Por Paulo Sampaio para revista Joyce Pascowitch de novembro
No fim dos anos 1950, começo dos 1960, todos os playboys de São Paulo dignos desse título conheciam a casa da Wanda. Ocupava alguns apartamentos de um prédio na avenida São João, quase esquina com a Duque de Caxias, no centro, e disponibilizava um grupo seletíssimo de garotas prontas para saciar o apetite sexual dos tigrões. Diferentemente das boates da região, em que senhoras muito acessíveis eram obrigadas a vestir longo para atender a clientela, o casting na Wanda exalava o frescor típico das lolitas. Sentadas na sala de espera, muitas eram menores de idade, boa parte estudantes de classe média e algumas atendiam vestindo o uniforme do colégio de freiras onde estudavam. O principal: a dona da casa garantia a virgindade das meninas. Para manter o marketing, Wanda avisava de antemão que ali não se admitia a penetração vaginal. Circulava na alta roda que Maria Regina Fernandes, uma loirinha de pouco mais de 1,50 metro, “muito benfeita de corpo”, seria uma dessas moças. “A Regininha era mignon, magrinha, uma graça”, conta uma de suas colegas, hoje com 70 anos.
Entre outros famosos que marcavam presença na Wanda estava o lendário playboy Francisco “Baby” Matarazzo Pignatari, neto do conde Francesco Matarazzo, herdeiro de um conglomerado de mais de 365 indústrias em São Paulo e conquistador serial de mulheres fabulosas. Além de casos relâmpagos com estrelas de Hollywood, Baby teve quatro esposas oficiais. A primeira foi Marina Delfina, mais conhecida como Mimosa, mãe de seu único filho, Giulio Cesare, morto em 1987; a segunda era Nelita Alves de Lima, uma quatrocentona tipo deslumbrante com quem ficou sete anos. Com a terceira, a jet-setter Ira Von Furstenberg, herdeira da Fiat e cunhada da estilista Diane von Furstenberg, ele viveu um escândalo que o projetou no grand monde. Ex-namorada do príncipe Rainier, de Mônaco, Ira ainda era casada com o príncipe (meio alemão, meio espanhol) Alfonso von Hohenlohe-Langenburg, quando apareceu numa coluna social rodopiando nos braços de Baby na pista de uma boate em Cortina d’Ampezzo, nos Alpes italianos. Mãe de dois filhos, mesmo assim deixou a família para viver a tórrida paixão no Brasil.
O fogo se extinguiu em menos de dois anos. Já separada, a princesa chegou a tentar carreira de atriz de cinema, filmando, inclusive, em Mato Grosso com o “rei da pornochanchada” David Cardoso. Título do filme: Desejo Selvagem. “O Baby era meu ídolo. Quando fiquei com a Ira, queria saber tudo sobre a vida dele. As pessoas o comparavam com o Jorginho Guinle, mas imagina, o Jorginho tinha 1,20 metro de altura. O único que eu conheci à altura do Baby foi o bon vivant Porfirio Rubirosa”, lembra Cardoso. A quarta e última mulher de Baby foi justamente a Regininha, aquela que teria frequentado a casa da Wanda e antecipado o que as moças de trato não tão fino fazem hoje.
Moça pra Casar
Na versão ‘oficiosa’, Baby a conheceu em 1963, quando ele tinha 46, e ela, 18 anos. Regina voltava do colégio de freiras onde estudava, quando seu carro enguiçou. Ao vê-la em apuros, Baby, que estava de passagem, pediu a seu motorista que parasse a limusine e prestou socorro à moça. Resolvido o problema, a convidou para tomar um sorvete. A escola em questão era conhecida por educar suas alunas em francês, dar a elas uma rígida formação religiosa e prepará-las para casar, ter filhos e se tornar donas de casa. Uma matéria na Folha de S. Paulo da época falava da nova paixão de Baby: “O homem que tivera nos braços mulheres famosas, acabou se apaixonando pela estudante anônima”.
Entretanto, de acordo com o relato da sobrevivente setentona da casa da Wanda, a história é bem outra. Filha de portugueses, Maria Regina Fernandes de fato estudou em colégio de freiras, mas se ressentia de não fazer parte do crème de la crème das alunas de sobrenomes tradicionais. Em determinado momento, foi fisgada por uma olheira de Wanda, que viu nela potencial para acolher os requintados cavalheiros da alta. Para a ambiciosa Maria Regina, aquele convite vinha com a promessa de ingresso na alta sociedade – o que acabou acontecendo. “O lugar não tinha atmosfera de bordel, tampouco das boates especializadas da época”, conta um frequentador. Ele explica que não havia no ambiente remissões clássicas às casas do gênero, como veludo vermelho nas paredes, maquiagem excessiva ou vulgaridade no linguajar. Era, em suma, o lugar perfeito para colocar em prática a milenar fantasia masculina da iniciação da ninfeta indefesa.
Turma do Bolinha
Nada podia combinar mais com o perfil de Baby Pignatari, então orgulhoso integrante do Clube dos Cafajestes. Fundado pelo botafoguense Edu (Eduardo Martins de Oliveira), ex-jogador juvenil do time e comandante da companhia aérea Panair, o clube reunia um grupo de “rapazes irreverentes, bem-nascidos ou bem-postos na vida”, como o definiam, gente como Jorginho Guinle – espécie de respectivo carioca de Baby –, o príncipe dom João de Orleans e Bragança, o colunista Ibrahim Sued e o jornalista Sérgio Porto (também conhecido como Stanislaw Ponte Preta), entre muitos outros. De acordo com o jornalista Renato Sérgio, autor de A Alma de Uma Cidade – Lugares, Fatos e Personagens Cariocas – Reminiscências & Lorotas, “com os ‘cafajestes’ na jogada, podia baixar porrada, baixar o santo, baixar a maré, baixar as calças, baixar o nível, baixar o preço, baixar a voz, baixar o calão, até baixar a sepultura, baixar qualquer coisa, menos o tédio”.
Mas, na casa da Wanda, a conversa de Baby era outra. Com quase 50 anos, três casamentos, um currículo interminável de conquistas e muito dinheiro, o industrial pegador agora estava na idade do lobo. As colegas de Regininha, por sua vez, viam nele um homem enorme: 1,91 metro, pinta de galã de cinema, incrível trânsito social. As coisas se passaram mais ou menos assim: depois da separação de Ira, Baby enveredou por um período de excessos. Na ocasião, ele já vivia na casa que mandara construir em um terreno de 140 mil metros quadrados no Morumbi, com projeto de Oscar Niemeyer e jardins de Roberto Burle Marx. Uma matéria publicada anos depois no Jornal do Brasil descrevia assim as farras nos domínios de Baby: “As noites terminavam na mansão do Morumbi com os amigos dele, as mulheres de boate e anônimos refestelando-se em uma ceia à luz de velas. O closet, que ainda abrigava roupas de Ira, era aberto generosamente. E as damas da noite saíam vestindo modelos exclusivos Givenchy, Chanel e Dior”.
Na sala do apê de Wanda os clientes eram recebidos com snacks e uísque. Até chegar a fazer parte do grupo de frequentadoras da casa de Baby Pignatari, Regininha só tomava Coca-Cola, mas logo foi introduzida no mundo da esbórnia. O intrigante, da parte de Baby, era entender como um “cafajeste emérito” teria passado de cliente a marido de uma garota da Wanda. Com suíte permanente no Copacabana Palace, iate ancorado em Gênova e avião Electra particular para viajar pelo mundo, o “pegador internacional” casou-se, em março de 1971, de papel passado com Maria Regina Fernandes. A cerimônia foi no condado de Clark, perto de Las Vegas, nos Estados Unidos. Rapidamente, Regina Pignatari se acostumou à rotina social do marido. “Ela se movia, se adaptava bem às situações, dava boa impressão”, lembrou um dos amigos mais chegados de Baby, o engenheiro Nelson Martins Ferreira. “Ela era novinha, muito agradável, uma criança”, definiu o colunista social Tavares de Miranda.
Amante Taitiano
A quarta senhora Pignatari teria colocado uma pedra em seu passado de Wanda. Nas idas ao salão Taluhama, um dos mais disputados cabeleireiros da época, na rua Augusta, Regina ignorava solenemente alguma ex-colega de trabalho que passasse no seu caminho. “O motorista abria a porta, ela descia daquele carrão com um poodle na mão e passava reto pela gente”, lembra a colega sobrevivente. O relacionamento com Baby começou a degringolar quando, em uma viagem do casal ao Taiti, Regina se envolveu com um cantor de boate chamado Jean Gabilou. Os dois brigaram feio e, na volta, Baby pediu a separação. Ainda tentou anular a doação que tinha feito à mulher de 1,4 milhão de ações de uma de suas empresas, a Companhia Industrial de Materiais de Construção. Por sua vez, Regina se defendeu dizendo que só passou a reparar em outros homens por causa do “jejum sexual” a que foi submetida desde que Baby se tornou impotente. Ela solicitou que fizessem em seu marido um exame pericial, ao qual ele se submeteu constrangido. Pouco depois, Baby Pignatari foi diagnosticado com leucemia. Devastado pela doença, ele não chegou a viver para acompanhar o desfecho da ação. Em 27 de outubro de 1977, morreu de complicações pulmonares decorrentes do câncer.
O processo na Justiça foi interrompido, mas retomado pelo filho de Baby depois de sua morte. Em 1981, quando o TJ de São Paulo finalmente julgou favoravelmente a Regina o direito às ações da empresa de Baby, ela já havia passado muito tempo sem dinheiro – e precisou cometer alguns delitos para manter o padrão de vida ao qual estava acostumada. Nas festas de sociedade, começaram a surgir boatos de que estavam sumindo joias e objetos valiosos. Uma semana depois da decisão do Tribunal de Justiça, de acordo com jornais da época, ela foi detida sob a acusação de ter roubado uma corrente de ouro e passado cheques de um talão roubado. O fim se anunciava cruel para Regina Pignatari, que passara a noite encarcerada em uma cela do 3º Distrito Policial, no centro. “Sinto-me ameaçada e encostada na parede por requerer meus direitos como legítima mulher de Baby Pignatari”, disse, ao sair da cadeia.
Depressão e Alcoolismo
Afastada do circuito de festas da alta sociedade, Regina trabalhou durante um período com turismo, voltou a morar com os pais, Antônio e Constância dos Inocentes Fernandes, e envolveu-se com um fazendeiro chamado João Maia. Mudou-se para um flat em Santa Cecília, na região central de São Paulo, alugado em nome de Maia. De acordo com os funcionários do local, o fazendeiro passava apenas as noites ali. Um dia, os dois brigaram e Regina, que depois da separação chegou a fazer um tratamento para depressão, passou a beber descontroladamente.
Pouco antes de morrer, aos 42 anos, no começo de 1987, ela havia descido à recepção do flat para pedir uma garrafa de uísque. Enrolada em uma toalha, falando alto, ela repetia uma cena a que os funcionários do lugar já estavam acostumados. Irritada com a recusa deles, ela passou a gesticular, até que a toalha caiu no chão. No fundo do poço, completamente esquecida por uma sociedade que nunca a acolhera de fato, Maria Regina Fernandes estava próxima do fim. No dia 27 de fevereiro, quando um empregado do flat subiu ao quinto andar para entregar um jornal, a encontrou caída no corredor. Raimundo Pereza, o zelador, achou que fosse apenas mais uma bebedeira e reconduziu a hóspede à cama com a ajuda de outro funcionário. Mais tarde, eles bateram na porta do quarto para ver se ela já tinha acordado. Nada. Chamaram um farmacêutico para aplicar uma injeção de glicose, mas ele achou melhor não intervir. O médico do Hospital Samaritano que a atendeu constatou que ela não estava mais viva. O atestado de óbito dizia: “causa ignorada”. A história de Regina pode não ter tido um final feliz, mas ninguém há de negar que seja um clássico.
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