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Ilustrações Bruna Bertolacini

Viagens de luxo, joias de presente, longas jornadas e segredos inconfessáveis: como é a vida das supersecretárias de alguns dos empresários e executivos mais top do país

Por Chico Felitti para a revista PODER de julho || Ilustrações Bruna Bertolacini

Anna acorda às seis da manhã já atrasada. Passa batom e ajeita o cabelo loiro num coque quando já está no seu 4×4 de R$ 110 mil, enquanto dirige até o prédio de um banco de investimentos na região da avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo. Para numa das melhores vagas do prédio, que tem um estacionamento com 400 lugares e cobra R$ 300 de mensalidade. Senta-se numa mesa de madeira escura e abre seu computador da Apple. Está pronta para começar o dia de trabalho. A primeira providência é pedir à copa o café de seu chefe – de coador, porque ele não gosta de expresso. Anna é secretária de um dos maiores executivos do país e, de cima dos seus saltos Jimmy Choo, leva uma vida que deixa no chinelo o poder de compra de muito diretor de empresa por aí.

Essa profissional é expoente das supersecretárias, uma casta superlativa: elas são supercompetentes, supertrabalhadoras e têm um salário superpolpudo (para quem não é CEO, é claro), que vai de R$ 8 mil a R$ 12 mil, mais um complemento de supermimos que elas ganham de marcas loucas para impressionar os homens e as mulheres que assessoram. Menos de 20 dessas mulheres mantêm um grupo no WhatsApp, chamado Agenda Compartilhada, em que dividem contatos de fornecedores, hotéis, médicos, tradutores e de qualquer outro profissional que possa ser necessário na vida de um executivo top. Mas nunca segredos. “Seria um tiro no pé”, resume Anna.

E a convivência vai além do virtual. Elas viajam juntas. Uma companhia aérea europeia, que consta há anos na lista das melhores do mundo, realiza viagens semestrais com algumas delas. “Só aceito quando estou de férias, ou quando coincide com uma viagem do meu chefe e posso fazer remotamente a maior parte do trabalho”, diz Susana, que secretaria o diretor de uma construtora.

Hotéis cinco-estrelas as convidam para conhecer suítes com diárias que começam em US$ 1.500. Algumas já estiveram juntas nesse tipo de viagens mais de dez vezes. “Esse tipo de profissional tem asset, o que se chama de acesso”, diz o consultor de marketing Antonio Dias, que já trabalhou em marcas de luxo que vão de aviação executiva a agências de viagem. Afinal, ele explica, são as supersecretárias que decidem muitas questões práticas na vida de seus atribulados chefes, como, por exemplo, em que hotel vão se hospedar durante as raras férias que tiram. “Conseguir mostrar sua marca para esses executivos, mesmo que só por alguns segundos, vale muito. Não se compra”, diz Dias – que também tem uma secretária.

 

VOTO DE SILÊNCIO
Além de trilingues e administradoras eficientes, essas mulheres precisam contar com uma qualidade que não aparece no currículo: discrição. Nenhuma das entrevistadas disparou uma reclamação sobre os patrões e as patroas (os termos usados vão de “inspiradora” a “justo”, passando por um unânime “competente”).

O máximo que é possível extrair desses cofres humanos é uma anedota ou outra. Susana narra sobre quando seu chefe se deu conta de que não tinha dado a ela nenhum presente de aniversário durante os cinco anos em que trabalhavam juntos. “Ele perguntou quando era meu aniversário. Ele me disse que podia comprar um presente com a verba A (a diretoria da empresa tem três tipos de verba para presentes que ela mesma escolhe: categoria A, de R$ 1 mil, categoria B, de R$ 500, e categoria C, até R$ 200). Eu disse que não era necessário.” Susana cora ao contar a história, que considera “extremamente constrangedora”. “Pelo amor de Deus, eu nunca faria isso!” Uma semana depois, o executivo saiu da sua sala, com vista para a Baía da Guanabara, no Rio, para entregar a Susana o presente atrasado: um colar de pérolas. Esse ela não pôde recusar.

A melhor tática, dizem as mais experientes, é se aproximar da vida do empresário/executivo como um todo. É assim que as muitas vezes negligenciadas famílias dos chefes acabam entrando em seu escopo de trabalho. “É melhor que filhos, mulheres e maridos vejam você como uma aliada”, diz Susana, uma cinquentona que usa saias lápis e cabelo ondulado na altura do ombro. Ela, que estudou francês na Universidade de São Paulo (USP), acabou caindo no métier quase que por engano. Uma professora avisou que um executivo francês tinha acabado de se mudar para o país e precisava de uma intérprete para acompanhá-lo até ele aprender o básico de português. O administrador gostou tanto de seu trabalho que ela acabou ficando por nove anos na empresa. “Só aceitei outra proposta depois que ele voltou para a França. Tinha uma relação de gratidão mesmo.” Desde então, Susana passou por outras duas metalúrgicas. Ajudou os filhos adolescentes do chefe atual em trabalhos escolares de literatura e acompanhou sua mulher em uma viagem a Miami para montar o enxoval do filho que tiveram há cinco anos. “No fim das contas, a vida pessoal acaba virando a profissional, mas aprendi a gostar disso.”

Carla Marcondes deixou há seis anos de ser uma supersecretária. Passou por três bancos, duas estatais e um estrangeiro antes de se aposentar bem (“Tinha a previdência pública, e mais uma privada que fiz. Consigo levar minha neta para a Disney uma vez por ano.”). Ela diz que amava o que fazia, mas não são muitos os dias em que bate uma saudade. “É uma boa vida, mas você acaba não tendo tempo de aproveitar as coisas boas enquanto está nela. Porque está trabalhando 12, 14 horas por dia. E tem chefe que é bom e chefe que é menos bom, como em qualquer outra carreira.”

Dentro da turma das que ainda trabalham, é Mônica que tem fama de ser a mais linha-dura. Secretária-executiva de uma gigante da metalurgia, a sexagenária comanda uma equipe de seis profissionais e nunca foi a uma dessas viagens. Devolve os presentes que lhe enviam com um cartão de agradecimento. Só se manifesta no grupo do WhatsApp para desejar feliz aniversário ou feliz Natal às colegas. “Não quero que pareça ofensivo. Mas prefiro não dar margem para [as marcas] acharem que vão me influenciar”, diz ela, num tom muito educado, mas firme. “Não é em mim que elas têm interesse”, afirma.

Apesar de se mostrar durona, Mônica é uma espécie de guia profissional das outras, que a procuram quando têm algumas questões em relação aos rumos de sua vida profissional. Pudera, ela é a mais apaixonada pelo ofício. Pós-graduada em business process pela Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, fez uma pausa na carreira 20 anos atrás: foi transferida a pedido, com a bênção e a recomendação do chefe, para o departamento de marketing da metalúrgica. Voltou depois de oito meses. “Percebi que era uma vocação. Eu nasci para fazer isso”, diz, antes de ser interrompida por uma das centenas de vezes que o telefone vai tocar naquele dia.

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