Por Márcia Rocha / Fotos André Giorgi para a revista PODER de março
Por mais clichê que possa parecer, é difícil ver Nathalia Timberg sem ficar de queixo caído ao se dar conta que você está cara a cara com uma lenda viva da teledramaturgia brasileira – tal e qual seria com Fernanda Montenegro, Laura Cardoso, Beatriz Segall ou Eva Wilma, só para citar alguns nomes. Essa última, aliás, esteve no Teatro Porto Seguro, em São Paulo, para prestigiar a amiga no encerramento de “Chopin ou o Tormento do Ideal”. Dirigida por José Possi Neto, a peça, que foi sucesso de público e rodou algumas cidades brasileiras, tem apenas Nathalia e a pianista Clara Sverner no palco.
Enquanto relembra os últimos 20 anos da vida de Frédéric Chopin – às vezes como o próprio e em outras como pessoas que conviveram com ele, caso de George Sand e de Franz Liszt, entre outros – Clara toca em um piano de cauda músicas criadas por Chopin na época em que os fatos relatados ocorreram. “As falas iniciais da peça são de Liszt, de quando ele ouviu o primeiro grande concerto de Chopin na França. Eles se tornaram grandes amigos”, conta Nathalia. E continua: “Sabe o que Schumann [Robert Schumann, renomado compositor e crítico de música alemão] disse quando Chopin morreu? ‘A alma da música andou pela terra’. Não é lindo?”, pergunta, com os olhos brilhando. E eles brilham ainda quando ela fala sobre a troca com o público durante as apresentações. “Fiquei encantada com a qualidade do silêncio. Não era um silêncio opaco, mas o de quem está extasiado, absorvendo tudo o está vendo e ouvindo”, comenta. Ao fim do espetáculo, o público, que, segundo ela, tem gente de todas as idades, começa a aplaudir timidamente e, depois, como se as pessoas estivessem saindo de um transe, as palmas explodem, todos se levantam e, não raro, vários “bravo” acompanham os aplausos.
Aos 88 anos, Nathalia está mais entusiasmada do que nunca com seus projetos no teatro. Tem vários na manga. Deve repetir a parceria no palco com o ator e diretor Wolf Maya [o dois atuaram juntos em 33 Variações, música considerada uma obra-prima de Beethoven que compôs esse número de variações para uma valsa quando começou a ficar surdo]. “Foi maravilhoso porque resgatamos um ator que estava totalmente envolvido com a direção”, comenta Nathalia. Também está em seus planos ser dirigida por Maria Maya, sua afilhada e filha de Wolf. Mancando um pouco, comenta que quebrou o joelho na temporada carioca de O que Terá Aconteci¬do a Baby Jane?. Nathalia substituiu Nicette Bruno e atuou ao lado de Eva Wilma, interpretando Blanche Hudson. Como sua personagem usava cadeira de rodas, não precisou parar de trabalhar.
Ela diz ser “a pessoa mais acidentada que existe” e, sem adotar um tom queixoso, começa a discorrer sobre os problemas de saúde que enfrentou ao longo da vida, citando com precisão profissional nomes de ossos, de órgãos e de outras partes do corpo.
Nathalia conta que até gostaria de ter sido médica, mas acabou cursando a Faculdade de Belas Artes – e foi lá, durante as aulas de desenho, que aprendeu anatomia – enveredando pelo teatro. Estreou pro¬fissionalmente em 1954, com Senhora dos Afogados, de Nelson Rodrigues, e direção de Bibi Ferreira. Torcedora do Fluminense, com direito a fazer parte do quadro associativo ao lado da bailarina Ana Botafogo, conta que ela mesma gosta de se maquiar para entrar em cena. Para as fotos deste ensaio, no entanto, recorreu a Vavá Torres, que lhe colocou um belo par de cílios postiços. “Pode até ficar bonito, mas atrapalha. O olhar é uma ferramenta impor¬tantíssima de expressão”, finaliza.
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