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Laura Diaz

Quatro jovens artistas da geração que manda nudes, e estão na linha de frente da música e da fotografia, expõem mais do que a alma em seus trabalhos e não têm medo de mostrar seus corpos livres
por chico felitti fotos andré giorgi

CORPO (NU) A CORPO (NU)
Duas da tarde de uma segunda-feira é um horário satisfatório para LAURA DIAZ acordar. Até porque no fim de sema¬na ela participou de duas festas, uma delas a Mamba Negra, que organiza desde 2010. Laura é uma voz que se destaca na cena da música eletrônica nacional, mas quase acabou em outra forma de arte. Quando era adolescente, passou na USP no vestibular para audiovisual, que vez ou outra é mais concorrido do que o de medicina. Mas sua experiência mais importante na universidade, diz, foi ter contato com grupos de ativismo e de cultura como o Coro de Carcarás, que faz intervenção urbana e maracatu.

Foi na faculdade que conheceu as pessoas com quem fundaria a Mamba Negra, festa que já realizou 70 edições. E foi durante as festas que nasceu o projeto Teto Preto, que mistura elementos folclóricos brasileiros com músicas eletrônicas e letras que ela escreve e canta, como: “Todo mundo se drogando. Todo mundo meiando [‘meiar’ é dividir ao meio algo, geralmente um comprimido]”.

Laura já estreou no palco com uma ombreira de penas e mais nada cobrindo o torso. “Eu quis me colocar no palco com o corpo à mostra, foi quase num devir faquírico. Para expor toda essa repressão que existe na mulher na música brasileira”, diz ela, que conta com a estilista Fabia Bercsek para fazer os figurinos que mais revelam do que escondem. “A repressão retorna de uma maneira que é a sexualidade”, analisa.

A música de maior sucesso do seu grupo foi “Gasolina”, que entrou para a trilha sonora de Corpo Elétrico, filme premiado de Marcelo Caetano que mostra a vida de jovens festeiros que lutam para ganhar a vida em São Paulo enquanto exploram seus corpos livres. Bem o público da Mamba, que se realiza nas ruas ou em fábricas abandonadas.

A nudez no palco desperta mais reações de outras mulheres do que de homens. “Eu sempre tive uma respos¬ta massivamente feminina. As minas dizem: ‘Eu achei foda, eu percebi um negócio no meu corpo’. É uma troca de energia.” É essa energia feminina que ela quer continuar emanando e absorvendo em proporções iguais. “Existem mulheres muito fodas. E eu quero estar do lado dessas mulheres.”

Fabio Lamounier e Rodrigo Ladeira

GAROTOS SÓ QUEREM SE DIVERTIR
Fábio Lamounier para um segundo de manusear dezenas de fotos de homens pelados, depois de uma tarde inteira dedicada a organizar e envelopar os nus. “Rapaz, isso dá um trabalho”, diz o fotógrafo e cineasta mineiro de 28 anos, que junto com Rodrigo Ladeira encabeça o projeto Chicos.

Nascido como uma página de internet quatro anos atrás, o Chicos virou livro, fanzine (revista feita manualmente que atende ao gosto dos hipsters por novas coisas com caras de velha) e um exemplo de que diversidade vende. Os modelos
fotografados pela dupla mineira vêm em todos os formatos, cores e idades. Até porque tudo começou quando a dupla se cansou de corpos iguais. “A gente tinha uma produtora em Belo Horizonte e fazia muito vídeo de moda. Nosso trabalho
era basicamente filmar modelos brancas e magras 24 horas por dia. A gente não aguentava mais, precisava abordar outros corpos e conversar mais sobre sexualidade.” Começaram a convidar amigos, todos homens gays, para posar.
Ao contrário de muitos outros projetos que só mostram barrigas tanquinhos, o Chicos mostra pelos, dobras e tons mil. Houve modelo com vitiligo e com menos de um 1,50 metro. “As pessoas que a gente conhece têm corpos regulares.

Tem amigos que são negros, amigos que são gordos. Com o tempo, as pessoas começaram a cobrar mais isso também, representatividade, o que acho ótimo.” Até porque as imagens falam. Cada foto vem com um texto sobre a pessoa retratada nela. “A fotografia serve mais como suporte do que a pessoa tem para falar.” Os temas vão desde se assumir gay para uma família evangélica a como achar sua pança sexy. Antes de tirar a roupa, geralmente na casa dos modelos, batem um papo e descobrem no ato sobre o que o texto será. “É um tiro no escuro.” Os textos, pessoais, acabam sendo de uma exposição maior do que as partes pudicas fotografadas.

O projeto ganhou fama e cresceu com o apoio de admiradores. O Chicos conseguiu superar a meta de arrecadação no Catarse, site para vaquinhas virtuais, para lançar um livro com o melhor dos mais de 130 ensaios. O dinheiro extra permitiu que fosse lançado um livro de luxo, desses de deixar na mesa de centro.

O próximo projeto vai focar em relacionamentos. “Grupos de poliamor, pessoas sozinhas, casais, monogâmicos ou não, todo tipo de relacionamento.” E, se o apoio do público continuar forte, planejam viajar para retratar o Brasil. “O sonho era poder visitar todas as capitais.” Já conseguiram clicar um modelo pelado na frente do Congresso. Um dos comentários na foto era: “A verdadeira sacanagem está no prédio no fundo da foto, não no corpo na frente”.

Fábio Motta

ATA-ME (NUM HOTEL CINCO ESTRELAS, DE PREFERÊNCIA)
O jovem empresário deixou a porta do quarto entreaberta para um homem entrar, amarrá-lo com cordas e ainda tirar fotos do processo. Não se tratava de um encontro sexual, mas de uma sessão do projeto de arte de Fábio Motta. O fotógrafo tatuado de 38 anos se especializou em fazer fotos de corpos nus amarrados com cordas ao estilo japonês shibari e cobertos de flores, e já teve como modelos estrelas internacionais.

O primeiro projeto em que ele fotografou nus, a partir de 2010, era de corpos no Copan, prédio projetado por Oscar Niemeyer e cartão-postal no centro de São Paulo. Mas aí veio o boom envolvendo nudes na internet e, em 2016, ele decidiu que sofisticaria sua estética para se diferenciar da massa. Em 2007, já havia feito um editorial de moda para uma revista com um especialista de amarrações. Pensou em reavivar o tema e dar seu toque pessoal, mas para isso teve de aprender a lidar com cordas. Começou a se amarrar, para treinar a arte do bondage, como é chamada internacionalmente. Enchia as próprias pernas e pés de voltas e mais voltas de laços, segurados por tipos de nós diferentes que aprendia na internet.

Conforme ia se aprimorando, compartilhava fotos de experimentos na rede. Acumulou 116 mil seguidores no Instagram, e muita gente interessada em posar. Mas a experiência é intensa, vale avisar. A ponto de duas pessoas terem desmaiado. Em parte porque os modelos querem sair na melhor forma nos cliques. “Tem gente que fica sem comer antes de vir”, ele admite. Fez as amarrações para a foto de capa de Alice, álbum que a cantora Alice Caymmi lançou no começo de 2018. Para o trabalho, ela foi amarrada com lírios e colocada dentro d’água. “Foi muita coragem, as cordas comprimem dentro d’água, que ainda por cima estava fria”, lembra ele. Também amarrou bem amarradinho Casey Spooner, que comanda a dupla de música eletrônica Fischerspooner e produz sons para artistas do calibre de Michael Stipe, o vocalista do REM.

O sucesso fez com que Motta virasse grife. Além de vender prints das suas fotos, oferece sessões particulares para pessoas que querem se aventurar. Mas sem sacanagem, por favor. “A amarração é um elemento cênico. Não é uma tara necessariamente.” A sessão básica dura duas horas e inclui cordas nas pernas, no tronco e uma máscara feita de fitas adesivas coloridas no rosto. Além dos cliques. “O ato de fotografar é até rápido, mas tem todo o ritual do antes e do depois.” Motta chega a receber quatro interessados por dia. Está planejando turnês pela Europa, onde já faz negócios. É que suas melhores fotos viraram estampa de camisetas, que ele vende mais no velho continente do que no Brasil. Abriu uma loja virtual em Oslo, onde vende as peças em séries de 15 exemplares a 70 euros cada uma. Outra viagem que planeja é para a Califórnia, onde quer dar o próximo passo em sua carreira de arte erótica. “Lá, quero fazer um fanzine mais ‘hard’, sabe? Cu, pau, boceta. As coisas cruas.”

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