Imaginar como seria a vida sem internet é praticamente impossível. Mesmo quem nasceu antes do advento da rede sente dificuldade para lembrar como era viver e trabalhar de um jeito analógico. Não é para menos – afinal, já faz algumas décadas que a tecnologia está presente em praticamente tudo o que fazemos. No trabalho, para buscar informações, aprimorar o conhecimento, realizar reuniões, falar com as pessoas por meio de emails e de aplicativos de mensagens, e reforçar o networking e os relacionamentos via redes sociais. E depois do expediente não é diferente, já que a tecnologia está por trás dos serviços de streaming e dos videogames, só para citar dois exemplos.
Um levantamento feito pelo NordVPN, consultoria especializada em cibersegurança, mostra que as pessoas passam, em média, quatro dias por semana totalmente conectadas, o que equivale a 197 dias por ano ou mais de dez anos se considerarmos que alguém fez isso durante duas décadas. A pesquisa aponta, ainda, que as pessoas costumam se conectar por volta das 8 da manhã e só saem do computador e do celular quando passa das 22 horas. Ou seja, estamos trilhando um caminho sem volta. O mundo contemporâneo é conectado e não dá para escapar disso. Porém, de uns tempos para cá, especialistas têm se debruçado sobre os efeitos da internet em nosso cérebro.
Segundo um estudo realizado por cinco universidades – Sydney University, Harvard, King’s College, Oxford e University of Manchester –, a internet produz alterações agudas em áreas específicas do cérebro que impactam atenção, memória e interações sociais. Basta pensar em quantas vezes por dia você é “interrompido” em meio a um relatório importante com o toque das notificações do WhatsApp ou para tudo o que está fazendo para dar uma olhada nas últimas publicações do Instagram. Quer outro exemplo? Você se lembra “de cabeça” de números de celular e de outras informações ou precisa recorrer ao Google e à agenda do celular?
A cientista inglesa Susan Green-field, pesquisadora da Universidade de Oxford, no Reino Unido, tem uma explicação para isso. Segundo ela, o cérebro vai se moldando para se adaptar às situações. E as tecnologias digitais o afetam como qualquer elemento de interação que faça parte de nosso cotidiano. O sinal de alerta, na visão da especialista, é que a vida em rede está mudando a formação de nossa identidade, tornando-a dependente da percepção que outras pessoas têm sobre nós e, consequentemente, alterando nossos relacionamentos.
Em um vídeo no canal do YouTube do projeto Fronteiras do Pensamento, que reúne pensadores influentes em várias áreas, Susan explica que pode acontecer, por exemplo, de pessoas adeptas de videogames desenvolverem uma coordenação sensorial e motora muito boas, mas não se sentirem confortáveis em se comunicar e em manter relacionamentos estáveis ao vivo e em cores. “O que precisamos é decidir o que queremos para nossa vida. A tecnologia é inevitável, mas não pode estar no controle – deve ser nossa escrava, não nossa mestra”, diz ela.
Um lado bom e outro nem tanto
Alguns estudos mostram que os videogames aumentam áreas do cérebro que liberam dopamina, um dos neurotransmissores que produz sensação de bem-estar e felicidade e que estimula a criatividade. O caso é que ficar horas jogando pode provocar alterações que são detectadas em exames cerebrais. Uma pesquisa feita pela Universitat Oberta de Catalunya (UOC), da Espanha, mostra que jogar videogames não apenas altera o desempenho do cérebro, mas também sua estrutura. De um lado, pode gerar benefícios relacionados a diferentes tipos de atenção, à capacidade de orientação espacial e, até mesmo, ao desenvolvimento de habilidades cognitivas e motoras. De outro, com o uso excessivo, os jogos eletrônicos podem deixar as pessoas emocionalmente vulneráveis e provocar baixa tolerância à frustração, ansiedade social e até mesmo problemas relacionados à autoestima. “
“Para algumas pessoas, esses recursos eletrônicos podem se tornar uma maneira de diminuir o estresse e receio que sentem da vida real. Elas acabam se refugiam no mundo virtual, que é onde encontram mais satisfação”, explica o psiquiatra Renato Silva, especializado em bipolaridade e depressão, e apresentador do podcast Voo Bi-polar, que é focado na patologia.
O uso excessivo de redes sociais e videogames pode trazer prejuízos, principalmente quando a pessoa sacrifica ou mesmo para de fazer atividades importantes para manter a saúde física e mental. Tem gente que deixa de se alimentar, dormir, estudar, trabalhar ou mesmo de socializar para ficar nas redes sociais ou jogando videogame, como explica Renato. “Nesse contexto, é necessário avaliar não somente o tempo gasto na internet, mas o padrão desadaptativo do uso”, completa.
Texto por Caroline Marino
A matéria completa está na nova edição da revista Poder