(Por Pietro Marmonti, colaborador do Glamurama e empresário da indústria criativa)
Depois de um mês de férias viajando do meu quarto para a cozinha, do banheiro para a sala, e do escritório até a lavanderia, minhas aulas voltaram. Não vou poder mais tomar sol de manhã, jogar videogame a tarde, passar horas no celular à noite e dormir às 4 da manhã depois de ver três filmes de madrugada. Brincadeiras à parte, estou bem chateado que as minhas férias acabaram. Mesmo que não tenham sido como planejei em janeiro, elas deram um merecido descanso para esse semestre estranho e cansativo. A realidade é que eu nunca estive tão desanimado para voltar às aulas, tudo isso por conta do ensino à distância (EAD).
O EAD foi a forma que o mundo encontrou para continuar as aulas em meio à epidemia do coronavírus. Hoje, meses depois da implementação do sistema em quase todas instituições de ensino, temos a oportunidade de analisá-lo e refletirmos como podemos deixar esse método mais viável e eficaz.
Acredito que as instituições de ensino e os próprios professores não estavam preparados para uma mudança tão repentina na forma com que transmitem conteúdo para seus alunos. Por conta disso, tiveram que correr para planejar aulas online e adaptar os cursos presenciais para um mundo digital. Como foi feito às pressas, minha percepção é que esse planejamento não tenha sido bem executado. Senti que estava dentro de uma “ditadura educacional” com pouco espaço para a troca de ideias. A maioria dos meus professores abandonou o método socrático, em que todos debatiam temas, e adotou o método autocrático, na qual somente eles falavam e todos nós ficávamos no modo “mudo”. Conversei com pessoas de outras instituições que tiveram a mesma impressão. Essa falta de abertura, talvez ocasionada pelo peso de ter um comentário inteligente que justifique tirar o microfone do mudo, dificultou meu aprendizado e a verdadeira compreensão do conteúdo ensinado. Particularmente, sinto que aprendi muito menos nas matérias esse semestre que nos demais, e isso com certeza vai me prejudicar pelos anos a seguir.
Na minha instituição de ensino, eles optaram por provas curtas em conjunto com trabalhos colossais, algo que deixou meu curso exaustivo. Além disso, minha casa virou minha sala de aula e isso não permitiu que me desconectasse da pressão da faculdade. Toda vez que olhava para minha escrivaninha lembrava de algum trabalho ou prova, e ficava bastante ansioso. Então dois fatores me incomodaram, os trabalhos mal dimensionados no quesito “tempo”, e o fato de não ter sido ponderada a saúde mental dos alunos e o peso psicológico do momento durante a pandemia.
Um importante agravante é que a funcionalidade do EAD depende de muitos fatores, como uma estrutura familiar “saudável”, uma moradia digna e o próprio acesso à internet e a aparelhos eletrônicos. Assumir condições iguais a todos os alunos é onde o EAD foi mais falho. Moramos em um país em que ter todos esses fatores é um privilégio. Hoje, o Brasil tem em torno de 7 milhões de famílias sem moradia estável e 3 milhões de jovens entre 9 e 17 anos que precisam trabalhar para sustentar suas famílias. Todos eles ficaram sem estudar. Impressionantes 40% dos jovens não têm acesso a um aparelho eletrônico para entrarem em suas aulas online, o que faz com que 7 milhões de alunos não estejam estudando por falta de acesso a internet. A implementação do EAD foi falho por que deixou de promover educação para quem mais precisa, ampliando a diferença nas oportunidades educacionais do sétimo país mais desigual do mundo, segundo a ONU.
Uma ONG que está tentando mudar essa história é a @papo.futuro, que tem como objetivo democratizar o acesso à informação, provendo aparelhos eletrônicos e pagando planos de internet para que os jovens das comunidades retornem aos estudos. “Acreditamos que a educação é o único meio de transformação do Brasil, além de ser a ponte entre os jovens e a realização de seu sonhos. Estamos do lado dos alunos para que eles consigam mudar suas realidades”, disse Caio Santini, um dos idealizadores do projeto. Iniciativas como essas e uma mobilização social para apoiá-las ajudam a deixar o EAD mais democrático nesse momento difícil. A ONG está abrindo uma nova captação de 100 mil reais para ajudar 250 jovens na corrida por seus sonhos.
O que mais me deixa desanimado é que minhas aulas voltaram essa semana e parece que nada mudou. Minha instituição mostrou iniciativa e abriu um diálogo com os alunos para entender o que deu certo, como foi o semestre, trocar experiências para melhorar o processo e repensar o modelo no começo de julho, mas até agora, não vi nenhuma mudança. Claro que há vantagens no EAD, como a flexibilização de horários e a economia de tempo de locomoção de pessoas que moram longe da instituição de ensino. O EAD no geral é uma alternativa interessante e mais barata para quem não consegue pagar uma universidade presencial. Mas eu, assim como muitos na minha situação, tivemos dificuldades de se adaptar a esse modelo imposto pelo coronavírus. Não vejo a hora de ser seguro voltar às aulas presenciais, mas até lá, precisamos trabalhar para deixar o EAD mais interessante, estimulante e, principalmente, mais inclusivo. Senão as consequências serão sentidas no futuro pós-pandêmico.
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