por Chico Felitti para Revista Joyce Pascowitch
Uma mulher acorda na cama, assustada. Levanta uma arma junto com a cabeça, e descobre que não tem ninguém no quarto. Está só assustada. Conta para o espectador que fez 15 roubos com o amor da sua vida, mas que ele morreu na última empreitada.
Parece a primeira cena de A Casa de Papel, série espanhola da Netflix que encontrou no Brasil seu mercado de maior sucesso. Mas é só o início de A Casa de Raquel, um pornô filmado em Interlagos e na Vila Mariana, em que os atores usam a mesma máscara de Salvador Dalí que os criminosos da série de ficção – mas tiram os macacões vermelhos de um jeito que não acontece na série.
“Ficou legal, não ficou?”, pergunta um homem diminuto de camisa rosa de bolinhas, que mostra a cena no seu celular na mesa de uma padaria na Praça da Árvore. Foi ele quem fez o filme: aos 40 anos, Fábio Silva é um nome que está levando o mercado pornográfico brasileiro para o futuro. Ex-ator pornô, ele migrou para trás das câmeras e, nos últimos anos, vem aproveitando temas do dia para seus filmes. O mais recente, de junho, é a sátira de A Casa de Papel.
A produção tem tons cômicos. Se em A Casa de Papel os criminosos usam codinomes de cidades, como Tóquio, Nairóbi e Rio, em A Casa de Raquel eles são substituídos por versões brasileiras como São Paulo, Brasília, Vitória, Curitiba e Fortaleza. Na hora de batizar a gangue, atriz da versão pornô sugere: “Eu vou ser a meia nove!”, sem entender que a proposta é dar um nome de cidade. O próprio Fábio Silva faz uma ponta na produção, como pai da heroína.
18 ANOS DE PORNÔ
Binho, como é conhecido, começou como ator sexual, em 2000, aos 22 anos. “Foi do nada, uma vizinha estava atuando e eu fiquei sabendo. É aquela coisa de moleque, parece um sonho.” Sua estreia no ofício foi durante um filme de Carnaval – essas produções, que existem até hoje, consistem em uma dúzia de atores e metade desse número de atrizes fechados em um salão com muito confete e serpentina, mas nenhuma roupa.
Depois, fez um personagem que chamava Ted, “o terror das empregadas domésticas”, na produtora Hard Sex. O epíteto parece absurdo em 2018, e nunca seria aprovado (ou, se fosse aprovado, seria espinafrado nas redes sociais). Mas vingou na década de 1990. Binho fez 88 DVDs como Ted, entre eles Ted e as Gordinhas e Ted e as Coroas.
Na época, ele alcançou um nível mediano de estrelato. Com sua baixa estatura e o corpo de “homem real”, ele vendia mais do que o do Kid Bengala que custava cinco vezes mais. Mas o mercado começou a afundar como um todo. “Fui um dos primeiros a ir para a internet”, orgulha-se. Em 2008, fez o site Binho Vídeos, para compartilhar as suas cenas. Mas, meses depois, os vídeos já haviam se disseminado pela rede, e ele desistiu.
Em 2010 parou de atuar. “A idade foi chegando, não tinha aquele pique. Gravava 20 minutos e já ficava sem ar”, diz ele, enquanto brinca com um Marlboro vermelho aceso entre os dedos. Passou a se dedicar apenas a produzir e dirigir seus filmes. “E os que mais bombam são os de sátira.” Tudo começou na tentativa e erro. Em 2016, Binho lançou uma versão de Forrest Gump. O filme de Tom Hanks, que no Brasil ganhou o subtítulo O Contador de Histórias, virou O Comedor da História na versão pornô. Sua carreira decolou. Fez tanto sucesso que lhe rendeu o prêmio de melhor diretor em uma premiação da Sexy Hot.
Meses atrás lançou Uber XXX da Paty. O roteiro, que pega carona no aplicativo de transporte, tem uma história mais sucinta que uma calcinha fio-dental: “Sujeito chama um Uber. Patricia Kimberly chega só de biquíni. Aí, ela dá atendimento preferencial”, explica o diretor.
Ia também fazer uma versão de MIB – Homens de Preto. Chegou a comprar armas de brinquedo e pintá-las de prata. Mas os efeitos especiais necessários para que seu pornô lembrasse o filme de Will Smith, um agente do serviço secreto que administra alienígenas na Terra, eram proibitivos. “Tudo muito caro. Não tenho dez paus pra gastar com isso.” Uma produção dele custa menos que um carro usado. O lucro, diz ele, vem da venda dos direitos de veiculação de suas produções. A Casa de Raquel, por exemplo, está disponível no site Teste de Fudelidade e no canal de TV por assinatura Sexy Hot.
Ofereceu também aos canais um roteiro chamado Soraya Carioca e os Sete Anões, protagonizado por uma das maiores estrelas do metiê no Brasil. Mas os canais não aceitam mais filmes com pessoas pequenas.
Pergunto se Binho não tem medo de processo. “Olha, até agora não estou com medo não. É uma homenagem.” Outras produtoras já arranjaram encrenca por menos. A Brasileirinhas registrou, em 2017, as marcas SexFlix e PornFlix. Poucas semanas depois, recebeu uma notificação da Netflix, que a acusava de ser “uma imitação das marcas Netflix e, dessa forma, violam os direitos sobre as marcas da notificante”.
LEVA O DOBRO
Geralmente, Binho faz um filme em um dia. Mas esse cronograma não vale para cenas com diálogos complexos, como as sátiras de A Casa de Papel. “Só os nove minutos iniciais que a gente filmou em Interlagos levaram um dia inteiro”, diz ele. É um desafio dirigir a dramaturgia de profissionais que estão acostumados mais a grunhir do que a decorar falas. “Às vezes fala dez vezes e não sai como a gente quer. Fazer o quê?”
O resultado salta aos olhos. Falas como “Quem é você, da polícia?” são ditas com a naturalidade que se espera de alguém que nunca fez teatro. E a inovação não vem só na temática. Também chega à cenografia. “Procuro não gravar em cama. Se gravar a cena em cima de um fogão, vai chamar mais atenção.” No fim, cada cena é feita ao menos duas vezes, já que Binho é o único cinegrafista, e precisa primeiro filmar o plano, depois o contraplano.
Por mais que não tenham o dom de uma Fernanda Montenegro, as artistas dos seus filmes acabam recompensadas com reconhecimento. Elisa Sanches, que ganhou o prêmio de revelação do ano, e Mirella Mansur. As duas já foram convidadas a atuar no México, onde são centralizadas as produções americanas (nos EUA, o uso de camisinha em cena é obrigatório).
“Eles ficam inseguros e acham cansativo. Mas, depois que veem o resultado, acham legal”, diz. As atrizes da sátira da Netflix haviam passado o fim de semana na sua casa, para ver o filme editado. Mas tudo com muito respeito, afirma.
Binho chega ao sétimo ano de casamento, tem um número de filhos que prefere não revelar. “Tem de 4 a 24 anos. E já são dois netos.” A mulher não era do mercado antes de conhecê-lo, mas não o julga. Até porque acabou entrando para a fábrica de pornôs: maquia as atrizes, ajuda nos roteiros e dirigiu Massagem Excitante.
Juntos, os dois vão continuar produzindo pornôs com histórias contemporâneas. Uma pesquisa encomendada por canais pornô aponta que a maioria dos assinantes é mulher. “A gente discorda. Eu acho que o cara assina no nome da esposa.” Mas, pelo sim, pelo não, está investindo em filmes com histórias e cenas sem sexo. “É a tendência que a mulher tende a gostar mais.”