Fernanda Torres passou boa parte de sua quarentena no sítio da família na região serrana do Rio. Lá, compartilhou seus dias de confinamento com o marido, o cineasta Andrucha Waddington, os dois filhos, Joaquim e Antônio, a mãe, Fernanda Montenegro, além da enteada e do sobrinho. Ao saber que a atriz estava isolada com essa trupe luxuosa, o cineasta Jorge Furtado lançou a ideia: que tal rodarem por lá um episódio da série que criou para a TV Globo, “Amor e sorte” (prevista para estrear em setembro)? E de repente, o refúgio e a intensa convivência familiar se tornaram cenário de trabalho.
Em participação no “Entrevista na janela”, série em vídeo produzida pelo Globo, Fernanda Torres falou de sua quarentena produtiva, planos adiados e muito mais. Confira os melhores momentos da entrevista:
“Quando a quarentena começou a dar angústia, veio ‘Amor e sorte’. E aquele lugar que nos serviu de refúgio, virou local de trabalho. A equipe era mínima, mas o Andrucha filmou como se fosse normal: fez chromakey, botou refletor no morro para fazer a lua. Quando tinha que limpar o campo, era a gente correndo para tirar trilho, carrinho. Foi uma experiência que aconteceu apenas porque teve essa tragédia mundial. Me sinto privilegiada de ter passado a quarentena naquele lugar com minha família e ainda conseguido trabalhar. Estou formada em tudo. Posso até abrir um salão de beleza: pinto cabelo, faço maquiagem… De luz eu já entendia, porque qualquer atriz com mais de 45 anos tem que entender”.
“‘Amor e Sorte’ conta a história de uma filha que pega a mãe e prende porque que ela estava na rua, tomando caipirinha e não queria querentenar. A mãe foi jovem nos anos 1970, época em que fumar e pegar sol não dava câncer, beber não dava cirrose. Aos 90 anos, vem a pandemia e diz ‘olha, você não pode mais viver’. Ela se rebela. A filha é do mercado financeiro, o home office por excelência. Essas duas pessoas de mundos contrários, são obrigadas a conviver. E a quarentena as aproxima. A tal ponto que, quando vem a vacina, a mãe esconde por querer ficar com a filha.”
Ao ser perguntado como foi nascer em uma família que ela mesma define como ‘trupe de circo, Fernanda revelou: “Meus pais foram fazer teatro e isso até hoje é uma coisa muito dura, porque passavam dois anos, fazendo uma peça. Iam para São Paulo, depois, turnê pelo Brasil. Eu tinha 11 anos, e a ausência familiar que a profissão exigia era duro. Mas só me dei conta depois. Na minha família não tinha fim de semana! (…) Não conheço ninguém que não lute para ser quem é. Virar a pessoa que vamos virando é uma conjuminação de acasos. Não sei como seria ter nascido em outra família. A profissão dos meus pais, vejo agora com os meus filhos, é atraente para as gerações que vêm, porque fazemos com gosto. A arte é um lugar de liberdade. Mas não era só relacionado aos meus pais. Fui adolescente com o Asdrúbal (Trouxe o Trombone, grupo de teatro) explodindo. Aquelas pessoas eram meus ideais. Havia um ambiente propício à arte. Hoje há menos espaços de aglutinação. Cresci na época do teatro de grupo. O teatro era valoroso, o cinema, a TV. Hoje, acho que a arte perdeu muito espaço no mundo com o advento da tecnologia e esse mundo tecnocrata.”
Também aproveitou para falar do desprezo do atual governo pela cultura: “Quando eu era jovem, o que acontecia com a Pina Bausch, Bob Wilson, Antunes Filho, Gerald (Thomas) ou Asdrúbal era importante e andava junto com ciência e tecnologia. A internet desmontou o mundo como conhecíamos, e a arte ainda está descobrindo o seu espaço. Mas não está longe de voltar a ser necessária. A gente está vivendo algo que só a poesia, a arte, o sublime podem dar conta. A arte não é uma futilidade, mas uma necessidade. Tanto que estamos consumindo cultura trancados em casa. Quanto ao governo, é uma política de terra arrasada. É esperar passar, não vejo como dialogar. Um governo que não tem projeto para educação vai ter projeto para a cultura? A arte sempre renasce, me preocupa mais é a Amazônia queimando. Vivi o fim da Embrafilme, o governo Collor, e a arte foi dizimada. Uma floresta não renasce. O Aritana, chefão da tribo yawalapiti, que nos recebeu na filmagem do “Quarup”, morreu. A oca dele era cultura com ‘C’ maiúsculo. Ele morreu de Covid! Todo o discurso anticiência, anti-cultura, antieducação, anti-meio ambiente é danoso, mata coisas que talvez não retornem.”
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