Prezado/a/e leitor, leitora, leitore, sim, este será mais um artigo em que eu vou cutucar as redes sociais. Não me leva a mal e nem como um neoludita – aquele que se opõe à industrialização ou ao desenvolvimento tecnológico – pelo contrário, entenda que minha tentativa de vir a cada quinze dias a este site para debater o assunto com você é para que façamos uma reflexão que muitas vezes nos escapa no consumo diário que fazemos destes meios, todos os dias.
Acredito que até agora nunca parti do princípio do porque que este assunto me intriga. Mídias sociais exercem a função de mediar nossas relações, são um meio para, além da troca de informações, atribuirmos representações ao mundo e a forma como o interpretamos por meio das ferramentas de criação que nos são oferecidas.
Outro ponto importante de se entender é que algoritmos são linguagens como quaisquer outras que usamos para atribuir significado às coisas e elaborar nossas ideias. Gosto de pensar que os algoritmos e a programação estão para a relação da Língua e a literatura. Desse modo fica mais fácil visualizar que toda programação também é uma expressão das ideias e valores de quem a cria, tal qual um autor e sua obra literária. É importante lembrar, portanto, que na história da humanidade, algumas obras fundamentaram a nossa forma de viver em sociedade e a interpretar o mundo, tendo os mais variados impactos que a história está aí para contar.
A internet foi construída sob a ideia de conectar pessoas num espaço virtual em vista da troca livre de conhecimento e informação, livre das limitações e regras do mundo físico – entendido como o real. De fato, isso funcionou amplamente até sua comercialização entre o começo da década de 1980 e o começo dos anos 2000. Hoje, entretanto, a onipresença da mídia social sob a tutela, principalmente, do Facebook e das ferramentas do Google constituem plataformas-monopólios para a vida social, a informação e consumo de mídia. A história dessa dinâmica acaba de ganhar novos contornos com a ascensão da Meta.
Diante de uma série de escândalos sobre transparência e atuação ética, o Facebook anunciou uma mudança no nome da companhia mãe para Meta. Mais do que um novo nome, a mudança de marca busca refletir os novos esforços da companhia no que ela acredita ser a próxima fronteira da mídia social, o metaverso. Em entrevista ao The Verge, Mark Zuckerberg afirmou que o metaverso “é um ambiente persistente e síncrono onde podemos estar juntos, que provavelmente vai se assemelhar a algum tipo de híbrido entre as plataformas sociais que vemos hoje, mas um ambiente onde você está incorporado nele”.
Sem dúvida este é um grande salto em termos tecnológicos, sociais e criativos para todos nós, impactando várias camadas da nossa vida cotidiana. Da forma como comunicamos e conectamos com outras pessoas, no trabalho, com a família, amigos e antepassados, da saúde, à moda e ao jeito de morar, tudo sofrerá transformações. Esse sem dúvida é o futuro.
Porém, a novidade não foi poupada de críticas. Porque à medida que as coisas tendem a se encaminhar pela perspectiva do propósito, talvez, a grande transformação que esperávamos é que este espaço de mediação pudesse ter ganhado avanços mais representativos em tópicos relacionados, a por exemplo, resolver a questão pela qual o Instagram é tóxico para adolescentes, informação que é sabida e foi ignorada pelo Facebook (atual Meta), como podemos avançar de forma prática no combate a fake news ou até mesmo na mitigação de danos a democracias.
A emergência de inovações nesse sentido está na eminente probabilidade de que teremos que lidar com outras questões à frente como a produção, manipulação e modificação artificial de dados e mídia por meios automatizados, especialmente por meio do uso de algoritmos de inteligência artificial, comunicação neural, e, uma vez que o futuro torna-se cada vez mais desmaterializado, contextos em que as barreiras entre o real e o fake vão ser cada vez mais difíceis de distinguir.
Ainda que as grandes corporações de mídia tenham colocado certo esforço e foco na mediação da criação de um mundo melhor por meio da devida programação dos seus algoritmos, passou da hora de nós – meros mortais, alheios da programação – levarmos o papo sobre tecnologia a sério e nos engajarmos mais na forma como tais linguagens forjam a nossa forma de compreender o mundo. Agora, mais do que nunca, é preciso despertar um senso de exigência por um ecossistema de mídia que seja confiável e transparente, um sistema que gere valor e reduza o desperdício, que encoraje a pluralidade, que entregue valor para a comunidade criativa de forma global e que nos coloque no centro não como consumidores – ou seja, um ativo utilitário apenas para um ciclo de mercado – mas como humanos.
Em resumo, nós estamos prestes a experienciar uma grande transformação, com o poder de mudar o cenário da mídia como conhecemos. Queremos viver o futuro escrito por um único homem? Debater sobre este assunto e puxar mais agentes para essa conversa determinará uma divisão entre as companhias de mídia que abraçarão a responsabilidade social em suas transformações digitais e aquelas que não o fizeram, bem como uma série de impactos sobre a narrativa de mundo que passaremos a adotar.
Victor Brandão é bacharel em comunicação social e especialista em Cultura Material e Consumo na perspectiva semiopsicanalítica pela Escola de Comunicação e Artes da USP. Trabalha com pesquisas de comportamento e em estratégias de comunicação, marcas e negócios.
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