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Heteropessimismo
Foto: Reprodução/Unsplash

Basta uma conversa rápida entre mulheres para ouvir histórias bizarras sobre dates. É o cara que fez questão de conhecer a família e os amigos, fez juras de amor, e depois sumiu sem uma mensagem sequer. Ou o que marcou um encontro e não apareceu e até o que convidou para ir a sua cidade, no caso de morarem em lugares diferentes, e, assim que ela chegou, bloqueou o celular. Quem não tem um perrengue desses para contar que atire a primeira pedra.

Essas situações, que são frequentes, somadas ao novo perfil feminino – de mais independência e sem carregar o estigma cultural de que sua principal função é ser dona de casa –, têm levado muitas a optar por não ter um relacionamento sério. Como reflexo, o termo heteropessimismo, cunhado pela escritora americana Asa Seresin, tem ganhado popularidade.

Na prática, é um sentimento de decepção, constrangimento ou desespero para como se apresentam as relações heterossexuais nos dias de hoje. Não tem ligação, necessariamente, com relacionamentos violentos ou nocivos, sexismo explícito, abuso ou hierarquia. Trata-se de uma decepção generalizada da experiência heterossexual: de algo que começa bem, com desejo, conexão sexual e íntima, e termina mal e sem explicações.

Segundo Asa, não é algo que atinge apenas as mulheres, mas geralmente a raiz do problema está nos homens. “Movimentos sociais como #MeToo ou #Me-nAreTrash, protesto sul-africano contra a violência entre parceiros íntimos, demonstram a urgência de revolucionar a cultura heterossexual”, disse a escritora em artigo para a revista online The New Inquiry. Ela conta que, como mulher gay, já ouviu de aproximadamente 100 mil mulheres que “seria muito mais fácil ser homossexual”. No entanto, elas continuam gostando de homens, pois essa não é uma escolha intuitiva.

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Para se ter uma ideia do cenário, uma análise do Pew Research Center, que fornece informações sobre questões, atitudes e tendências que estão moldando o mundo, mostra que metade dos adultos solteiros desistiu de procurar um relacionamento amoroso: as taxas de atividade sexual, namoro e casamento atingiram o menor nível em 30 anos. Christine Emba, colunista de The Washington Post, e autora de “Rethinking Sex: A Provocation (Repensando o Sexo: Uma Provocação)”, descobriu nas entrevistas que realizou para o livro que, sim, são as mulheres que mais desistem de ter um relacionamento. E o motivo é simples: encontros que terminaram mal.

UFA, CANSEI!

São anos de relacionamentos ruins, de homens que desaparecem do nada, o chamado ghosting, termo que vem da palavra em inglês ghost (fantasma) e ilustra quando uma das partes simplesmente some. “As mulheres estão exaustas dessas situações”, diz a jornalista, atriz e roteirista Martchela Casagrande, apresentadora do Lambisgoia Cast, podcast dos piores “dates” com teorias sobre a vida da mulher solteira. Segundo ela, não há uma, acima dos 20 anos, que não tenha passado por uma relação ruim.

“Lembro de uma história em que uma mulher foi convidada a ir à casa de um homem e, ao chegar lá, não conseguiu entrar, pois o tal cara estava com o celular desligado. O primeiro portão abriu, mas o segundo não e ela ficou presa dentro do prédio uma madrugada inteira. Ele simplesmente não se preocupou que ela estava lá”, conta.

Um estudo feito pela California Polytechnic State University examinou o fenômeno e descobriu que a experiência de levar um ghosting, termo bem em alta no momento, traz um alto custo psicológico para quem sofre o abandono, impedindo-a de explorar novos encontros românticos por causa da incerteza provocada pela situação. Martchela diz:

“Os homens preferem sumir a aceitar que estavam num relacionamento e se responsabilizar pelo sentimento que estava sendo compartilhado. Eles vão embora, deletam, bloqueiam. E as mulheres ficam perdidas tentando entender onde erraram, buscando cada vírgula das conversas para saber se fizeram algo errado. Isso vai gerando um cansaço emocional”.

AUTOCONHECIMENTO

Na visão da psicanalista Ana Suy, professora da PUC-PR e autora de “A Gente Mira no Amor e Acerta na Solidão”, isso é reflexo dos novos tempos e dos inúmeros tabus que foram quebrados ao longo dos anos. Ela explica que, de acordo com a teoria psicanalítica, os seres humanos não têm a natureza da sexualidade, como os animais, que se reproduzem de maneira instintiva.

“As pessoas, como são seres de linguagem, têm uma relação com a existência, que é errante. Por exemplo: quando um bebê nasce, já olhamos para o gênero como um lugar cultural e, consequentemente, com os comportamentos que se esperam dele por ter determinado corpo. Da mesma forma, por muito tempo relacionou-se a mulher com a maternidade, como se seu papel na sociedade fosse apenas dar continuidade à espécie”, afirma.

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Com o advento do anticoncepcional, das conquistas feministas e das mudanças sociais que a mulher vem passando, separa-se, cada vez mais, a sexualidade da maternidade. Já não é mais evidente que todas precisam (ou querem) ser mães. “As mulheres têm se perguntado para que serve um relacionamento, o que topam ou não”, diz Ana. Segundo ela, nem a noção de homem, nem de mulher que tínhamos se sustenta hoje e ambos precisam se reinventar.

Mas o que acontece, no geral, é que as mulheres estão buscando essa transformação, com autoconhecimento, terapia e quebra de tabus, mas os homens não, como ressalta Martchela. “Depois de muito tempo se responsabilizando pelos relacionamentos que não deram certo, descobriram na terapia que não há nada de errado com elas. Nós evoluímos e eles não. Somos donas da nova vida e não aceitamos mais pouca coisa. Por isso, muitas estão optando por ficar sozinhas”, diz.

A ginecologista Maria Candida Baracat, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), tem a mesma percepção. Ela acredita que a independência que a mulher conquistou ao longo do tempo – financeira, de trabalho e pessoal – intimida os homens. “Na sociedade machista em que vivemos, eles ainda esperam o modelo antigo, da mulher só mãe ou dona de casa. Mas, conseguimos ser tudo isso e não queremos mais qualquer tipo de relacionamento.”

Para Maria Candida, as mulheres estão mais seletivas e sabem o que é importante para sua vida, além do relacionamento. “Vejo isso constantemente no consultório”, afirma, “muitas preferem morar com amigas do que com homens, por exemplo, e já olham o relacionamento de outra perspectiva”. Martchela finaliza:

“Nesse sentido, é importante nunca se moldar para um relacionamento dar certo. Estamos trabalhando nossos sentimentos, nos conhecendo. Se um homem não consegue nos acompanhar, não vale a pena insistir”.

Texto por Caroline Marino.

A matéria faz parte da nova edição da Revista J.P.

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