À frente de dois dos principais programas de humor da TV Globo, Marcius Melhem usa seu espaço sem poupar nada nem ninguém
Por Caroline Mendes para a revista PODER de maio
Fotos Pedro Dimitrow
Styling Cuca Ellias e Lili Garcia
Marcius Melhem mal tinha pisado no estúdio quando, entre um cumprimento e outro e ainda com a mochila nas costas, não resistiu e disparou ao ver a mesa montada pela produção. “Ih, coxinha! É provocação?”, perguntou, apontando para um prato cheio delas. Todo mundo caiu na gargalhada.
Engraçado desde criança – “um menino magrinho feio de doer” nascido e criado em Nilópolis, na Baixada Fluminense –, ele se dividiu durante anos entre a carreira de jornalista e a de ator de teatro. Até ser visto em cena por um produtor de elenco da TV Globo, Luiz Antônio Rocha, e ser convidado para uma participação na novela “Mulheres Apaixonadas”, de 2003. Um dia, saindo do Projac depois da gravação, foi aconselhado por Rocha a falar com Luciano Rabelo, produtor de elenco do “Zorra Total” na época, para tentar desenvolver um projeto. “Bati na sala do Rabelo na mesma hora e descobri que, para ter uma chance, precisava conhecer alguém do programa. Então, entrei em contato com o Leandro Hassum, com quem já tinha trabalhado no teatro, criamos os seguranças Pedrão e Jorginho e, no dia seguinte, apresentamos a ideia na redação do ‘Zorra’. Uma semana depois já estávamos no ar. Foi aí que tudo começou”, lembra. Deu tão certo que a dupla ganhou um programa para chamar de seu, “Os Caras de Pau”, que teve quatro temporadas, entre 2010 e 2013, e foi para o teatro.
FAZ-ME RIR
Hoje, com 44 anos, mulher e duas filhas, Melhem leva uma “vida mundana” de eventuais jogos do Flamengo no Maracanã e mesas de pôquer com os amigos, e idas diárias a padarias e bancas de jornal de Copacabana, onde mora, e corridas de táxi para o Projac – “não dirijo, nunca aprendi” –, situações em que é comumente confundido como filho do saudoso Chico Anysio. “Quando ele morreu (em 2012), recebi vários pêsames. Até hoje me param na rua: ‘Que falta faz seu pai’”, conta. “E eu não desminto, não. Para mim é um orgulho!” Aliás, é a Chico que ele recorre quando tem de falar sobre humor: “‘Sorvete é gelado sempre’, ele dizia. Não existe humor isso ou aquilo, humor faz rir assim como sorvete é gelado – ponto. Agora, existem várias formas de fazer rir: tem o humor que só tem o objetivo de distrair dos problemas cotidianos e tem aquele que traz uma mensagem política contundente”, explica, garantindo não achar que um tipo é mais nobre do que o outro. Tanto que os dois programas de que participa, o “Tá No Ar”, de que é co-criador, redator-chefe e ator ao lado de Marcelo Adnet, e “Zorra”, que ajudou a reformular há pouco mais de um ano, mesclam os dois tipos. “Para o discurso político sobressair, ele tem de ser cercado de piadas mais amenas, como o Silvio Santos cantando Anitta, que é só um absurdo para as pessoas se divertirem”, descreve, usando uma esquete do “Tá No Ar” de exemplo. “Para conseguir dialogar com a sociedade e ser relevante, a gente tem de fazer piada com marcas, figuras públicas e instituições presentes na vida das pessoas, inclusive a Globo. É preciso rir de si mesmo para rir dos outros.”
O POVO NÃO É BOBO
Quando Melhem recebe elogios pelo “Tá No Ar”, frequentemente escuta que o programa “nem parece a Globo”, já que destoa do tradicionalismo impresso nas novelas e, principalmente, no jornalismo da emissora. Isso porque a equipe de sete redatores mais Melhem e Adnet “dá porrada em todo mundo”, fazendo desde esquetes que tiram sarro da sinceridade da atriz Glória Pires durante a última cerimônia do Oscar até paródias de músicas brasileiras famosas, que ganham letras extremamente políticas: os hits “Olhar 43” e “Revelações por Minuto”, da banda RPM, viraram “AK-47” e “10 Prisões por Minuto”, da banda Erra PM, e Chico Buarque de Hollanda vira Chico Buarque de Orlando, em referência à publicamente declarada posição político-partidária do cantor e compositor. “Não estou aqui para defender a TV Globo porque não sou advogado, mas isso tudo não é um mérito do programa, como pode parecer, mas, sim, da emissora, que nos deu total liberdade para desenvolver o projeto três anos atrás e hoje falar o que a gente quiser. Não foi fácil conquistar essa liberdade”, afirma Melhem, garantindo que nunca sofreu nenhum tipo de censura por parte da emissora. “A única censura que eu tenho vem do governo federal e se chama classificação indicativa, que não indica, mas determina o que o cidadão pode ou não pode ver em determinada horário, usando como base uma cartilha que as emissoras e nós, criadores, temos de seguir”, dispara.
Em tempos de efervescência política, Marcius Melhem não revela explicitamente de que lado está – “respeito quem tira foto com político, mas não quero ter rabo preso com ninguém” –, mas dá algumas pistas: diz que o companheiro de trabalho Marcelo Adnet pensa um pouco diferente dele e que o humorista Gregorio Duvivier pensa muito diferente, defende a liberdade individual em assuntos como casamento gay e aborto e afirma ter uma visão humanista progressista. “O trabalho que a gente realiza é para que a sociedade entenda e caminhe no sentido da tolerância e da diversidade, para que as pessoas possam viver livremente sem serem vigiadas umas pelas outras.” E continua: “Quando vamos tratar de assuntos de interesse coletivo como saúde, educação, transporte e segurança, a gente dá porrada nas autoridades quando tem de dar. É nisso que a gente acredita. Tudo é política, mas nem tudo é partidário”. Quanto às coxinhas que deram o mote da piada do início do texto, Melhem não chegou perto delas.
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