Equalizar o passado, o presente e o futuro para chegar a uma vida mais prazerosa e compensadora. Como fazer isso em meio a um dia a dia estressante, repleto de demandas, obrigações e cobranças? E tudo isso elevado ao cubo em tempos de pandemia. É o que o professor, escritor e jornalista britânico David Baker tenta desvendar. Um dos fundadores da filial brasileira da The School of Life e criador da incensada Wired, revista sobre inovação, Baker se especializou no uso de linguagem simples para discorrer sobre tópicos complexos e tem um interesse particular no futuro do trabalho e no efeito da tecnologia nos seres humanos. “Nossa sociedade nos dá a impressão de que precisamos nos esforçar para sermos melhores em quase tudo. Alain de Botton, fundador da The School of Life, costuma dizer que estamos sempre nos comparando com os outros, mas o problema é que normalmente nos comparamos com pessoas que, em nossa opinião, são melhores do que nós. Elas têm um emprego melhor, uma casa melhor, uma vida mais descolada… Ficamos continuamente ansiosos porque sentimos que não estamos de fato sendo bem-sucedidos”, diz Baker, frisando que devemos parar de supervalorizar a carreira e abrir espaço para o prazer em nossa vida. Diretamente de Londres, ele conversou sobre essas e muitas outras questões.
David Blaker concedeu entrevista para a revista J.P de agosto / setembro 2021
* Matéria originalmente publicada na Revista J.P, do Grupo Glamurama
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Na sociedade ocidental, as pessoas costumam colocar o trabalho na frente da vida pessoal. De que forma isso impacta a essência humana?
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Bem, nos faz priorizar o trabalho sobre todo o resto. É muito mais fácil usar uma promoção, um aumento de salário ou um novo cargo como meio de autovalidação do que realmente pensar no que o “eu” significa. Para mim, “eu” é o que se passa dentro de nós e como nos conectamos com os outros, e nenhuma dessas coisas tem realmente a ver com trabalho. O problema é que o sucesso nessas áreas é difícil de medir, então não nos concentramos nelas. Entendo por que algumas pessoas avaliam seu trabalho acima de tudo e as respeito por isso. Mas não é para mim. Eu preferia ter seis ou sete amigos próximos e um emprego de nível médio, do que nenhum amigo de verdade, um escritório e um cargo importante.
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Nos tornamos escravos da vida moderna?
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Acho que “escravos” é uma palavra muito forte e sugere que não temos controle sobre como vivemos nossa vida. Mas é verdade que muitas das coisas que fazemos, as opiniões que temos e as emoções que sentimos são fortemente influenciadas pelo que vemos como expectativas da vida moderna. Todo mundo precisa de comida, aconchego, abrigo e segurança – e todos nós deveríamos lutar muito para ajudar quem não têm essas coisas –, porém, quantos de nós realmente precisamos de um carro maior ou uma casa maior ou um corpo perfeito para o Instagram? Acho que vale a pena dar um passo atrás e nos perguntar por que nos esforçamos para ter certas coisas. É por que realmente as queremos ou por que pensamos que a sociedade as exige de nós? E isso também se aplica a comportamentos. Em nossa cultura, ser rico significa alto status. Mas como seria o mundo se o status estivesse vinculado a algo como bondade ou compaixão?
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Você diz que deveríamos reduzir o valor que damos às coisas pelas quais podemos pagar. Como fazer isso em uma sociedade profundamente capitalista como a nossa?
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Acho que focando em coisas que o dinheiro não pode comprar: amizade, contentamento, conversas nas quais sentimos uma conexão real com alguém… A lista é interminável. Ao fazer isso, colocamos as coisas pagas em seu lugar, como aspectos de nossa vida, mas não sua totalidade.
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Como iniciar uma mudança real para equilibrar o trabalho e a vida pessoal?
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A resposta óbvia é trabalhar menos horas e tornar as horas que trabalhamos mais eficientes e satisfatórias. Muitas pessoas não conseguem fazer isso. Seus trabalhos são mais enfadonhos do que alegres e precisamos entender isso quando estamos lidando com eles. Mas muitos de nós podemos. Há um verdadeiro prazer em trabalhar com inteligência, compreender realmente a contribuição única que fazemos para a organização para a qual prestamos serviços e nos posicionar para que sejamos usados da melhor maneira possível. Isso pode significar mudar de função, de emprego ou até toda a nossa profissão, mas vale a pena. Daniel Pink, em seu livro Drive, argumentou que as pessoas mais motivadas no trabalho são aquelas que têm autonomia, desafios e propósitos. Para elas, o trabalho é um prazer e pode ocupar lugar como um dos muitos prazeres que todos merecemos ter na vida.
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A sociedade também precisa se reinventar. Qual seria o primeiro passo?
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Precisamos que nossas sociedades mudem, pois isso valida nossas próprias habilidades humanas de curiosidade e invenção. Concordo que há muitos conflitos no mundo no momento, não apenas físico, mas no reino das ideias e emoções. Talvez, em vez de buscar o equilíbrio, pre-cisemos cultivar a compreensão: o que está por trás de nossas divergências. Para mim, pensar em um “equilíbrio” entre trabalho e vida é uma ideia perigosa, porque o trabalho faz parte da vi-da, não é algo separado dela e (presumivelmente) não é tão importante. Porém, certamente muitas pessoas sentem que o trabalho é “tudo” o que fazem. Alain de Botton aponta que elevamos o trabalho a um grande projeto com o qual, de alguma forma, temos que continuar lutando até acertarmos. Diminuir sua importância para ser apenas uma das muitas coisas que fazemos na vida é um bom primeiro passo para abrir espaço para outras atividades, como o amor, a amizade ou simplesmente se divertir.
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Você costuma falar em suas palestras de “habilidades suaves”. Do que se trata?
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Durante a maior parte dos últimos 200 anos, vimos trabalhadores parecidos com má-quinas e os ajudamos a cultivar suas habilidades de acordo com isso. É por isso que treinamos pessoas em coisas como “gerenciamento de processos”, “contabilidade fiscal”, “análise de dados” e assim por diante. Essas habilidades são importantes, mas elas apenas se baseiam em uma parte racional e lógica do cérebro. A mente humana é capaz de muito mais. Podemos, por exemplo, tranquilizar alguém que está assustado simplesmente dando atenção ao que ele tem a dizer; podemos fazer as pessoas se sentirem fortes e valorizadas sendo bons amigos para elas; podemos ler nas entre-linhas quando alguém está tentando nos dizer algo difícil de expressar em palavras; podemos entender nossos próprios desejos, motivações e medos, e conviver com eles, mesmo quando parecem um pouco estranhos. Esses são exemplos do que é chamado de “habilidades suaves”. Na verdade, devem ser chamadas de “habilidades humanas” porque são habilidades que nenhuma máquina poderia fazer.
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Que necessidades precisamos desenvolver para viver melhor?
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Eu colocaria o autoconhecimento no topo da lista. Precisamos entender por que respondemos a certas coisas de maneiras inesperadas, saber por que gostamos de uma coisa em vez de outra e entender como as experiências que tivemos em nossa infância ainda podem nos afetar como adultos. Além disso, acho que relaxar e não se preocupar muito seriam habilidades úteis. Fiquei muito impressionado com o livro Feline Philoso-phy, do filósofo britânico John Gray, no qual ele investiga como os gatos parecem levar uma vida melhor do que a nossa. Não acho que gostaria de ter a vida de um gato em sua totalidade, mas certamente eles têm muito a nos ensinar sobre como viver o momento.
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Inteligência emocional versus tecnologia. Como será esse embate no futuro?
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É difícil dizer, pois todas nossas previsões do futuro parecem erradas. Quando eu era criança, o futuro era carros voadores e jet-packs, e ainda estamos de ônibus. Mas espero que a tecnologia assuma algumas das tarefas chatas e repetitivas do trabalho, que tornam tantos empregos desanimadores. E espero que isso nos dê mais tempo fora do trabalho para continuarmos com outras coisas na vida.
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Mundo pós-pandemia. A seu ver, quais serão as transformações, para o bem e para o mal?
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A primeira coisa que precisamos fazer é nos tornar um mundo pós-pandêmico. Não estamos nem perto disso agora e muitos países não ficarão nessa posição por muito tempo. Em um nível global, espero que a experiência da Covid-19 tenha nos ensinado como estamos interconectados, não apenas em termos de risco, mas também em termos de nossos deveres mútuos. Todos, desde o banqueiro no centro de Manhattan até o agricultor na zona rural do Chade [na África], são seres humanos e temos mais em comum com cada um deles do que diferenças. Espero que o vírus tenha nos lembrado disso e que possamos agir com base nesse conhecimento no futuro. Mas estou pessimista, nós, humanos, somos muito paroquiais. Tendemos a não olhar para o mundo além de nossa própria experiência e isso é uma pena, pois nos reduz como pessoas.
- Neste artigo:
- David Baker,
- The School of Life,