 canções. Se você quiser, lhe deixo tudo escrito. Quem está com problema é o mercado. A indústria está a todo vapor. E o mercado que se encontre porque foi ele que errou. Nós não erramos. Nós estamos prontos para agir. Não podemos confundir: nós somos a indústria”.
Revolta da caxirola – aka Lava-Jato
Brown quis contar um episódio sobre seu trabalho como artista plástico no Brasil. “Criei o olhar que ouve… Nenhum olhar percebeu porque foi exposto no Palácio do Planalto e, quando terminei a última instalação, o palácio foi cercado por muitos índios e todo mundo parou na caxirola [instrumento musical que Brown criou para ser símbolo da Copa do Mundo do Brasil, em 2014]. Hoje eu posso chamar de revolta da caxirola o que todo mundo chama de Lava-Jato. Eu tenho um título popular para esse momento porque eu vivi”. Entendeu, glamurette?
“Nem todos os views conseguem nos ver”
Sobre a importância da representatividade… “Não vejo como representatividade eu estar no ‘The Voice’, mas, sim, vejo a participação de um personagem como eu como exemplo, feito com responsabilidade. Ali é um sonho, posso ser editado e parecer legal. A verdade é como eu me comporto. Eu sou um artista analógico. Enquanto analógico, continuo sendo uma realidade. É importante não surtar com a moda, e sim surfar com as oportunidades, estar atento à realidade… Continuo dizendo: nem todos os views [de redes sociais, YouTube e afins] conseguem nos ver”.
“… então eu preciso voar”
A entrevista já tinha acabado, Brown já tinha ido embora. Mas decidiu voltar para nos responder melhor sobre o desabafo no “Fantástico”. “Em 40 anos de Carnaval, considero que dei minha contribuição para a Bahia e para o Carnaval como um todo. Fui um músico que lutou muito para que a rua se organizasse. No momento em que me sinto reforçado por tudo isso, eu também ganhei uma segurança de escolher. Não posso culpar as pessoas por não terem me alcançado. Eu, sim, busquei tudo que almejava. Se já dei pontos extremamente positivos na música e a música já não corresponde ao meu desejo, busquei outros caminhos. Busquei a pintura… Isso não significa que é um abandono para o segmento, mas é um recado. E eu sei que às vezes a verdade dói. Mas não é frustrante pra mim não ter sido aproveitado como artista no Brasil porque fui aproveitado em grandes palcos. Acho que o país é que deve repensar sobre isso, sobre como cuidar dos seus artistas. Mas me considero muito bem sucedido, não só no Brasil: o mundo tem me dado respostas incríveis. Hoje sou embaixador da cultura iberoamericana, então eu preciso voar”.
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