NUA NA RUA
Símbolo sexual nos anos 1970, a atriz Leila Cravo foi encontrada desacordada no canteiro lateral da avenida Niemeyer, no Rio, depois de despencar da suíte de um motel de alta rotatividade. O acompanhante dela já tinha ido embora.
Por Paulo Sampaio para a Revista J.P de outubro
“Inconsciente, nua e com escoriações pelo corpo todo, atriz da Globo é encontrada caída em frente a um motel de alta rotatividade.” Imagine o efeito de uma notícia dessas, 40 anos atrás, quando o acesso à vida sexual dos artistas era muito mais restrito. Nada de câmeras de celulares, paparazzi trepados em árvores, nem redes sociais. Aos 21 anos, Leila Cravo fazia novela, apresentava o Fantástico e era um símbolo sexual. Naquela segunda-feira, 11 de novembro de 1975, ela saiu de casa por volta das 22 horas e embarcou em um Chevrolet Opala amarelo. Vestia blusa listrada, jeans justo e botas azuis de pelica. Seu acompanhante foi direto da Urca, bairro da zona sul carioca onde ela morava, para o Vip’s Motel. Debruçado sobre a avenida Niemeyer, que liga o Leblon a São Conrado, o Vip’s agregava glamour aos frequentadores, numa época em que ir a motéis ainda era novidade. No caso de Leila, o glamour virou escândalo. Às 5h30, pouco mais de seis horas depois que saiu de casa, a atriz foi recolhida na Niemeyer por uma ambulância do Hospital Miguel Couto. Havia caído da suíte presidencial dois, que ficava a uma altura de 18 metros, ou o equivalente a um prédio de cinco andares.
Em coma por causa de ferimentos no rosto e no corpo, Leila Cravo não pôde contar sua versão dos fatos nos dias que se seguiram. A imprensa especulou à vontade, dividindo-se entre o homicídio e o suicídio. A primeira hipótese logo foi descartada, já que o acompanhante da atriz se apresentou espontaneamente à polícia. Na manhã do dia 12, o empresário Marco Aurélio Sampaio Moreira Leite afirmou que havia deixado o motel sozinho, por volta das quatro da madrugada, depois de pagar a conta. Os funcionários confirmaram a versão. O gerente Jorge Leal contou aos investigadores que ficara desconfiado com a atitude de Sampaio e por isso ligou para a suíte a fim de saber se estava tudo bem. “A moça atendeu com uma voz pastosa, de quem estava bêbada. Pediu mais uma garrafa de vinho e um maço de cigarros.” A polícia não considerou a possibilidade de terem jogado a atriz pela janela, uma vez que a suíte era totalmente vedada por um vidro.
FIM DE ROMANCE
O delegado do 15º distrito policial, Edgard Façanha, que cuidou do inquérito, viu fortes indícios de suicídio. Nas mãos de Leila, os investigadores encontraram um bilhete rasgado da atriz dirigido a Sampaio, no qual ela lamentava o rompimento de um romance de dois anos. O caso foi registrado no DP como “a apurar”. Uma das hipóteses de Façanha era a de que a atriz, já bastante alcoolizada, havia deixado a suíte sem ser vista, descido até um jardim que separa a construção de um gradil que contorna todo o prédio e, de lá, se jogado. O pai de Leila, Adaucto Cravo, que era escrivão na 6ª Vara Cível do Rio, não acreditou a princípio que a filha pudesse ter se jogado: “Já sabemos que Leila ligou do motel para o instrutor de direção dela, Assis, e combinou com ele que na terça-feira de manhã estaria na Praça Santos Dumont para treinar”, contou. Porém, mais adiante, Adaucto revelou que a filha já havia tentado se matar duas vezes, usando barbitúricos.
A atriz Zélia Zamir, que se apresentou como amiga e confidente de Leila, afirmou que ela era “emocionalmente instável”. “Ao mesmo tempo em que filmava muito, Leila se sentia frustrada porque davam mais valor a sua beleza do que ao seu talento. Por outro lado, falava com entusiasmo do namorado. Contou que ele havia prometido, inclusive, montar um show no qual ela teria o papel principal. Leila queria fazer uma personagem baseada na Marilyn Monroe, que ela curte muito.” No fim de semana anterior, as duas amigas haviam viajado a São Paulo, onde Leila participou de um quadro do Programa Silvio Santos chamado “Quem Sabe Mais, o Homem ou a Mulher?”. A atriz levou a melhor, trouxe um troféu pra casa. Ela e Zélia ainda foram para Ilhabela, no litoral norte, e retornaram ao Rio por volta de 21 horas da segunda-feira, 11. “A Leila ia sair com o namorado e me chamou para tomar uns chopinhos com eles, mas não topei. Achei incrível a disposição dela, depois de um fim de semana tão cansativo”, disse Zélia.
OBJETO SEXUAL
A carreira de Leila começou no cinema, em pornochanchadas como “Um Uísque Antes, um Cigarro Depois”, de 1970, e “Uma Pantera em Minha Cama”, 1971. A oportunidade na TV veio quando o ator Carlos Vereza a apresentou ao diretor Walter Avancini, e ela conseguiu uma ponta na novela “O Semideus” (Janete Clair, 1973). Em “Corrida do Ouro” (Lauro César Muniz e Gilberto Braga, 1974), a atriz ganhou um papel propriamente dito – foi escalada para fazer Carmem, que contracenava com Isadora, personagem de Sandra Bréa, outro símbolo sexual da época. Passou a posar para capas de revistas semanais como Manchete e Fatos & Fotos, em que aparecia com o corpo coberto apenas por plumas ou panos, ao lado de chamadas estilo “A nudez não me assusta”. Embora tenha lançado mão de um forte apelo erótico na construção de sua imagem, Leila se queixava de ser tratada como “objeto sexual”. “Pessoalmente, isso me agride. Quero namorar, ficar noiva, casar. Às vezes penso que estou conseguindo e, de repente, me vejo apenas como amante. Os homens me levam para sair como quem diz: ‘Olhem, estou com a Leila Cravo!’. Eles esquecem que dentro da Leila Cravo existe uma pessoa.”
Em fevereiro de 1976, Leila já estava recuperada do incidente no motel. Apesar de ter ficado com uma sequela no olho esquerdo, que parecia agora menor que o direito, seu rosto estava inacreditavelmente recomposto, e ela ensaiava um espetáculo chamado Alta Rotatividade – comédia na qual contracenava com a travesti Rogéria e os atores Agildo Ribeiro e Ary Fontoura. “Nunca perguntei nada a Leila, porque sabia que era babado. Eu só dizia: ‘É Leila, você escapou por pouco’. Ela ficava quieta, nós não tínhamos intimidade. Mas era muito profissional, fazia o espetáculo direitinho. Tinha um namorado que ia buscá-la, eu não sei quem era”, diz Rogéria em depoimento a J.P. Ainda em 1976, Leila participou de dois filmes e uma novela. Em 1977, teve uma filha, Tathiana. Se a retomada profissional foi rápida, a investigação do episódio do Vip’s não avançou no mesmo ritmo. Na verdade, o caso nunca foi satisfatoriamente esclarecido. Seis meses depois, as 33 páginas do inquérito continham apenas sete depoimentos, entre os quais não se incluía o da própria Leila.
PROSA LÍRICA
Desde que retomou a consciência, a atriz sempre foi evasiva ao responder perguntas a respeito do incidente. Em 1979, lançou um livro chamado “Passagem Secreta”, cujo estilo ela definiu como “prosa lírica”. Nele, ela cita a madrugada do dia 12 de novembro com metáforas estilo: “Escurece. Devagar como a vela que vai chegando ao fim e não clareia”. Ao ex-namorado, ela se refere como “o rei trêmulo e covarde”. “Existem páginas de revolta indomável, outras de amor infinito. Ódio. De algumas pinga sangue, de outras, pétalas”, explicou ela à revista Veja, antes do lançamento. Apesar de declarar-se permanentemente insatisfeita, Leila Cravo sempre negou que tivesse tentado se matar. “Eu não faria isso. Não sei o que aconteceu. Só sei que não voltarei a um motel”, disse.
Hoje, aos 61, ela conta a J.P que nos anos seguintes sua carreira foi “esmaecendo”, até que ninguém mais a chamou para trabalhar. “Eu me senti abandonada, solitária, fiquei triste, deprimida. Além do público que te assiste, você sente falta daquele que finge te admirar, mas só quer pegar carona no sucesso. Sãos os falsos amigos. Sumiu todo mundo.” A última novela de que participou foi “Sinal de Alerta” (1978), de Dias Gomes: “Ele adiantou tudo isso que está acontecendo no mundo agora”, diz ela, referindo-se ao caos social e político. “O cara era um gênio.” Mais tarde, integrou o elenco do espetáculo “Very Very Sexy”, exibido em São João do Meriti, na Baixada Fluminense. Um tempo depois, Leila passou cerca de oito anos morando em Cascavel, no interior do Paraná, quando foi chamada para dirigir uma repetidora da TV Bandeirantes. Na época, ela apresentava um programa infantil aos sábados: “Era tipo o do Silvio Santos, começava de manhã, terminava à noite”, lembra. Na ocasião, sua filha Tathiana, hoje com 38 anos, “era mínima” e a assistia todos os sábados. De volta à Urca, Leila hoje passa a maior parte do tempo cuidando da neta, Ana Julia, 11 anos. “É a coisa que eu mais curto fazer. Amo. É a única certeza de que eu não vou morrer. Vai ficar uma Leilinha aí.” Em tempo: o Vip’s pertence hoje à empresária Vera Loyola, que ficou famosa no Rio como símbolo da alta sociedade emergente da Barra da Tijuca.
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