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Já relatei algumas vezes aqui na minha coluna os sentimentos que o luto acaba nos proporcionando, sejam eles bons ou ruins.

Eu sabia que só viria para Paris no momento “ideal”, quando soubesse conviver com o meu luto e com os dias mais difíceis que ele traz. Por muito tempo, era impossível ficar longe do conforto da minha casa e da minha família.

Então, no ano passado, tomei essa decisão após sentir que estava realmente pronta. E eu de fato estava. Quando a dor ficava mais forte, eu já sabia como lidar. Mas acontece que são fases; às vezes, passamos um tempão sem ter uma crise mais aguda. E foi isso que aconteceu comigo desde que cheguei aqui. Os choros eram mais de felicidade e de orgulho do que de saudade.

Recentemente, em uma segunda-feira qualquer, eu estava limpando o meu apartamento aqui em Paris e parei rapidinho para almoçar. Enquanto comia, me deparei com um texto que me remeteu ao meu pai e comecei a chorar sem parar. Me surgiu uma vontade inexplicável de ligar para o meu pai, mesmo sabendo que ele já não pode me atender há alguns anos. Parece que, mesmo depois de tanto tempo, o meu cérebro esqueceu, mesmo que momentaneamente, e se recusava a aceitar a realidade. O fato de querer ligar e não poder me fez chorar por mais de 30 minutos seguidos.

Me estabilizei, mas duas semanas depois aconteceu a mesma coisa em um lindo domingo de sol. Nesse segundo caso, optei por chorar até parar e depois sair para passear. Senti que precisava andar por Paris, pegar um vento no rosto, olhar para os lugares mágicos da cidade (principalmente aqueles que me fazem sentir algo).

Dito e feito. Já tinha algumas pendências para resolver na rua e aproveitei para ir a alguns lugares de que gosto. Escolhi ficar em uma ponte por onde geralmente só passo e apreciar um pouco da vista linda. Me sentei, deixei o choro vir e fiquei apenas admirando o que estava à minha volta. O choro de saudade se misturou de novo com um choro de felicidade e orgulho. Naquele momento, peguei o meu celular e escrevi o que me veio à mente. O resultado compartilho aqui com vocês, mesmo sendo um tanto da minha vulnerabilidade e intimidade:

“Eu só espero nunca esquecer disso aqui. Espero nunca esquecer o quanto eu quis estar aqui. Espero lembrar do privilégio que é pegar um metrô e estar em um dos pontos turísticos mais lindos do mundo.

Dá um medo de esquecer, sabe? De não viver ao máximo. De me arrepender de alguma coisa.

É muito louco pensar que tudo isso aqui um dia foi só um sonho. Foi só uma ideia na minha cabeça. Foi só uma conversa entre eu e meu pai. Foi só um pedido nas minhas orações.

Um dia foi só medo. Um dia foi só uma curiosidade.

Tiveram os dias também que parecia impossível de se realizar. Eu cheguei a acreditar que era um sonho abandonado. Que outros sonhos viriam.

Mas ele persistia na minha cabeça. Os caminhos sempre me levavam a ele.

E aí hoje, que eu me senti fraca e com medo de novo, lembrei de tudo isso. E lembrei que depois do medo e da fraqueza ainda dá para vir muita força. Dá para vir muita surpresa, muito encanto.

Fiz questão de vir respirar o ar puro, de olhar mil vezes para os mesmos cantinhos para tentar eternizá-los na minha cabeça.

Espero que eu nunca esqueça de quem eu fui quando estava aqui. E, mais ainda, como meu pai sempre me dizia: que eu nunca me esqueça do barco que me trouxe aqui.”

Às vezes vale a pena respeitar nossos dias ruínas. Às vezes vale a pena transformar a tristeza em escrita. Ser produtivo é legal, mas se permitir fazer o que deu vontade e olhar para dentro é mais legal ainda.

 

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