Rachel Pacheco, mais conhecida por seu “nome de guerra” Bruna Surfistinha, esteve longe dos holofotes nos últimos tempos. Mas agora ela está de volta e com um projeto que determina nova fase em sua vida, o curso Prazer e Corpo – Nossos Mitos e Verdades, que ministra ao lado da consultora de moda Helga Fuchs e da terapeuta Paula de Oliveira Souza e que ganhou sua primeira edição no fim de junho, em São Paulo. Em entrevista ao Glamurama, a empresária – ela é dona do e-commerce de brinquedos eróticos, o Bruna Sex Store – diz viver um momento de redescoberta, marcado pelos anos que seguem o fim de um casamento de 10 anos, e ter encontrado seu caminho usando sua experiência para ajudar mulheres com questões sexuais. Abaixo, um papo sobre passado, presente e futuro com a “ex-garota de programa” mais famosa do Brasil.
Glamurama: Por que decidiu ministrar o curso Prazer e Corpo – Nossos Mitos e Verdades, relacionando sexo, moda e xamanismo?
Rachel Pacheco: “O curso é um desdobramento de um projeto antigo. Há um tempo realizei workshops para grupos femininos, mas sem muita divulgação, só no ‘boca a boca’, reunindo amigas e amigas de amigas. Um ano e meio se passou desde que parei de fazer esses encontros e, a partir dessa experiência, decidi fazer algo com mais profundidade, trabalhando melhor os bloqueios femininos e dividindo minha experiência sexual. O diferencial desse curso é o respaldo de uma terapeuta – a minha experiência é muito mais na prática, e nada como ter alguém com experiência teórica para agregar. Eu, Helga e Paula somos amigas há um tempo, e em uma conversa informal decidimos unir forças. Formamos um trio, cada uma com seu próprio conhecimento.”
Glamurama: Você teve alguma surpresa com o perfil das alunas inscritas? Qual o público que pretende atingir?
Rachel Pacheco: “Não fiquei surpresa. Em uma das reuniões que tivemos antes do curso falamos sobre isso, o publico que queremos atingir: um público feminino, que tem bloqueios a serem curados e buscam olhar a vida sexual sob uma nova perspectiva. Na nossa primeira turma tivemos muitas mulheres casadas e apenas duas solteiras – todas queriam trabalhar bloqueios sexuais. Gostei muito de uma participante em especial, que trouxe uma experiência interessante. Casada há 20 anos e sempre bem resolvida sexualmente, está sofrendo pela primeira vez por falta de libido por causa da menopausa.”
Glamurama: Você contou no curso que levou dois anos para “quebrar a ligação de fazer sexo e sentir prazer por obrigação.” Como foi este processo?
Rachel Pacheco: “Sim! Superei na época mesmo, mas foi um processo difícil. Vivi três anos de prostituição de maneira muito intensa, me entreguei àquela vida e quando me vi casada, sendo de um homem só – o que eu mais queria – levei um tempo pra me desligar da vida garota de programa, quando era obrigada a fazer uma série de coisas e a fingir prazer – o que fazia muito bem. Quando me vi em uma relação totalmente diferente precisei virar uma chave dentro de mim e me permitir a ter as minhas descobertas, buscar o meu orgasmo de verdade, sem ter que fingir que está bom quando não está.”
Glamurama: A masturbação ainda é um tabu para muitas mulheres. Como acabar com bloqueios como este e tantos outros em torno de sexualidade?
Rachel Pacheco: “Acredito que este já foi um tabu muito maior, mas ainda existe a dificuldade em quebrar o mito de que a masturbação feminina é algo feio. Cresci com esse pensamento também porque alguém ditou essa ‘regra’ e a sociedade acreditou – para os homens essa educação sempre foi mais liberal. A mulher precisa descobrir o prazer solitário. Isso é válido também para os momentos em que estiver com o parceiro, porque vai poder orientá-lo da forma que gosta. Como vendo produtos eróticos – online e na casa das pessoas – esse é um tema que as mulheres comentam muito comigo. O que mais ouço é: ‘Ah, este é o primeiro vibrador da minha vida! Quero ter esta experiência!’.”
Glamurama: Quais são as dúvidas mais recorrentes que chegam a você?
Raquel Pacheco: “Dúvidas sobre sexo anal, que proporciona um prazer muito diferente, um orgasmo muito mais forte do que apenas vaginal, e é uma experiencia que mulheres que têm vontade devem de superar. O medo da dor e o tabu que há em torno dele atrapalham. O segredo está em saber conduzir, encontrar uma posição que se sinta confortável e que te deixe no controle pra que o homem não extrapole. Por eu ter perdido a virgindade primeiro no anal nunca tive esse bloqueio. Muitos homens me procuravam só para isso. Aprendi na prática que os homens vêem o sexo anal com um certo poder, porque sabem que quando a mulher faz está realmente entregue, e quando conseguem se sentem poderosos.”
Glamurama: Muitas mulheres ainda preferem agradar ao marido do que a si mesmas. Porque acha que isso acontece?
Rachel Pacheco: “Isso é questão da educação também. Quando eu era adolescente, virgem ainda, com uns 13, 14 anos, ouvi pela primeira vez uma tia dizer que mulher tem a obrigação de dar prazer ao homem, caso contrário ele procuraria em outro lugar. Quando a mulher cresce com esta mentalidade acaba criando um bloqueio muito grande. Mulheres se preocupam muito em deixar o marido louco, mas a questão é: o que te faz ficar louca na cama? Para o homem também é importante que a mulher sinta prazer, um prazer verdadeiro. Essa teoria de que a mulher é obrigada a dar prazer tem que acabar.”
Glamurama: Ainda tem contato com o universo da prostituição? Tem colegas que ainda exercem o ofício? O que mudou desde que deixou a profissão?
Rachel Pacheco: “Tive contato com muitas mulheres, fiz amizades, mas é muito complicado mantê-las porque é comum mudarem números de telefone com os anos. Eu, por exemplo, depois que parei de fazer programa joguei meu chip fora. Isso é muito comum. Das minhas colegas da época não mantenho contato com nenhuma, mas recebo muitas mensagens de garotas de programa do Brasil todo, que me procuram dizendo que querem ser como eu e um dia largar essa vida. Muitas que me procuram vivem justamente o que eu vivi: uma fase.”
Glamurama: E qual conselho você costuma dar a elas?
Rachel Pacheco: “A vida da garota de programa é muito curta, é como jogador de futebol. Há exceções de mulheres que se prostituem há muitos anos, mas a maioria exerce a função por apenas um período. Digo a elas que se querem parar um dia que administrem bem seu dinheiro e seu trabalho. Eu gostaria de ter feito diferente em muitos aspectos. Tenho consciência de que poderia ter juntado muito dinheiro, mas acabei gastando a maior parte com cocaína e bebida. A prostituta se sente sozinha – é um mundo solitário e triste – porque acaba tendo uma vida dupla cheia de mentiras. Escondem o que fazem de suas famílias e a maioria delas cria a expectativa de um dia se casar. Eu e minhas colegas nos inspirávamos no filme ‘Uma Linda Mulher’, com a esperança de arranjar um homem que fosse nosso herói, nos tirasse dessa vida e assumisse a gente, e nos desse uma família.”
Glamurama: Em que aspectos ser garota de programa nos dias de hoje são diferentes da sua época?
Rachel Pacheco: “Na minha época não existia mídias sociais, por exemplo, o que deve ajudar bastante as meninas a divulgarem seus trabalhos. É preciso saber aproveitar isso. Eu divulgava meu trabalho pelo meu blog. Até existia o Orkut mas não soube aproveitar. Na minha época eu teria tido muitas ideias, teria atingido um publico muito maior.”
Glamurama: Nestes últimos anos ouvimos pouco falar de você. Por onde esteve?
Rachel Pacheco: “Me dediquei à minha loja virtual, que em 2019 vai ganhar a primeira loja física, à minha vida pessoal e à série #MeChamadeBruna, na Fox, que já está indo para a terceira temporada. Precisava ter um tempo para mim. Fiquei casada por 10 anos, me separei em junho de 2015. Precisei viver um momento meu até me readaptar. Em janeiro de 2017 me mudei de Moema, bairro onde vivi 13 anos. Conhecia todo mundo naquela área e percebi que pra recomeçar realmente, com mudanças internas e externas, eu devia sair dali.”
Glamurama: Está namorando?
Rachel Pacheco: “Sim, namoro há 2 anos e 7 meses, ele se chama Rafael, mas prefiro não revelar a profissão dele porque ainda tem muita gente que não sabe sobre nós – exceto os amigos mais próximos.”
Glamurama: Você faz terapia?
Rachel Pacheco: “Fiz após o período da prostituição e voltei a fazer tem dois anos e meio. Acho que deveria ter feito quando fui garota de programa, para lidar com conflitos internos. Depois que me separei tive que recomeçar a minha vida. Senti necessidade em entender o que tinha me tornado. Digo que precisava me reconstruir, como Raquel e como Bruna.”
Glamurama: Como é a Bruna Surfistinha que ainda habita em você?
Rachel Pacheco: “Apesar de não fazer programa há mais de dez anos as pessoas ainda me abordam na rua como Bruna. Tenho ela dentro de mim como meu alter ego, uma criatura, uma personagem… Sei que sou conhecida e que tudo o que conquistei foi por causa da Bruna. Ela se tornou uma marca.”
Glamurama: E como é a relação com sua família?
Raquel Pacheco: “Até hoje não tenho nenhuma relação com minha família. Em 2012 soube que meu pai tinha falecido, um dos motivos que me fez rever algumas coisas. Ainda tinha muita esperança dele me perdoar e da gente conversar, nem que fosse uma última conversa. A morte dele foi um momento muito triste para mim. Na época eu liguei para minha mãe para confirmar a notícia, mas em nossa conversa por telefone ela nunca se referiu a mim como filha e nem a meu pai como meu pai. Sugeri nos encontrarmos, falei que não queria viver com ela a mesma experiencia que eu vivi com meu pai, mas ela me pediu um tempo pra viver o luto, e garantiu que entraria em contato comigo. Nunca entrou. Ano passado entrei em contato por telefone e ela deixou muito claro que não tem vontade nenhuma de me ver. Ela sabe onde eu moro, tem meu telefone, meu e- mail, sabe como me achar… Apesar de querer esse encontro, não posso mais insistir.”
Glamurama: Você tem vontade de ser mãe?
Raquel Pacheco: “Sim, muita vontade. Queria ter sido mãe mais nova, justamente para não ter o conflito de gerações que tive com meus pais, mas acabou não acontecendo. Mas ainda quero viver a maternidade.”
Glamurama: Sexo acabou virando um business. Com o site www.brunasexstore.com.br, aliás, você se tornou empresária…
Raquel Pacheco: “Na fase da prostituição eu trabalhava com sexo na prática. Hoje continuo com o assunto mas de uma maneira indireta, ajudando mulheres com suas vidas sexuais. Esse é o meu caminho. Sinto muito prazer em poder ajudá-las.”
Glamurama: Ganha mais dinheiro hoje do que na época em que fazia programa?
Rachel Pacheco: “Sim. Somando o que lucro com a loja online e como DJ (toco desde 2011, mas já vou me aposentar, estou abrindo minha agenda com as ultimas apresentações) ganho mais hoje. Em breve vou lançar outro livro, uma autobiografia completa, e um canal no Youtube, que deve ir ao ar em agosto.”
Glamurama: Como será este canal no Youtube?
Rachel Pacheco: “O nome ainda não bati o martelo, mas vai ser uma produção independente. Não quero um canal só de entrevistas, quero surpreender as pessoas. Vai ter o momento sexo e relacionamento, mas também entrevistas com pessoas inusitadas. Também quero mostrar um lado meu que as pessoas não imaginam, sobre o meu dia a dia, a minha rotina. Mostrar um pouco do que costumo fazer aos fins de semana, por exemplo. As pessoas acham que Bruna Surfistinha só sabe falar de sexo. Quero abordar temas atuais e dar a minha opinião sobre diferente assuntos e também dar algumas receitas – quando me separei sobrevivi de tapioca e delivery, e acabei pegando gosto pela cozinha.”
Glamurama: E o que você faz no seu tempo livre?
Rachel Pacheco: “Quando eu estou em São Paulo gosto muito de ir à Avenida Paulista aos domingo – passo a tarde toda lá com meu namorado e amigos. Gosto de ir a parques, andar de bike e correr. Comecei a correr ano passado e já participei de três provas de rua.”
Glamurama: Conte nos um pouco sobre sua nova autobiografia.
Rachel Pacheco: “É uma autobiografia muito completa. Diferente da primeira que escrevi, ‘O Doce Veneno do Escorpião’, ela será menos comercial – na época sofri muita pressão da editora em escrever logo pra não perder o timing – e vai abranger mais detalhes da minha vida. Parto da minha infância, para as pessoas entenderem melhor os motivos que me levaram à prostituição. Falo da minha fase como garota de programa e da minha fase de mulher casada, que durou 10 anos, e do período pós-separação até hoje, aos 34 anos. Eu escrevo como se estivesse falando com meus amigos, os leitores vão se sentir muito próximos de mim. A princípio vou publicá-lo de forma independente e vender online na minha loja.”
Glamurama: Sabemos que você não curte filmes pornô. Por que?
Rachel Pacheco: “Não é que eu não seja a favor… Uma participante do curso levantou esse assunto no grupo e dei a minha opinião. Eu, Raquel, não consigo sentir prazer assistindo filmes pornô pelo fato de já ter feito e saber que é tudo fake. Não vejo uma entrega ali. E também acho que esses filmes são muito pensados para o público masculino. Fiquei sabendo que tem algumas produções feitas para mulheres. Achei interessante, mas ainda não pesquisei.”
Rachel Pacheco: “No geral as abordagens que recebo são boas, mas sou muito criticada na internet, o que não acontece só comigo. Fico muito surpresa com o respeito que as pessoas têm por mim, pelo menos as que me abordam. No meu dia a dia, passo por situações engraçadas. Outro dia estava escolhendo batatas no supermercado quando uma mulher parou do meu lado e ficou me olhando, até que falou: ‘Você é a Bruna Surfistinha?’ E eu falei: sou. Ela falou que viu meu filme e que admirava a minha coragem, e que nunca imaginava me conhecer comprando batata. Eu dei risada. As pessoas não imaginam que eu tenha uma vida comum como a delas.”
Glamurama: Gostaria de ver sua história atual, da Rachel que superou uma fase difícil da vida e se tornou uma empresária e consultora de sucesso, contada no cinema?
Rachel Pacheco: “Sim, seria uma boa ideia ter o filme parte dois. O longa sobre minha vida não mostrou nada além da prostituição. Gostaria muito que isso acontecesse. Quem sabe agora com o novo livro…”
Glamurama: Você gostaria que Deborah Secco fizesse o papel de Rachel nesta nova fase?
Rachel Pacheco: “Sim.” (Por Julia Moura)
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