Dependendo de onde circulam nas férias, eles voltam falando com sotaque francês ou baiano, passam a andar pelados pela casa e a tomar gim-tônica em homenagem à rainha
Por Paulo Sampaio para a revista Joyce Pascowitch
SURURU
Todo mundo notou que Maria Estrela voltou meio rústica de Arembepe, a aldeia no sul da Bahia que abriga uma remota comunidade hippie vintage. Estrela é artesã, vive em São Paulo e esteve na Bahia para prestigiar o Festival da Lua Cheia, que faz uma ode ao “maior satélite do sistema solar” e promove “um resgate de Woodstock”. Desde que chegou, ela não usa mais luz elétrica, anda pelada pela casa e faz “uso medicinal” de chá de cogumelo. Passou a chamar a mãe de “mainha”, usa interjeições como “oxente” e adotou em seu vocabulário do dia a dia expressões como “arretado” (bravo ou decidido), “cagado e cuspido” (tal e qual) e “cu de boi” (confusão). Agora, compra sua própria mandioca na feira e chama o tubérculo de “aipim”. “Ô mainha, me passe uma banda desse aipim!”, diz ela, à mesa. Antes da refeição, Estrela medita; depois, lava a louça, acende um incenso e vai para a rede. Luz Carminha Cayowa (nascida Carmem Lúcia), a mãe de Maria Estrela, tenta fazer a reintegração da filha à “realidade urbana”, mas não consegue se convencer de que seria o melhor para ela. A própria Luz chegou a viver sob a égide da paz, do amor, do som e da arte, nos anos 1970, quando passou um tempo nas proximidades do Sítio do Vovô, em Jacarepaguá, zona oeste do Rio, onde ficava a comunidade autossustentável do grupo Novos Baianos. Em uma foto da época, que Luz afixou em um mural de cortiça na parede da sala de seu apartamento térreo, ela aparece grávida, só de calcinha, tocando violão embaixo de um abacateiro, com margaridas pintadas nas maçãs do rosto. “Mainha, cê tá arretada nessa foto. Coisa mais linda essas margaridas”, diz Estrela, enquanto borda a capa de uma almofada com figuras inspiradas nas cartas do tarô.
BRITISH ACCENT
Basta o produtor de moda mineiro Rudy (João Rodolfo) frequentar por uma semana o circuito Mayfair-Chelsea-Soho-Covent Garden, em Londres, para se pegar lendo uma novela inglesa, de pé, dentro do metrô cheio. Embora não tenha o costume de comprar jornais no Brasil, lá ele sempre adquire uma edição do Times, ou do Independent (“mais posh”), para ler enquanto come uma salada no Mayfair. “Você não vai querer comparar esses lixos que eles editam aqui com o que a gente lê na Inglaterra.” Toda tarde, Rudy toma um gim-tônica “para homenagear sua alteza”. Ele acredita que possui um very british accent e que, por isso, os próprios ingleses o tratam como se ele fosse de lá. “Reconheço um americano na Inglaterra sem que ele abra a boca”, orgulha-se. “Só perco alguma coisa quando converso com alguém com sotaque cockney (do East End). Aquilo é um horror.” Como chegou a morar na “ilha” algumas vezes, volta e meia Rudy recebe no Brasil os amigos ingleses, e então aproveita para oferecer drinques em casa e exibir aos conhecidos daqui sua familiaridade com os de lá. Mesmo que os amigos ingleses tenham dentes estragados, cabelos ensebados e vistam camisas xadrezes abotoadas até o pescoço, Rudy os acha tão… cute! Além da bebida, o anfitrião disponibiliza haxixe, ácido e ‘e’. Ao amigo brasileiro que rejeita a droga, Rudy diz em tom de ameaça: “Por que você tá com esse olho arregalado? Não seja caipira. Os ingleses vão rir de você. Todo mundo lá é muito doido. Isso, para eles, é a coisa mais normal do mundo”. Naquela noite, só se fala em inglês, for sure, e se algum dos convidados brasileiros tiver dificuldade em entender o “humor deles”, Rudy explica o double meanning com um misto de superioridade e indulgência. O amigo caipira do anfitrião propõe que ele ponha para tocar Caetano, Paulinho da Viola, Alcione, Carminho, mas imagine! No auge do anglicismo, Rudy quer mais é mostrar sua playlist repleta de nomes como Jamie xx, Kasabian e FFS. “Amo isso”, diz ele, viajando de ácido: “Love it”.
NEW YORKER
“Amo Nova York. Definitivamente, é a minha cidade no mundo”, diz a publicitária paulistana Milu, encantada com o próprio bom gosto. Ela se queixa de que, da última vez em que esteve em Manhattan, como em todas as outras, não conseguiu fazer “nem a metade do que pretendia”. “Whatever.” Naturalmente, em seu discurso, Milu solta expressões como “cool”, “amazing” e “real deal”. Desnecessário dizer que ela jamais faz programas de turista na cidade: “Nem que eu quisesse, imagina, meus melhores amigos moram lá. Tem uma turma em Manhattan, e um povo do Brooklyn. Ai, genteee, how I miss theeem. Eu quero o cosmopolitan do Trippler jááá!”. O único ponto turístico que Milu conhece é a Estátua da Liberdade, mas só porque George insistiu em levá-la até lá. Apresentado por uma amiga italiana que ela conheceu em um curso de cinema na New York University, George era um administrador de fortunas que enriqueceu em Wall Street. Por causa de um namoro sem muitas garantias, “como o de Carrie e Big”, ela gastou todas as milhas que tinha na ponte São Paulo-Nova York. “Ele casou com uma loirinha aguada. As famílias se conhecem desde sempre, dos Hamptons. Mas até hoje ele me liga. Outro dia queria me mandar o tíquete de primeira classe para eu ir encontrá-lo. Oi??”, diz ela, afetando superioridade afetiva. Depois do curso na NYU, Milu trabalhou com produção de comercial, mas acabou desistindo porque só se ocupava do trabalho braçal. Não havia nenhum glamour em ligar para a prefeitura de Nova York para conseguir autorização de uso de áreas públicas, ou estender cordões de isolamento em torno do set de filmagem e carregar os refletores sob a orientação da assistente de direção. No Brasil, claro, a história que ela contava era mais emocionante. “Gente, as pessoas em Nova York vivem numa velocidade alucinante! Você não sabe o que é trabalhar com publicidade lá!”
CORDON BLEU
Se tem uma coisa que a socialite paulistana Maria Antonieta detesta é encontrar brasileiros em Paris. “Quando ouço alguém falando em português, saio de perto”, diz Nette, que acaba de voltar de uma pequena temporada na cidade. Ela alega que, apesar de ter vindo ao mundo no Brasil, foi concebida em Paris. Segundo sua mãe, Maria Teresa, ela nasceu exatamente nove meses depois da lua de mel dos pais. “Eles ficaram 40 dias em Paris”, afirma. Nette diz que se submeteu a uma regressão e descobriu que todas as suas vidas passadas foram na França. Sempre que volta ao Brasil, nos primeiros dias depois do desembarque, nossa amiga incorporada fala com um sotaque ligeiramente afrancesado. Exagera nos “r”, contrai a boca na forma de um bico quando pronuncia os “u” e “come” as últimas sílabas das palavras. “Realment eu non perceb… Iss acontess sen querrer”, diz, enquanto ri à francesa. “Ulalá-haha!” Em São Paulo, ela habita em um condomínio réplica da Place des Vosges parisiense, que fica no Morumbi. Conta que, depois de muito procurar um imóvel para morar, sentiu “un coup de foudre” quando a levaram para visitar o condomínio. “Ando todas as manhãs pelo jardim interno do conjunto, e em cada uma das portarias com os nomes das portas de Paris (de Clichy, de Vincennes, de LaChapelle) me sinto transportada.” Quando Nette não está em seu apartamento no Place des Vosges, a secretária eletrônica emite uma mensagem que acaba com um “à tout à l’heure, bisou,bisou!”.
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