Marininha Franco é referência quando o assunto é estilo. Entre uma mudança e outra de visual, a figurinista e stylist sempre se reinventa e coloca sua personalidade livre e mente aberta em cada trabalho que faz. Um de seus trabalhos mais recentes, no filme ‘Vida Invisível’, foi reconhecido com o prêmio de Melhor Figurino no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro neste ano.
Recentemente, ela também embarcou em ‘Bom Dia, Verônica’, a série brasileira da Netflix que mais deu o que falar nos últimos tempos e que já tem a segunda temporada confirmada. O maior desafio? De acordo com Marina, foi justamente criar visuais contemporâneos. “Existem muitas bolhas e recortes simultâneos. Quando o assunto é figurino atual, são muitos signos que precisamos agrupar até fazer isso tudo virar um acorde. É uma composição livre e muito aberta a diversas possibilidades”, explica.
Aos 37 anos, ela não só nos conta sobre o processo criativo da série, como sua leitura dos personagens. Em certo momento, a entrevista vira um bate-papo divertido sobre as diversas maneiras de entender cada papel. “A Verônica termina a primeira temporada mais dark, uma mulher que faz justiça com as próprias mãos. Nunca a vi como uma heroína: ela está entre heroína e vilã. Mas é claro que ela não é como o Brandão, ou a Anita. Verônica tenta fazer o certo por caminhos que fogem da ética dos homens”, conta.
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Glamurama: Para começar, como foi sua quarentena? Conseguiu manter a criatividade nesse período?
Marina Franco: Tentei manter alguma leitura nesse período. Consegui desenhar em poucos momentos porque não tive muita cabeça. Fiz apenas desenho no carvão, algo que não praticava há anos. Nesse tempo, também me dediquei ao violão, que é algo que nunca tive tempo para tocar. Passei dois meses no sítio, mas assim que voltei à cidade, veio o trabalho e a correria de novo.
G: Você foi responsável pelo figurino de ‘Bom Dia, Verônica’. Qual a parte mais desafiadora desse trabalho?
MF: O desafio foi justamente fazer uma série tão contemporânea. Existem muitas bolhas e recortes simultâneos. Quando o assunto é figurino atual, são muitos signos que precisamos agrupar até fazer isso tudo virar um acorde. É uma composição livre e muito aberta a diversas possibilidades. Por isso é tão desafiador, mais até do que fazer um trabalho de época.
G: Existia um briefing….
MF: Não tinha exatamente um briefing. O José Henrique (Fonseca), diretor da série, sempre me deixou muito livre para ler os personagens e criar. É claro que a Ilana Casoy e de Raphael Montes, escritores do livro, já traziam alguns elementos para certos personagens, mas sempre tive muita liberdade na composição. Foi um dos trabalhos mais plenos que já fiz.
G: Então o livro, de certa forma, influenciou?
MF: Primeiro li o roteiro e depois o livro. Optamos todos por não levar fielmente as descrições do livro para a série.
G: Como foi o processo de pensar na caracterização de cada personagem?
MF: Quando penso nos figurinos, visualizo o todo. Sem dúvida também penso na individualidade de cada um, mas vou mais pelo caminho da perspectiva. Viver no coletivo é se relacionar e se colocar em diversas situações, e isso influencia na maneira como o personagem se veste, quem ele é, para onde ele vai. Tudo isso importa e a roupa precisa transparecer. O processo acaba sendo bem complexo porque a logística é anti orgânica. Você filma por locação. Um exemplo: todas as cenas da delegacia são filmadas de uma vez só, então você precisa já compreender pelo que aquela personagem já passou, por qual motivo ela está ali e para onde ela vai. Cada cena é pensada dessa forma.
G: Aliás, como funciona a criação de um personagem terrível como o Brandão?
MF: É difícil porque você tem que tomar cuidado para não julgar aquele personagem em termos estéticos. No sentido de figurino, o Brandão é um personagem bastante brasileiro. Enquanto a Verônica, por opção e também por conta desse mundo pop, tem influências de personagens norte-americanas, mas sem desconectar esse figurino da nossa realidade.
G: A série foi renovada e terá uma segunda temporada. Você vai continuar no projeto?
MF: Se depender de mim, sim. Fui muito feliz com o projeto, com a equipe, com quem já havia trabalhado junto. É um time incrível e muito competente. Também adoro trabalhar com o Zé (Henrique Fonseca), nossa afinidade é algo que não dá para explicar. Ele me deixou livre e aceitou minhas propostas, desafios. O entendimento é fácil.
G: Quais serão as maiores diferenças da primeira para a segunda temporada?
MF: Isso é imprevisível. Não tem como falar sem ler o roteiro. O que eu posso é supor, mas só o caminho escrito para a personagem pode me guiar. Verônica termina a primeira temporada mais dark, uma mulher que faz justiça com as próprias mãos. Nunca a vi como uma heroína: ela está entre heroína e vilã. Mas é claro que ela não é como o Brandão, ou Anita. Verônica tenta fazer o certo por caminhos que fogem da ética dos homens.
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G: Analisamos bastante o figurino da Janete (Camila Morgado) e, em uma cena específica, ela decide sair de casa com a irmã e usa uma roupa totalmente desconectada da realidade. Aquele look, sem dúvida, fala muito sobre quem é ela, né?
MF: Com certeza. Esse figurino, do momento em que ela sai de casa com a irmã, é muito marcante. Camila colaborou muito para que acontecesse dessa forma também, ela é genial. Quando a Janete veste aquelas roupas mais joviais, com uma bota branca de cano alto, quis dizer duas coisas: Primeiro, a personagem queria resgatar a Janete jovem que mora nela, mas que se perdeu; segundo, isso mostra o quanto ela está desconectada do mundo, além de mostrar toda a pressão que sofre trancada dentro de casa.
G: Você recebeu críticas em relação ao trabalho?
MF: Quando o assunto é série, o público está se tornando cada vez mais engajado, em especial nas redes sociais. O espectador de hoje é sábio e ativo. Recebi algumas críticas em relação ao figurino da Anita (Elisa Volpatto), que alguns acharam sexy demais, reforçando aquele estereótipo da loira, sexy, que se torna vilã. Todas as críticas são importantes e gosto de ouvir. Em relação a Anita, tanto a atriz como o estilo da personagem nos permitiram explorar esse caminho. Mas, sinceramente, amei os diversos comentários que vi sobre a série e sobre o figurino. Foi uma explosão nas redes.
G: Você também fez o figurino de ‘A Vida Invisível’, que ganhou vários prêmios, inclusive der melhor figurino. Como foi isso pra você?
MF: Foi demais. Esse filme me ensinou muito sobre desconstrução de composição. O maior desafio estava nas peças. O filme se passa, em boa parte, nos anos 1950 e roupas vintage são mais caras, além de serem mais difíceis de encontrar. O longa também tinha uma passagem cronológica de tempo bem longa e isso também foi bem desafiador. Exigiu um preparo e um estudo que amei fazer, foi um prazer.
G: Você é uma referência de estilo. Se preocupa com a sustentabilidade na hora de se vestir?
MF: Eu tento. Esse é um conceito recente, que está ficando mais forte de 10 anos para cá, e essa consciência é um exercício diário e constante. O jeito é pensar sempre: ‘quem fez minha roupa? de onde vem esse material?’. É preciso educar, aos poucos. Optar por produtos que tenham uma produção limpa, criar o hábito de consumir roupas de segunda mão ou de marcas pequenas, locais.
G: Que dicas você pode dar às pessoas que querem ser menos consumistas e mais sustentáveis?
MF: São pequenas atitudes, como resistir a uma compra impulsiva e se perguntar: ‘eu preciso disso?’. Muitas compras dão uma felicidade momentânea, mas isso não dura. Comece a frequentar brechós, opte por peças em tecidos que duram. Existem várias maneiras, não há apenas uma regra.
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