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Luísa Sonza
Foto: Maurício Nahas

Às vésperas da divulgação do videoclipe de “Campo de Morango”, então precisamente agendado para às 21h dessa quarta-feira (16) e simultaneamente no YouTube e nas redes sociais, Luísa Sonza prometeu aos fãs que a produção audiovisual da primeira faixa de seu terceiro e próximo álbum – “Escândalo Íntimo”, previsto para o fim do mês – iria ‘chocar’, indicando antecipadamente a indignação viral que estava por vir. A promessa foi cumprida com glória, e o lançamento produziu tanto um hit quanto um case de sucesso com o bafafá que causou. E foi visto como uma luz no fim do túnel para executivos da indústria fonográfica do Brasil, e exemplo para os de outras indústrias. Liberado no Spotify junto com seu filme promocional, o single “Campo de Morango” atingiu um milhão de reproduções em apenas 18 horas, de quebra entrando no Top 10 Global das músicas mais ouvidas no aplicativo sem ter completado 24 horas no streaming.

Muito dessa repercussão positiva deve ser creditada aos haters de Luísa. Escandalizados com um teaser de estratégicos 1 minuto e 16 segundos, postado pontualmente na hora prometida para os quase 31 milhões de seguidores da cantora de 25 anos no Instagram, já descontados os 200 mil que deram unfollow nela depois do que se seguiu, foram eles os impulsionadores de seu mais novo trabalho em estúdio. Ao promoverem essa ação em massa, mais tarde anunciada como “massacre” nas manchetes de alguns sites, encheram a caixa de comentários da artista gaúcha com queixas raivosas, inclusive inúmeros textões de teor difamatório – o que é cyberbullying, crime contra a honra em meio virtual previsto na Lei dos Crimes Cibernéticos, mais conhecida como “Lei Carolina Dieckmann”.

A carnificina virtual, no entanto, não deixou feridos, e só serviu para vitaminar ainda mais a carreira de Luísa, uma das maiores celebridades brasileiras na atualidade. Dos 36,1 milhões de usuários do Insta que visitaram seu perfil nas 48 horas contadas a partir das 21h de quarta, mais de 133 mil comentaram o que acharam do filminho oficial, em sua maioria descontentes vociferando suas impressões. Em razão do cenário a céu aberto, com Luísa ora sozinha ora com outras mulheres, de um jeito ou de outro quase sempre em cima de uma cama, a fotografia kitsch da produção caprichada destaca ainda mais o vermelhão de seus corpos e roupas encharcados pelo sumo de morangos.

As cenas propositalmente exageradas, mais a coreografia sensual delas, como se tivessem em transe, acirrou ânimos. Críticas descomunais e infundadas foram disparadas contra Luísa, a essa altura um verdadeiro anticristo para seus detratores, dos quais muitos se declararam como seus recém-convertidos ex-fãs. O que ela deve ter adorado! Pelas pistas e spoilers que soltava por aí vez por outra, antes de divulgar a gravação astuciosa, estava claro fazia algum tempo que Luísa planejava causar. Em sintonia com a conjuntura que também constrói, seu objetivo se explica aqui como um realinhamento de imagem. A versão “pimenta” de “Doce 22”, segundo álbum da popstar, cede protagonismo a outra, segura de si e, principalmente, sexualmente autônoma. Do jeito que a Geração Z gosta, portanto.

De acordo com Luísa, “Campo de Morango” é uma ode ao ‘orgasmo’ feminino como exaltação à liberdade e ao amor-próprio. Ao menos tem sido essa sua explicação sobre o que a inspirou a escrever a música. O que bate com algumas coisas de seu clipe, pelo ponto de vista da simbologia. A começar pelo morango, que na Grécia antiga era associado à Vênus, deusa do amor. Também é símbolo do Sagrado feminino, movimento de despertar, cura, conexão e empoderamento de mulheres. Na Renascença, simbolizava a Santíssima Trindade, e por causa de sua estrutura trilobada (de três folhas), virou sinônimo de “boas ações” da Virgem e do Martírio. O “gancho” final: zoomers têm pouco interesse por sexo, o que não enxergam como um ‘ato de rebelião’. Chamados de ‘pureteens’ (‘adolescentes puritanos’, em tradução livre) por alguns estudiosos, seu individualismo e valorização do eu são uma de suas formas de mostrar a que vieram, ou seja, seu tesão maior é ‘atingir o clímax’ sozinhos. Nada de ritual satânico, apologia ao estupro ou mensagens subliminares feministas e sutilmente escondidas, como identificadas por alguns haters. No leito ao ar livre de “Campo de Morango”, o prazer de Luísa era um só: o de estar ciente de que é dona da própria sexualidade.

Tão sutil quanto a epifania foi a sacada de fisgar uma audiência específica, para isso usando um termo que, em certos aspectos, revela muito sobre o nicho. Definição sociológica para os nascidos entre meados da década de 1990 e o ano de 2010, a Geração Z foi apelidada de “Geração Morango” por acadêmicos que a estudam buscando cada vez melhor entendê-la, dado o fenômeno que é. O motivo? Embora possuam ideias elevadas, muita criatividade, das vantagens de terem nascido em um mundo já digital e hiperconectado, basta um pouco de pressão para que os Gen Z’s percam a pose facilmente, como se fossem moranguinhos espremidos. Sorte sua terem os pais por perto nessas horas, uma vez que relutam a esvaziar o ninho parental, com tal característica geracional.

Por outro lado, essa fraqueza os coloca em desvantagem com seus antecessores da Geração Y. Os millennials, como esse outro grupo populacional é tratado, são mais destemidos, talvez pelo “trauma” por nascerem (do começo da década de 1980 até meados da década de 1990) em um realidade nada virtual, que virou de cabeça pra baixo o planeta justo quando estavam na adolescência. Superar a angústia os tornou mais fortes, mas seus dogmas identitários causaram outras. Dessas, a maior inquietação justifica sua alcunha de geração burnout. As crises e revoluções que vivenciaram tornaram os millennials mais alertas, obcecados por trabalho e conservadores. Se jogar no sofá por alguns minutos, quando chegam em casa tarde da noite depois do serviço, é seu gatilho para relaxar.

Mas o mundo é cruel. Justo quando buscavam se desconectar um pouco, no horário noturno que mais costumam surfar na internet, como indicam pesquisas sobre seus costumes também enormemente estudados, eis que surge uma imagem chocante em seus feeds no Instagram: o videoclipe de “Campo de Morango” – parcial, por sinal, o completo sairá em breve – feito sob medida para mexer com emoções de millennials. Pura crueldade, ou sublime sacada de Marketing de Contracultura? O status de case alcançado soa como a melhor resposta.

Vale desenvolver melhor o que levou a esse resultado que permitiu a Luísa – literalmente! – monetizar a ira de haters, transformando esse ódio em massa em um saldo positivo para sua carreira, como de um limão se faz uma limonada. A seguir, 8 fatores que ilustram bem esse “hit” mercadológico. Segue o fio…

1. Engajamento e Algoritmos: As redes sociais operam com base em algoritmos que recompensam o engajamento. Cada comentário, curtida e compartilhamento, seja positivo ou negativo, impulsiona a visibilidade do conteúdo. Com mais de 153 mil comentários em seus últimos posts abordando “Campo de Morango”, Luísa aumentou significativamente a probabilidade de seu conteúdo ser visto por um público mais amplo, incluindo pessoas fora de sua base de fãs existente e do exterior. Essa evidência otimizada pode converter-se em mais streams, visualizações de videoclipes e, por consequência, maiores receitas.

2. Monetização Direta no Instagram: Com um perfil tão grande no Instagram (30,8 milhões de seguidores, aproximadamente), Luísa pode faturar consideravelmente com posts patrocinados. O aumento do engajamento, mesmo se ocasionado por haters, demonstra que ela está “ativa” e “relevante”, tornando-a mais atraente para marcas e patrocinadores. Assumindo que um post patrocinado para alguém com a influência de Luísa possa valer dezenas de milhares de dólares (ou até mais), cada aumento em engajamento pode resultar em acordos mais lucrativos. Pela metodologia da consultoria britânica Hopper HQ, que monitora ações de marketing digital, no momento o cachê por publipost de Luísa deve ser de no mínimo uns US$ 100 mil (R$ 497 mil).

3. Conexão com a Geração Z: A Geração Z é conhecida por valorizar a autenticidade e por desafiar normas e tabus tradicionais. Ao fazer alusão a temas controversos no videoclipe de “Campo de Morango”, Luísa pode estar fortalecendo sua conexão com esse público, que tende a apreciar artistas que não têm medo de se expressar e enfrentar críticas. Como os zoomers estão emergindo como consumidores dominantes na economia, essa conexão pode se traduzir em maior lealdade dos fãs e maiores receitas no futuro.

4. Perda de Seguidores como Limpeza de Audiência: A polêmica levou 200 mil seguidores a deixarem de seguir o perfil de sua causadora, mas a baixa pode ser vista de forma de sinalização positiva. Uma base de seguidores mais engajada e alinhada com seus valores pode ser mais valiosa do que números inflados. Além disso, os seguidores que permanecem depois desse posicionamento antagônico de Luísa são mais propensos a interagir positivamente, sendo zoomers ou seus simpatizantes, a comprar produtos ou ingressos, e a apoiar suas iniciativas futuras.

5. Posicionamento rumo à Indústria 4.0: Luísa está demonstrando adaptabilidade e resiliência em um mercado em constante mudança. Ao enfrentar críticas e transformá-las em oportunidades, ela mostra que está pronta para a Indústria 4.0, que valoriza a inovação, a adaptabilidade e a capacidade de utilizar dados e feedback (neste caso, o feedback do público) para informar estratégias futuras. Em suma, embora a controvérsia possa criar desafios no curto prazo, Luísa está usando-a para reforçar sua marca, conectar-se com seu público-alvo e, potencialmente, impulsionar sua carreira a novos patamares.

6. Valor por Engajamento: A Meta, matriz do Instagram, não paga diretamente aos usuários pelo engajamento em posts regulares. A principal maneira pela qual os influenciadores ganham dinheiro como Instagrammers é por meio de parcerias e postagens patrocinadas. As marcas pagam personalidades específicas que se conectam com os consumidores que buscam conquistar com base em dois tópicos: alcance e engajamento. Luísa, graças a esse “massacre” com comentários odiosos que sofreu, poderá cobrar muito mais por postagens patrocinadas no futuro.

7. IGTV e Reels: Em 2021, a Meta anunciou que começaria a compartilhar a receita de anúncios no IGTV, canal de vídeos do Insta, com criadores, e também estava testando a monetização do Reels. Em ambos os casos o pagamento é baseado em vários fatores, incluindo visualizações do anúncio. Para fornecer uma estimativa aproximada, e orientado por especialistas, GLMRM considerou um cenário onde Luísa teve um vídeo no IGTV ou Reels que alcançou 20 milhões de visualizações combinadas nas 48 horas desde a divulgação do videoclipe de “Campo de Morango”, e um CPM (custo por mil visualizações) de US$ 5 (R$ 24,85, um valor estimado). Apenas com anúncios no IGTV ou Reels, suas receitas podem ter superado a cifra de US$ 100 mil (R$ 497 mil) já contabilizados. Para alguém que brincava de ser youtuber na infância, compartilhando covers de cantoras internacionais que curtia, a cifra a coloca no mesmo patamar das divas.

8. Alinhamento com Tendências de Marketing Digital: Luísa não inventou a roda, mas mostrou que ela gira. Como outros segmentos, a publicidade também se prepara para um futuro cada vez mais digital e no contexto da Web 3.0, um conceito em desenvolvimento desde 2014 também conhecido como “Web Semântica”. Ainda complexo mas definido como inevitável, pode ser explicado de forma resumida como um ambiente virtual descentralizado, a fim de garantir uma redistribuição de poder. Em termos de marketing, implica em mais ações de antimarketing e Marketing de Exclusividade, nas quais um agente é provocado para chamar a atenção de outro agente, que não quer se parecer com o anterior e é o alvo principal.

Luísa, claro, é uma profissional das artes. Seu talento é poder viver a partir daquilo que deseja expressar em letra e melodia. Com 25 anos, Luísa também é uma zoomer, criada em uma época de altos e baixos ao longo da qual a tecnologia existiu desde o berço em seu cotidiano, o que também a moldou como pessoa e artista, algo que é refletido em suas criações. Pura sorte ou dom? Seja o que for, Luísa é a parceira perfeita para empresas desesperadas em se enturmarem com quem prestigia sua música, o público-alvo da ocasião mais propenso a consumir o que têm a oferecer. Perceber ser capaz de aproveitar uma oportunidade dessas e usá-la para cantar para quem quer ouvi-la também são talentos.

Sorte mesmo é ser a pessoa certa, na hora certa e no lugar certo, como Luísa, graças aos fãs que apreciam sua arte, se tornou para quem agora os ama mais do que nunca: o capitalismo. Alinhados e nem aí para quem nem gosta deles, gente embriagada pelo suco da própria cólera e com muita sacanagem na cabeça, ambos realmente só pensam “naquilo”: nos moranguinhos da Geração Z.

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